A porta dos fundos

A discussão já tem cabelos brancos. Mas talvez o Benfica-Bayern desta quarta-feira ajude a dissipar algumas dúvidas. É que para a maioria dos adeptos aquela coisa de ‘sair a jogar‘ não faz muito sentido, mas se uma equipa que em sua casa é, na maioria das vezes, esmagadoramente dominadora, e se vê controlada e amordaçada por uma outra, talvez a razão seja uma outra que não a de sempre: têm mais dinheiro, melhores jogadores e por isso ganham mais vezes. Se assim fosse, ainda ontem, o Man City não teria perdido com o Lyon, pelo que terá que haver mais para lá das contas bancárias e jogadores consagrados.

Obviamente essa é uma diferença importante. Mas há algo que o dinheiro não pode controlar e que torna o futebol um dos desportos mais apaixonantes de seguir. As ideias vêm de outro reino que não o bancário, e quando um gigante, como o da Baviera, consegue ter mais dinheiro e, por consequência, melhores jogadores que o Benfica, e, ainda por cima, consegue ter melhores ideias… a diferença dentro de campo torna-se também bastante exagerada. E este é o começo da explicação para o facto de o Bayern ter conseguido ser totalmente dominador e superior aos encarnados na larga maioria de um jogo numa casa onde as águias costumam empurrar para trás o adversário e ferir-lhes o último terço com recurso a velocidade e intensidade, tabelinhas ou jogadas individuais que redundam em bastantes jogadas perigosas ou golos.

Mas o Bayern entra já a ganhar neste tipo de jogos. E pelo andar da carruagem tão cedo ninguém em Portugal lhes tirará aquele sorriso confiante/arrogante com que iniciam os jogos. E dessa confiança/arrogância vem também a liberdade para, sim chegámos lá, sair a jogar desde trás. Não quando convém, não para dizer que se faz, mas para apanhar completamente desprevenidos adversários como o Benfica. Claro que para isso é preciso intérpretes que não fujam da bola e que dentro da cabine telefónica que é o seu último terço, tenham a coragem/habilidade para destapar a pressão adversária e mostrar a via rápida que se torna a organização defensiva de uma equipa batida naquele momento. E, repetimos, o Benfica-Bayern desta quarta-feira oferece as explicações perfeitas do porquê de certos treinadores insistirem em tentar sempre a tal saída limpa. Vejam-se e revejam-se os golos do Bayern que deram a vitória aos comandados de Nico Kovac na Luz. E repare-se como a ligação entre a defesa (com Kimmich a ser fulcral neste aspecto), meio-campo (que bom é ver Renato de novo a soltar o seu lado selvagem) e ataque (Robben magnífico a encontrar Renato no lance do 2.º golo e Lewandowski perfeito a concluir no primeiro e a entregar no 2.º) funciona às mil-maravilhas se o plano de entregar sempre limpo for cumprido à risca.

Por outro lado, o Bayern fugiu ao sofrimento habitual das equipas que visitam a Luz porque o Benfica (ou qualquer outra equipa portuguesa, diga-se) foge dessa saída limpa a sete pés sempre que o adversário tem ares de Adamastor. Discute-se há anos o porquê de Jonas, por exemplo, não ser fulcral nos denominados jogos grandes e parte da explicação vem de o Benfica não conseguir seguir o plano (ou fugir mesmo dele) quando o adversário lhe cria mais dificuldades do que aquelas que a vasta maioria dos jogos Liga Portuguesa oferecem. Ontem, sem o brasileiro, mais dificuldades encontrou para trazer o jogo ‘mais para si’ e ‘menos para o Bayern’. Porque, encurralados como Kimmich, jamais escolheriam entregar limpo a Salvio, e deste para Gedson e por aí adiante. Isso fica guardado para sabemos quando.

E tudo isto nos remete para a coragem. Porque se a confiança é pouca (e terá que ser total para se tentar fazer isto ao Bayern) mais vale não se fazer. Mas não se poderá é querer discutir um jogo taco-a-taco, ou dizer que se quer, se no momento-chave se escolhe a saída sem critério. Voltemos às ideias, então, para se perceber na totalidade porque o Bayern saiu confortavelmente vitorioso da Luz: escolheu sair sempre limpo para a partir da porta dos fundos encontrar espaço para os seus melhores intérpretes; travou duas a três transições do Benfica que o poderiam destapar e ferir (com Hummels e Kimmich a serem amarelados); a partir do primeiro golo pôde circular sem a preocupação de arriscar perdidas de bola; não viu os seus erros serem aproveitados (com Salvio, por exemplo, a não aproveitar aquele mau alívio de Hummels aos 23′). E este não é um cenário que se aplicará somente ao Benfica, até porque urge, para o futebol português, encontrar uma solução que não deixe o fosso para os gigantes da Europa abrir mais ainda. E essa solução andará no reino das ideias, até porque o futebol que hoje por aqui se pratica atrairá tudo menos dinheiro.

Benfica-Bayern, 0-2 (Lewandowski 10′ e Renato Sanches 54′)

8 Comentários

  1. Não concordo muito com o tom do texto, apesar de concordar com muitas das ideias expostas. Por exemplo, vi pouco do jogo do FCP mas aquilo foi quase um solteiro contra casados. Foi um jogo muito mas mesmo muito fraquinho a todos os níveis.

    1. O Bayern é superior em tudo quando comparado com o Benfica (individual, colectivo, contexto competitivo, número de soluções no plantel e no plano financeiro – considero que, não vi o jogo, mas o exemplo do City e do Lyon é bastante forçado). Sair a jogar a partir de trás também depende do que o adversário te deixa fazer e mesmo assim o Benfica conseguiu bastantes vezes;

    2. Não considero que o jogo tenha demonstrado uma diferença exagerada entre as duas ideias que entraram em campo. É uma diferença suficiente para ganhar sem grandes sobressaltos mas já vi o Benfica a fazer bem pior com muita gente a bater palmas. A diferença de ideias ficou mais visível da última vez que os dois clubes se defrontaram, sobretudo no segundo jogo. Como o resultado foi mais equilibrado já poucos arriscam dizer estas coisas. Para mim, ontem foi muito mais evidente a diferença técnica, física e de intensidade do que propriamente de ideias.

    3. O Benfica do Vitórias não é uma equipa com grandes ideias colectivas. Ainda está para nascer quem possa me convencer do contrário. O Bayern que vi ontem pela primeira vez tem boas ideias colectivas. Mesmo assim considero que o Benfica foi ousado, tentou competir, pressionar, jogar e não se limitou a fechar os caminhos para a baliza e atirar com bolas rápidas para o Jimenez.

    4. A estatística é gira mas gostava de ver os valores parciais (tipo aos 30, 45, 60, 75, 90). É que por volta dos 40 minutos mostraram o cenário dos passes e posse de bola e a diferença não era assim tão grande. Fiquei com a ideia que a diferença aumentou bastante depois do 2-0.

  2. Brian, nem todas as equipas portuguesas! O Sporting de JJ com o Real Madrid, por exemplo, discutiu o jogo sem medo e jogar desde trás! Mas, de resto, perfeita análise!

    • Sim, concordo. É um bom exemplo do que fazer, ainda que o resultado (por outras razões) não tenha agradado. Esse Sporting e essa abordagem é talvez a última boa abordagem de uma equipa portuguesa frente a um adamastor. Longe do que ontem o Benfica conseguiu fazer – ainda que não tenha jogado pessimamente.

  3. Estás no direito de desconfiar do tom e todos os argumentos que apresentas são lógicos. Pelo que não vou usar a resposta para rebater, visto que os do texto me parecem ainda mais lógicos.

    Em relação ao último ponto sei que o Benfica tinha, à meia-hora um único remate, sendo que o Bayern tinha seis (3 deles enquadrados). Não foi um Benfica negativo, como não foi um Benfica a conseguir jogar de igual para igual, por razões que já apresentei no texto.

  4. Haverá sempre diferença em poder contar com Ederson, Semedo, Lindelof e já agora Renato, na construção a partir de trás. Parece-me por isso que as individualidades que podes ter determinam o que se pode fazer não? De resto, concordo com as objecções do Edson.

  5. “têm mais dinheiro, melhores jogadores e por isso ganham mais vezes. Se assim fosse, ainda ontem, o Man City não teria perdido com o Lyon, pelo que terá que haver mais para lá das contas bancárias e jogadores consagrados.”

    Isto não me parece ter lógica nenhuma. Lamento, mas nenhuma mesmo.

    Porque dizer que ganham mais vezes não é o mesmo que dizer que ganham sempre, e que por isso o City teria de ganhar obrigatoriamente ao Lyon.
    Mais vezes significa… errr… mais vezes. Só. Somente.

    Portanto, e só para enfatizar, não se consegue aferir até que ponto é que os adeptos, que dizem que alguns clubes ganham mais vezes por terem mais dinheiro e melhores jogadores, estão certos ou errados, só porque o Man City perdeu um jogo com o Lyon. Primeiro seria necessário estes 2 clubes jogarem mais vezes, para ver ser o City ganharia ou não mais vezes que o Lyon.
    E mesmo assim, e já agora, mesmo que o City ganhasse mais vezes, isso também não significaria que os tais adeptos tivessem razão. Não se deve tirar conclusões só com parte dos factos, e correlacção nem sempre implica causalidade.

    Por outro lado, e isto já não é uma questão de falta de lógica, mas se o texto tenta passar a mensagem de que, para solucionar o problema da falta de dinheiro e de melhores jogadores, é necessário sobretudo ter melhores ideias ou treinadores com melhores ideias, então o exemplo do jogo entre Lyon e Man City também não me parece dos melhores para ser usado neste contexto. A não ser que o autor considere que treinador do Man City está ao nível do Rui Vitória, no que diz respeito a ideias.

    Porque se o autor considera que o Guardiola é um treinador com boas ideias, usar este exemplo é quase como dizer que não basta ter grandes contas bancárias, muitos jogadores consagrados, e boas ideias (e que é necessário outra coisa qualquer que se esqueceu de referir), porque se assim fosse, ainda ontem, o Man City não teria perdido com o Lyon.

  6. Peço desculpa, mas este texto não têm qualquer tipo de coerência.
    O autor diz que o Benfica consegue em casa no último terço ter intensidade e velocidade recorre a tabelinhas a jogadas individuais, sendo bastante perigoso. Mas afinal o Benfica têm ou não têm ideias?!
    Pensar que o Benfica joga da mesma forma com o Bayern ou com o Marítimo, nem o Barça outra grande equipa europeia o faz, e o Bayern!! A referência a Jonas, mas estamos a falar de ideias ou de capacidade individual.
    Na minha opinião as ideias pagam-se e bem, senão o Guardiola não tinha gasto 400 milhões, não foi para ter ideias, mas foi para que essas ideias possam fluir evoluir e resultar.
    E achar que em Portugal não existem ideias, e ridículo! Não há é dinheiro para essas ideias!!
    Em Portugal há muitos bons treinadores com belas ideias!!

  7. e como é que o homem poderia por a equipa a construir a partir de trás se tem dois centrais e um trinco que nao o sabem fazer, alem do AA? Querias que fossemos goleados, era isso?
    A pressao alta resulta do mesmo facto. Mais vale ter pressao alta para os manter à distancia o maximo tempo possivel mesmo correndo os riscos que correram. Alem disso sempre se podia recuperar uma bola e fazer um golo. Para este jogo era necessaria muita sorte. Com o Bayern o Benfica nºao tem capacidade de construir de tras e chegar lá a frente, porqueo Bayern nao é o Tondela. É obrigado a recuar os medios e extremos para a ligaçao ou para o transporte, etc, o resto deves perceber.

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