Octanas efémeras

Porto's Malian forward Moussa Marega celebrates a goal during the UEFA Champions League group D football match between FC Porto and Galatasaray SK at the Dragao stadium in Porto on October 3, 2018. (Photo by FRANCISCO LEONG / AFP) (Photo credit should read FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

Chegará o dia em que contará mais a reacção à adversidade do que a própria adversidade. Chegará o dia em que não lhe chamaremos adversidade mas algo mais neutro, e com menor conotação negativa, como condição. Não importará, assim, que essas condições surjam de diferentes maneiras e não interessará controlar o jogo de forma a que elas não apareçam. Como transcender o que não podemos ver?

Talvez, visto deste prisma, a derrota na Luz seja a melhor coisa que aconteceu ao FC Porto nesta época. A [época] que passou já lá vai e o tempo apagou a reacção com que os dragões a encararam. O campeão é agora o Porto de Conceição, pelo que não interessa tanto, agora, lutar para combater o status quo. Por outro lado, o Benfica, guiado pelo sentimento da reconquista, tem agora razões para disputar cada bola como se fosse a última, meter dois jogadores onde o Porto tinha um, forçar, forçar, forçar, marcar e bater com o punho na relva depois da vitória.

No entanto, caríssimos, a garra é dos sentimentos mais baixos na escala daqueles que fazem o futebol. É efémera, e talvez por isso o FC Porto tenha sido surpreendido numa casa onde sabe o filme de cór: entrada forte do Benfica; abaixamento de linhas e cedência do jogo ao adversário. Desta vez, o período mais forte dos encarnados aconteceu já na 2.a metade, deixando o FC Porto sem tempo nem reacção depois do previsível  golo que os encarnados marcam (quase) sempre em cada jogo.

Sem o síndrome bélico que os levou a conquistar o título, os dragões sabem agora que pouco uso dão a outros sentimentos mais altos na escala do futebol. A alegria e, de alguma maneira a paz, que levam à criatividade (à verdadeira criatividade e não àquela desenhada e arquitectada nos planos de jogo) ficam de fora do jogo portista. E sem a razão para a garra de outrora (que a levou a equipa rainha nos duelos defensivos) sobrou a apatia, o medo, e a falta de sabedoria que deixou acontecer o golo do Benfica no já habitual jogo de charutada em que se tornou este clássico.

E quem via sentia. Era por demais evidente que quando o Benfica ganhava mais bolas – fruto não só do já referido posicionamento mas como da crença que imprimiu a cada duelo – e metia mais jogadores no último terço, que o FC Porto estava despreparado. Continuou, como se nada fosse, a meter as mesmas bolas nos mesmos sítios e a reagir passivamente à subida de intensidade das águias. E, segundos antes do golo, a barafunda no posicionamento de Maxi com Militão a tentar corrigi-lo (deixando Seferovic) foi só a confirmação da surpresa num FC Porto que achou que o jogo ficaria dividido até ao fim.

Aí precisava de mais do que a garra que o levou ao título. Continuará a precisar, mas agora que já pode colocar na parede do balneário fotos de Rúben Dias a bater com o punho na relva, ficará o Porto outra vez refém da garra momentânea ou arranjará novas formas para fazer evoluir o seu jogo? É que muitos dos ‘Portos’ que ganharam na nova Luz eram bem melhores a circular a bola e a confundir a garra adversária do que este que lá pereceu por falta de força, ou gasolina anímica. E Sérgio já o disse: o campeão é alvo a abater, tem um jogo por demais conhecido e, por isso, há que encontrar novas formas. A garra que derrubou o anterior status quo já conhecemos. Ficamos ansiosamente à espera da criatividade que fará o ‘Porto Contra Tudo e Contra Todos’ dar um salto qualitativo. E essa, bem mais difícil de atingir, é sempre feita mais de amor pelo jogo do que por medo da derrota. E essa é a verdadeira porta aberta para a criatividade, ao contrário da efémera gasolina que dá querer tirar alguém do trono – a mesma quantidade de octanas que deu a vitória ao Benfica no clássico passado.

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