Odissea(s) de Alfa numa Versão Beta

Com três corredores, e uma manta de onze jogadores sempre curta, fazem-se escolhas. Neste caso, a do Benfica, na sua segunda visita à Grécia da época, foi a de encurtar espaços interiores e, consequentemente, deixar os corredores laterais (quase) livres e desimpedidos para os laterais/extremos do AEK provocarem dilemas a um plano que ficou, irremediavelmente, em versão Beta depois da expulsão de Rúben Dias (45’+3). Mas, até lá, o Benfica aproveitou também a escolha interior do AEK para soltar Grimaldo. Facto preponderante na vantagem de dois golos que as águias conseguiram em Atenas ainda antes da meia-hora de jogo. Claro que aí, no conforto dos golos de Seferovic (6′) e de Grimaldo (15′) aquele fenómeno estranho que assola o Benfica há várias épocas não deixou de acontecer, num jogo que, apesar das dificuldades vividas na 2.ª metade, recolocou o Benfica no caminho das vitórias na fase-de-grupos da UEFA Champions League.

Acontece na Luz (sem males maiores na maioria dos jogos do campeonato), acontece noutros campos (como no de Chaves, no jogo passado) e acontece, inevitavelmente, na Liga dos Campeões. O Benfica marca por uma, ou por duas vezes, e entra em colapso. Por vezes a derrocada é instantânea e por vezes acontece aos arranques. O que é facto é que… não deixa de acontecer. O Benfica em vantagem é, portanto, um desastre à espera de acontecer. E, neste caso, em Atenas, só não o foi porque esta época tem um guarda-redes à altura e porque Alfa Semedo teve um rasgo de inspiração digno de Homero nas suas obras épicas. Tudo começou, já o dissemos, na enorme capacidade do Benfica em encontrar os corredores, mas também em ganhar as segundas bolas e ficar por cima do AEK num ‘miolo’ em que Fejsa, Pizzi e Gedson foram mandões até à meia-hora de jogo. Depois, bem… depois Rúben Dias foi vítima de excesso de zelo por parte do juiz da partida e Rui Vitória primeiro, e o Benfica depois, entrou num dilema.

A opção dos gregos era, lembramos, a de encontrar os seus laterais por fora. Já o Benfica fechava o espaço interior (com Salvio a ter grandes dificuldades já na primeira parte) com os laterais a encostarem nos extremos do AEK. Um plano que, com a expulsão de Rúben Dias (e a entrada de Lema para o lugar de Sálvio) forçou Pizzi a ter que se preocupar com o corredor mais forte dos campeões gregos. Aí, o espaço que Hult encontrava na esquerda permitiu ao AEK pensar, acreditar e ficar bem perto de construir uma reviravolta que só um rasgo de inspiração de Rui Vitória (porque lançou quem sossegou as hostes) e de Alfa Semedo (que acreditou que podia marcar a léguas de distância) impediram. E na altura da entrada de Alfa Semedo, por um Pizzi que não se podia dobrar em ajudar a fechar o espaço interior e a vigiar as constantes investidas de Hult pela esquerda, a opção de Rui Vitória pela saída de Sálvio e a permanência de um Seferovic perdido e sozinho no campo ficava, claramente, em xeque. Pensava-se na altura que a saída do suíço e a permanência do argentino não destruiriam o meio-campo que tão forte foi na 1.ª metade. Pizzi não teria de fechar o espaço lateral – deixando Fejsa e Gedson em dificuldades – e uma saída de Rafa ou de Toto poderia fazer acontecer o 2-3. Curiosamente, foi com a entrada de Alfa Semedo para tentar travar o espaço de onde vinham as inúmeras oportunidades (que deram dois golos a Klonaridis (excelente 2.º avançado do AEK) que o tal golo apareceu. Era um Benfica com corredores abertos e com espaço interior ferido, mas encontrou na crença de Semedo e, quiçá, num ‘aha moment’ de Rui Vitória, o caminho para se reencontrar com as vitórias na fase-de-grupos da prova milionária da UEFA. Para isso, não nos cansaremos de dizer também, teve no seu excelente guarda-redes alguém que deixará certamente a irregularidade de Varela e a ‘criancice’ de Svilar num canto recôndito das (más) memórias encarnadas.

AEK-Benfica, 2-3 (Seferovic 6′, Grimaldo 15′ e Alfa Semedo 74′; Klonaridis 53′ e 63′)

28 Comentários

  1. Boa noite!

    Na minha opinião.

    O futebol tem “destas coisas”, e hoje foi uma noite, em que “essas coisas” fizeram o Benfica conseguir os primeiros pontos na liga dos campeões em dois anos.

    Sem dúvida uma equipa superior ao AEK, principalmente nas individualidades. E isso valeu tudo, pois em momentos decisivos o AEK não sentenciou o jogo.

    Não se entende a abordagem do Benfica na segunda parte, melhor, em 30 minutos (além do texto já referir que o Benfica em vantagem é uma equipa com outra cara) mesmo com menos um jogador.

    Mudou-se jogadores(pizzi-alfa-gelson) , mas o problema manteve-se, até que de repente e após já ter sofrido dois golos e ter levado outros sustos, a equipa altera a abordagem (impedir uma construção confortável no meio campo). Gostava de ver imagens do banco para perceber se isso foram indicações claras de mudança de estratégia ou então foi um vontade própria dos jogadores (até pelas características e frescura de alfa) de correr atrás de outro resultado.

    Só existiram problemas no corredor (esquerdo principalmente) porque era fácil de mais a bola chegar lá. A segunda alteração do AEK (substituiçao e mudança de sistema) ajudou.

    Não vi a conferência de imprensa mas espero que o Rui Vitória tenha assumido este enorme erro, pois tem vindo a faltar muita humildade e muita resistência à crítica (óbvia, sobre situações obvias). Aceito que quem está no processo tenha outro timing para mudar algo (de fora é tudo mais fácil, tirar e por jogadores,mudar esquema A ou B…), mas é necessário perceber que neste nível isso pode marcar a diferença.

    Com a qualidade em avançados e médios no Benfica, veremos para onde se vai caminhar.

    Sem dúvida Odisseias! A diferença que as individualidades podem ter numa equipa. Parece que hoje foi regra, e com Chaves foi excepção, ao contrário daquilo que se viu na época anterior.

    PS: Benfica tem mesmo treinador faz tempo, e percebe-se que continuará mais tempo (não discordo). Tendo as ideias definidas, princípios…uma equipa que na organização defensiva tem uma linha defensiva alta no campo…como se contrata um jogador com as características de Lima!? (a ver em mais jogos…pois posso estar a ser injusto ).

    Bom jogo para FCP e SCP.

    • De Rui Vitória só ouviŕás coisas positivas em relação à equipa. É uma opção de comunicação exterior. Lá dentro não sabemos até que ponto são dissecados os erros – mas imaginamos que se discutam para não tornarem a acontecer. Limitados todos somos. No futebol haverá milhões de decisões possíveis em cada 90 minutos. É inglório para toda a gente 🙂

    • O Rúben foi referido duas, três vezes ao longo do texto. Numa delas houve um lapso sublinhado em dois, três comentários. Mais importante parece-me a questão: acham mesmo que pensamos que o Rúben semedo joga no Benfica?!

      🙂

  2. A facilidade com que foram expostas as duas equipas, com clareiras enormes a abrir, foi demais. “Inter-espaços” brutais, corredores como avenidas.
    Klonaridis no bom e no mau, a falhar incrivelmente o 3-2, que facilmente se adivinhava perante o descalabro coletivo em inferioridade numérica num estaticismo sem bola.
    Pobre.

  3. Este Benfica é mau sempre que não está em organização ofensiva ou transição defensiva. É,como dizem,um desastre à beira de acontecer.

    • A organização defensiva não é má. Longe disso. O que me parece é que devia ser ‘última escolha’ para controlar jogos. Toda a equipa que passar mais tempo nesse momento arrisca-se a sofrer, e o Benfica parece escolher esse momento ao invés de ser obrigado a ele.

        • Essa imagem mostra exactamente isso: uma equipa com a última linha de 4 bem alinhada e a fechar o meio, e os centrais com os apoios bem orientados. Há ali um tipo que devia estar mais próximo do 10 adversário (o Pizzi), o Almeida podia esticar mais o espaço com o Conti e o Rafa (ou o Cervi?) já devia estar mais no meio, para ocupar o espaço do Gedson.
          Mas globalmente a imagem não mostra uma equipa desorganizada.

          • Não mostra uma equipa desorganizada, só que a organização que estamos a ver não serve para nada. A linha defensiva está muito subida para um jogador adversário estar completamente sem pressão a meio do meio campo defensivo. Depois, como os gregos não são do regional, facilmente colocavam a bola na lateral e o almeida apanhava o adversário com espaço/profundidade para atacar no 1×1. Claro que isto é defender mal colectivamente.

    • Já agora, no global não acho que a org def seja má, mas achei que a opção dos laterais pegarem nos extremos correu muito mal. Especialmente na 2a parte, com os jogadores a sentirem o erro, Vitória sem o corrigir, o que deu origem a momentos de desorganização que quase custavam bem caro.

  4. Boa noite,apesar de ler os artigos não costumo comentar pois não percebo muito disto logo não tenho muito para acrescentar, contudo gostava que houvesse alguém por aqui que pusesse o dedo na ferida e colocasse as debilidades do André Almeida a nu.
    Desculpem deixar de lado o politicamente correcto mas uma coisa sei: o tipo não é nem nunca será jogador de futebol, não saber defender até é quase secundário quando não se consegue sequer dominar uma bola, fazer um passe,ter um toque útil, sob a mínima pressão é um chutão ou tentativa de passe sem nexo.
    Isto acontece há anos e nunca ninguém o expõe.
    Uma equipa que ataca uma liga dos campeões com jogadores deste calibre, arrisca-se a ter dissabores tão grandes como os do ano transacto.
    Não me vou alongar e falar dos defesas argentinos porque não seriam à partida primeira escolha, toco neste ponto porque se repete e o Almeida vai passando pelos pingos da chuva.
    Desculpem se me excedi. Parabéns ao blog, cumps

    • Não falo por toda a equipa do Lateral Esquerdo mas parece-me que não será assim tão mau. Como obviamente não foi 1.a opção sempre que houve um lateral ou médio claramente melhor. Houve tentativa no mercado de verão para se melhorarem as opções nessa posição, mas o jogador contratado encontra-se lesionado.

      Comenta sempre que quiseres. Apreciamos a discussão sobre os textos e sobre todos os assuntos relacionados com futebol. Abraço :))

      • Por acaso dei por mim a pensar o mesmo durante o jogo. Um jogador não tem capacidade individual de perceber como as bolas estão a entrar, e começar a abordar os lances de forma diferente? os próprios apoios estavam sempre errados para recuperar distâncias imediatamente… num caso destes, será que Rui Vitória também tem dedo? ou é simplesmente incapacidade do jogador em perceber?

        • Acho que houve uma opção que acabou por dar erros sucessivos. Na 1a parte não se notou tanto, mas os laterais quase que perseguiam os ‘extremos’ móveis do aek. As aspas e o móveis serve para lembrar que eles estavam sempre no espaço interior. Esse quase H-H deixava a linha completamente destapada – coisa que nem Salvio, nem Pizzi, e acho que nem o super-homem, conseguiriam fechar. Alfa trouxe o golo e acabou com a crença, mas aquilo podia ter saído caro.

        • Falam mas ninguém comenta como pizza anda a passear no campo nunca ganha um bola dividida não meta o pe e continua titular np Benfica

  5. Laudrup, e como é que antevês o jogo com o Ajax? Vi um resumo alargado do jogo contra o Bayern e eles não ganharam (por vários) por duas razões: ou falhavam no momento crucial, ou o Neuer ia lá buscá-la. A dura realidade dos factos é que criaram uma quantidade obscena de oportunidades, e parecem ser um colectivo com uma qualidade tremenda. Temo que, contra o Benfica, aquela qualidade e velocidade possa dar goleada das antigas (sobretudo com Lema e Conti a centrais, Almeida a lateral, e, como sempre, Rui Vitória no banco).

    • Antevejo como a tal eliminatória a duas mãos que ditará as contas do grupo para o Benfica. Sei que é óbvio, mas não posso ter a certeza de que o Ajax mantenha o que fez no Allianz. Foi a 1a vez que os vi com atenção e fiquei com duas sensações: o Bayern está num momento deprimente (para azar do Benfica aconteceu logo depois da visita à Luz) e o Ajax foi realmente fabuloso a fazer lembrar velhos tempos. Resta saber se estes foram fenómenos temporários ou se será coisa duradoura. O jogo na Luz contra os holandeses será interessantíssimo, isso certo.

      Desculpa dizer uma mão-cheia de nada, mas por agora foi só uma excelente exibição. O resultado em casa contra o AEK poderá também ser conseguido por um Benfica que mostrou ter melhores individualidades do que os gregos. Isto se o grupo não estiver já decidido nessa altura.

      Aparte das questões portuguesas, gostava que esta ideologia do Ajax tivesse outra vez sucesso a larga escala. O futebol anda a precisar desses abanões à antiga. Esta bolha financeira é uma idiotice.

      • Sugiro que vejam o resumo do Dinamo de Kiev – Ajax. Foi um acumular inacreditável de golos perdidos pelo Ajax. Ou seja, existe um aqui um padrão que se repete.
        Este Ajax joga muito, e de uma forma desconcertante.

        Seria interessante perceber como, noutro campeonato desnivelado que não o português, ate que ponto uma equipa dominante pode manter um estilo radical sem ser prejudicado por isso. Eles devem ter pontos fracos muito acentuados. Ainda não tentei identifica-los.
        Penso que nos encontros com o Benfica notar-se-ão apenas os pontos mais fortes.
        O treinador do Benfica tem, ou uma apreciação muito baixa pela posse de bola, ou não sabe como a manter. A única forma de o corrigir é meter a jogar um médio que saiba conservar a bola, e ele existe, mas ainda não vai regressar a competição; pelo menos a tempo do primeiro encontro.

  6. Laudrup, dá-me uma grande impressão que o SLB protege bem melhor o espaço à frente da defesa com 2 médios do que com 3! Não te parece? Depois, a postura defensiva como alguns jogadores abordam os lances (Almeida, Grimaldo, Pizzi) é de desesperar.

    • Muito sinceramente, haverá jogos em que terá de ter linha de cinco. Na 2a parte, também fruto da expulsão, aquilo foi um desastre.

      Acho que terá mais a ver com a ocupação de espaços e a facilidade em fazê-lo do que propriamente no número de médios ou avançados. Para isso há que ter vários outros factores em conta (pressão à saída adversária, altura da linha defensiva, espaço entre-linhas…). Não haverá panaceia para todos os males. Cada jogo e momento pedem várias opções. E por isso é que futebol não é uma brincadeira de jornais, blogs ou filosofia. Lá dentro terá de haver decisões a cada instante. Mas formou-se a ideia de que há sistemas, planos e ideias que funcionam sempre. E ver o City-Lyon ajudará sempre a percebermos que não há ideias infalíveis. O difícil é transcender a ideia quando o jogo pede outra coisa.

  7. Não posso concordar que tenha sido um rasgo de inspiração de Rui Vitória, o seu histórico mostra que foi claramente mais um momento que foi rezar a Nossa Senhora de Fátima para que alguma coisa saísse dali. A quantidade de vezes que o AEK repetiu a mesma jogada pela esquerda foi penosa, mais ainda por se perceber que não tinha qualquer solução para impedir aquilo.

    • Deixei a porta entreaberta para o milagre, mas acho que se nota bem que não foi um momento Kelvin. O Alfa entrou para tentar fazer o que pizzi não estava a conseguir – mais por opção colectiva do que individual.

  8. Concordo quase na totalidade com o teor da análise.
    Nota-se em muitos comentários a resistência a dar qualquer tipo de mérito a Rui Vitória. Mas se olhar-mos com olhos de ver sem preconceitos, vê-se que a entrada do Alfa e a alteração tactica que implicou foi muito boa, e talvez se justificasse ter sido feita ao intervalo.
    Hoje vejo toda a gente a bater no André Almeida ainda mais do que o habitual, mas parece-me um pouco injusto, pois só passou a ter apoio a sério com a deriva do Gedson para o seu corredor. Até aí esteve sempre muito exposto.
    Além disso há que dar algum mérito ao AEK, pois soube aproveitar muito bem a vantagem numérica para criar e a aproveitar o espaço nos corredores. Há também que não esquecer que o AEK teve (à semelhança do Benfica) de ultrapassar duas eliminatórias para chegar à fase de grupos.
    Uma nota ainda para os centrais, pois parece-me que foram pouco assertivos a limpar os cruzamentos que resultaram nos golos do AEK.

  9. Curioso, o Paolo Maldini descrevia em tempos o Benfica de Rui Vitória como uma equipa cínica que quando se via em vantagem muito raramente a perdia, precisamente pela sua competência em fechar o jogo.

    Achava interessante uma troca de pontos de vista. É uma espécie de análise cronológica do que é que despoletou essa mudança

  10. O Ten Hag, o treinador do Ajax, treinou entre 2013 e 2015 as reservas do Bayern. Alguma coisa terá aprendido com o Pep…
    Espero não ter uma surpresa desagradável, mas por outro lado, se calhar é tempo de na Luz se perceber que o modelo de jogo do Rui Vitoria (sem questionar as suas qualidades, que as tem), é curto para um clube com o SL Benfica. Depois do JJ era necessário dar um salto qualitativo para além do jogo de transições, que vem sempre ao de cima quando o adversário é mais forte. Afinal ficámos com o mesmo estilo de jogo mas pior executado, e apenas com a benesse de não ter um mau feitio ao comando da equipa.

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