Correr não é jogar, mas não correr também não ajuda – Do Benfica – Porto, ao Sporting

O Benfica venceu de forma inteiramente justa o FC Porto, embora afirmar-se que terá sido um jogo de nível elevado ou sequer bem jogado seja uma heresia. Já não foi assim no derby da Luz que opôs o Benfica ao Sporting.

O próprio Rui Vitória referiu que “a equipa que falhasse menos e estivesse mais concentrada iria aproveitar uma bola que andasse a saltar de cabeça em cabeça ou de pé em pé“.

Ontem falava-se numa “inglesização” do Benfica e do Porto, quando em Inglaterra se percorre o caminho oposto, e se procura um jogo com maior controlo e menor aleatoriedade.

Sim, reafirmo, o Benfica venceu e mereceu, mas isso não invalida que o vencedor para que a tal chegasse, dependesse de um lance fortuito. De um acaso. E assim foi. A crítica à qualidade do jogo, deve-se unicamente ao facto de ambas as equipas se terem preparado para não perder, esperando ofensivamente por uma dádiva. E isto, quando estavam decorridas apenas seis jornadas, que é um dado bastante relevante.

Os adeptos, sobretudo os da equipa que vence, falarão em intensidade, vontade e estrela de campeão. De repente parece ter-se retrocedido alguns anos. Sobre a eleição do melhor em campo realizada ainda em pleno Estádio da Luz, havia que manter a coerência. Num jogo de choque e vontade, é entregar o epíteto ao que luta e que num lance acerta e define o resultado.

Obviamente que não poderia estar em maior desacordo. Já por diversas vezes me referi ao que é uma boa e uma má exibição. Tudo depende da quantidade de boas acções que se tem num jogo. Fazer um golo, que provavelmente qualquer outro também faria, e perder as restantes bolas todas, não constrói nem é a base para uma boa exibição! Assim como não estar em qualquer lance de notoriedade, não significa que não se possa ter tido um jogo de luxo! As exibições devem ser avaliadas com base nas acções. Em todas. E perceber se fez bem, se fez mal. Se fez mal se tinha condições para fazer melhor?

Seferovic talvez tenha batido o recorde de menor acerto em percentagem de passe da Liga num só jogo. Em vinte tentativas de passe, apenas acertou oito. De todas as vezes que procurou passar para a frente, a bola passou automaticamente para o adversário. Não terá sido uma exibição péssima porque em alguns dos lances não havia condições para muito melhor. Mas não deixou de ter sido um mau jogo do Suiço que foi determinante no resultado.

Aliás, é a presença em campo de Seferovic que até ajuda a compreender o porquê de o Benfica não procurar entrar pelo corredor central, afinal, com aquele perfil de jogador que procura em oitenta por cento das vezes receber na correria, e nas vinte em que recebe por dentro da organização adversária, costuma entregar a posse, é muito difícil conseguir criar, e ainda há o risco de deixar a equipa exposta na transição defensiva. A sua presença justifica-se pela forma como Rui Vitória pensou vencer o Porto. No sacrifício e na correria. E assim foi, e justamente. Apenas há que reforçar que jogando assim, quer um lado quer o outro mais do que construir o seu jogo e dar-lhe uma base que sustente as vitórias, arriscam-se a que a aleatoriedade caia para o outro lado…

O jogo de Seferovic por vídeo:

O homem do derby foi naturalmente e com larga vantagem sobre os demais: Rúben Dias. O central que trouxe ao Lateral Esquerdo ainda bem antes de se estrear pelo Benfica, anunciando-o como o melhor produto da formação encarnada em largas décadas (na sua posição), esteve a um nível tremendo, não apenas nas suas acções, mas até na forma como orientou desde a rectaguarda a equipa. Não espantará que seja Rúben o sucessor da braçadeira de Luisão, em não tanto tempo assim.

 

Correr muito e lutar por cada bola, mantendo concentração e compromisso a todo o instante não torna um jogador valioso. Não é diferenciador, e é por isso que não é habitualmente valorizado aqui. Isso todos conseguem fazer, desde que queiram!

Mas, nos últimos anos parece ter-se também assistido ao deturpar de tal pensamento. Fica a sensação de que há quem pense que é indiferente correr pouco ou muito. Não é. Quem corre mais e mais rápido, se o fizer com orientação e não apenas por fazer, estará à frente de quem não tem andamento.

Se Ristovski tivesse aumentado a passada e ajudasse o Sporting a defender, não passaria a ser um bom jogador, porque isso qualquer um tem capacidade para fazer. Mas, não fazendo, é natural que deva ser responsabilizado e ainda se desvalorize mais. Quando nem os que não têm qualidade demonstram vontade, compromisso e disponibilidade, como pode um dos piores laterais a passar pelo Sporting nos últimos anos, incapaz em tudo o que seja processo defensivo, e a acrescentar pouquíssimo com bola, continuar a usufruir de espaço na equipa leonina?

 

 

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

9 Comentários

  1. Este sim um post ao bom nível do lateral esquerdo e não aquele mediocridade colocada antes….

    Acho que vitória para além do medo que tem de perder, a nível tático tem muitas faltas, mas quando analisada a equipa que escala….Seferovic tem jogado sempre, Jonas vem de lesão prolongada Castillo de 1mes e pouco de paragem e Ferreyra como vocês disseram em tempo não dá para jogar da forma como pretende vitória que o Benfica joga bem como o próprio Ferreyra veio de lesão, no meio campo optou Vitória pelo físico mas ao mesmo tempo pelo esclarecimento, Gabriel da ambas as coisas e já sabemos que Pizzi não defende e nesse aspeto o Gabriel e superior ao gedson pela experiência, na defesa de todos os centrais do Benfica Conti está castigado e Jardel lesionado quem seria a opçao…claro lema que apesar de o mais fraco de todos tem mais experiência que ferro que se ontem fosse escalado para jogar e fosse titular seria sempre uma dúvida e qualquer erro poderia ser um ponto negativo naquele que tem sido o seu trajeto e como se sabe os adeptos não perdoam facilmente.
    Em suma acho que vitória agarrou-se ao que tinha e ao que sabia do porto, teve sorte, muita sorte mesmo, porque acabou por dar resultado…mas se o Benfica não se vê reduzido a 10 não sei se vitória não iria carregar sobre o porto já pelo corredor central pois as substituições davam essa ideia…nunca saberemos, o que sabemos e que foram 90m de futebol aos repeloes sem rei nem Roque, onde durante cerca de 15 minutos a equipa que estava melhor no jogo se vê reduzida obrigando que baixe ainda mais o pouco nível que já tinha

    • Bom comentário do user Pedro A., com o qual estou em completo acordo.
      Quanto ao post, também me parece que R. Dias esteve muito bem!
      Gosto muito das análises que são feitas aqui no lateral esquerdo, e parece-me um bom principio de análise individual, a quantidade de boas acções ou acções com sucesso, para se aferir a qualidade da exibição de um jogador!
      Há no entanto uma outra vertente, a meu ver claro, que não pode ser esquecida. A vertente da influência de uma determinada decisão no resultado do jogo. Ou seja Seferovic sem o lance do golo, fez um exibição sofrível baseada essencialmente num jogo de muita luta, mas o golo foi determinante no resultado final, logo tem de ser valorizada acima das restantes! Trata-se de uma visão limitada da minha parte? Talvez! Mas acredito que há mais do que uma maneira de ver as coisas e o futebol não é algo que possa ser reduzido a apenas uma forma de análise, porque tem muitas variantes!

  2. Foi um dos piores clássicos dos últimos anos, embora não tão diferente daquele que temos assistido nos últimos anos mesmo quando JJ era treinador, mais uma vez uma excessiva compulsão por tentar controlar o jogo e medo em arriscar.

    Todavia fica aqui uma nota positiva a RV, não obstante que o futebol praticado pelo SLB ser miserável , um futebol á italinana, onde o 1 a 0 basta , e após marcar o importante é proteger a baliza,

    Porém a verdade é que já são 2 campeonatos , 1 taça de portugal e 1 taça da liga, 1 supertaça , e 3 presenças seguidas na champions (embora a presença vergonhosa e iniesqecível do ano passado) e vários jogadores potenciados , numa era onde os treinadores por melhor que sejam suas ideias, não tem tempo para as implementar tendo em conta a pressão dos resultados.

    Este soma e segue , pode não ser o melhor estilo mas a verdade que tem sido de uma eficácia bastante prazeirosa para quem gosta de ir festejar títulos no Marquês, que é no fim do dia, goste ou não do estilo , aquilo que qualquer adepto quer.

  3. O Sporting é aquilo que é, e tem o treinador que tem. Vendo o Sporting jogar creio que não há ninguém que acredite que venha a ter uma taxa muito elevada de conquista de pontos no campeonato. O Peseiro pensa a equipa para as transições, tem uma organização fraca, como se viu em quase todos os jogos que fez esta temporada.

    Do Benfica o caso é de desperdício. É indiscutivelmente, dos três grandes, aquele que tem melhor plantel, como possibilidade de fazer um onze para jogar futebol positivo e impositivo em qualquer campo da liga portuguesa. O problema aqui é Rui Vitória.

    O Porto é um caso de estudo que gostaria que vocês abordassem um destes dias. A qualidade da organização ofensiva parece demasiado má para ser verdade sendo esta (falta de) qualidade mais evidente em jogos repartidos contra equipas de valia semelhante, embora tenho sido evidente também na maioria dos outros jogos de grau dificuldade menor já realizados nesta temporada. A minha dúvida aqui é se aquilo que o porto apresenta decorre da (falta de) qualidade dos jogadores de que dispõe, que não permite, salvo a honrosa exeção do Oliver e do Brahimi, andar a brincar aos jogos interiores, ou de uma opção consciente do treinador que prefere jogar a sorte do jogo nas bolas paradas do Alex e nas correrias em profundidade do Marega.

    • Há aqui uma falha na tua análise ao trabalho de Rui Vitória, que tem ver com o seguinte facto:
      é verdade que o plantel que RV tem à disposição é superior aos outros dois, mas esse facto dever em grande parte ao facto de ele não ter problemas em integrar jogadores da formação ou ainda sem cartel … ou trocado por miúdos – o Benfica tem um meio campo de luxo com muitas opções, mas só é assim porque este não teve problemas em apostar no Gedson e no Alfa, que somados ao Gabriel, ao Krovi, Ziv, Pizzi, dão o tal meio campo de luxo. Sem os dois primeiros era um meio campo curto para todas as competições.

  4. Sobre este jogo, mas numa outra vertente, e olhando também para os ultimos jogos: Benfica com menos um.

    Não tendo um olho treinado como o vosso, pareceu-me que esta posibilidade (de jogar em inferioridade numérica) não foi muito planeada pelo RV até ao momento.

    Se em Chaves a opção foi recuar Jonas para o meio campo porque não havia mais substituições disponíveis, contra o AEK doi tirar o Salvio fazendo o Pizzi descair para a direita, e mais tarde trocando Pizzi por Alfa para travar a auto-estrada que se tinha ali criado. Ontem, a Solução foi tirar o Seferovic e manter o resto da equipa organizada da mesma maneira.

    A mim pareceram-me opções muito distintas, e que me levam a pensar que foram respostas ao jogo em concreto e não algo planeado.

    Aliás, o ultimo golo em Chaves (ninguém sai a um jogador com excelente remate) e os golos do AEK surgem precisamente dos desequilíbrios criados pelas escolhas do RV como reação às expulsões.

    Ontem, para mim, foi feita a melhor opção. Manteve-se a organização e colocou-se um jogador que ja tem alguma experiência (embora só de recurso) na posição que foi ocupar.

  5. 1. Concordo com o LE que o melhor jogador foi o Ruben. Embora na minha opinião pessoal isso só é importante em conversas de café. Cada cabeça, sua sentença.

    2. Acho que foi RV que preparou melhor o jogo e, mais importante, o quis ganhar. Foi quem teve mais coragem, especialmente quando pensamos que sabia que tinha uma defesa fragilizada.

    3. Ultrapassou isso obrigando o Porto a jogo directo, mantendo a defesa de frente para o jogo, utilizando as características mais fortes do novato na equipa (e não expondo os seus pontos fracos), Lema, com o seu excelente jogo de cabeça e a parte física.

    4. Não concordo nada que o golo tenha sido um lance fortuito. Um lance fortuito ou de acaso é quando um remate bate num defesa e entra, por exemplo, enganando o guarda redes. Na minha humilde opinião, foi um lance muito bem trabalhado, fruto da excelente técnica dos executantes, tanto assim foi que só à 2ª o Gabriel conseguiu acertar o passe, de difícil execução, anulando a defesa do Porto e obrigando-a a errar. O Gabriel e o Pizzi já tinham tentando algo semelhante antes, no melhor remate da noite, que foi defendido.

    5. Foi isto que eu vi. Uma vitória táctica de RV sobre o calculismo e alguma soberba do SC, tentando perder tempo e cortando com faltas todas as iniciativas atacantes à equipa do Benfica, tentando enervá-la, mas sem sucesso.
    Tiveram ajuda do árbitro, porque se o Corona tem sido admoestado depois de 3 faltas, e não depois de 7, as coisas teriam sido algo diferentes naquele lado esquerdo.

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