O jogo do alto rendimento – De Pep a Castro – E porque não acompanhá-los?

MANCHESTER, ENGLAND - NOVEMBER 07: Josep Guardiola, Manager of Manchester City reacts during the Group F match of the UEFA Champions League between Manchester City and FC Shakhtar Donetsk at Etihad Stadium on November 7, 2018 in Manchester, United Kingdom. (Photo by Laurence Griffiths/Getty Images)

Luís Castro explicou como procedeu do ponto de vista estratégico na partida com o Sporting, e Portugal parece ter parado para ouvir as suas explicações.

Infelizmente, nem sempre os treinadores o fazem, por duas grandes razões. A) A cultura desportiva em Portugal de quem consome é praticamente inexistente, e o conhecimento do jogo de quem vende é ainda, em muitos casos, menor. O conteúdo táctico / estratégico não vende, que não para um pequeno “nicho” e portanto quer quem vende o produto, quer quem o compra, está mais interessado em porrada, do que em futebol. B) Algum receio que os próprios treinadores têm de passar uma imagem de “serem mais espertos” que os outros, e que tal possa cair de forma errada na classe.

 

Tu tens que absorver imensa informação acerca do adversário e da tua equipa. Colocá-la no cérebro. Essa é a 1a parte…

Não vou estar aqui a julgar os jornalistas… porque são uma parte importante deste negócio… Mas, para julgar um jogo, deveriam saber quais são as intenções para esse jogo. Mas isso é impossível, porque teria de dizer antecipadamente o que quero fazer nesse jogo: “Rapazes vamos fazer isto assim, assim e assim” Mas, depois os adversários saberiam o que tu queres fazer… mas há segredos!

Pep Guardiola

 

 

Domènec Torrent explicou no “Pep Confidencial”:

“Pep manterá o essencial: tocar a bola até nos agruparmos; chegar a três quartos do campo através da sucessão de passes; subir bastante a linha defensiva, e ter sempre um homem a mais no meio de campo, seja como for. Mas não espere um sistema tático fixo nem uma equipe titular indiscutível. Isso mudará a cada jogo. E a análise do rival será cada vez mais importante”.

Depois de um forte impacto do modelo, de identidades bem vincadas e imutáveis, que tiveram um sucesso incrível a partir do momento em que José Mourinho surgiu no União de Leiria, e se espalhou pelo futebol mundial, com os seus sucessos europeus e chegada à Premier League, estamos numa era onde no futebol de alto rendimento, em que cada ponto conta cada vez mais, os treinadores integram e exacerbam o lado estratégico (não confundir com ideias / estilos defensivos ou ofensivos) como forma de surpreender os opositores.

Cada jogo tem o seu plano, e durante a semana os treinadores trabalham não somente em função do seu modelo, mas também preparando a competição seguinte.

 

É uma análise meticulosa ao Benfica, possivelmente o mais detalhado que Pep ofereceu aos seus homens durante os seus três anos em Munique.

O treino de 2ª feira começa trinta e cinco minutos depois, porque o técnico ainda está a trabalhar na estratégia com que pretende que o Bayern desarme o Benfica.

Ele só vê uma maneira de vencê-los e explica a sua estratégia para a sua equipa, “Nós não podemos jogar um jogo direto, procurando por Lewy e Müller, porque eles acabarão em fora de jogo. Lewy e Müller, vocês terão que se sacrificar. Vêm pedir, arrastando os defensores com vocês, mas nunca olhando ou pedindo para receber a bola. A bola tem que se mover de dentro para fora para os extremos, mas eu quero que você faça algo diferente do habitual. Eu não quero que o jogador tente fugir e driblar a bola para frente. Eles vão nos devorar se o fizermos. Não, o extremo que recebe a bola deve tocar de novo no espaço interior e quem receber essa bola, tem de desviar o adversário directo e voltar a tocar fora novamente. Espero que, ao fazer isso, nós os confundamos e eles acabem fora das suas posições. Vai ser complicado, mas é o que eu quero que façamos: dentro-fora-dentro-drible-fora até chegarmos onde pretendemos…”

Pep Confidencial

 

Mudámos o nosso sistema tático habitual porque este jogo assim o exigia

Paulo Fonseca, sobre a incrível vitória na Alemanha na presente edição da Liga dos Campeões

O jogo tornou-se profissão, e com isso perdeu-se muito do que o tornava apaixonante e espectacular. Desenham-se mil e uma fórmulas centradas unicamente num resultado final, ignorando-se o produto. Há quem passe jogos a correr e a ver a menina apenas quando olha para cima. Os treinadores exacerbam organizações defensivas, e tantas são as vezes em que optam por quem fecha e não por quem abre. Porque se fechar, poderá cair algo. Se abrir irei sofrer.

O futebol não mais deixará de ser negócio, mas há quem deva ter obrigação de mesmo assim procurar informar, esclarecer, ensinar. Tirar da estupidificação as cabecinhas presas na década de noventa. Ou até na de dois mil!

Há muito sumo a retirar de cada partida, de cada decisão. Todos os jogos no alto rendimento têm um processo de treino por trás, decisões que se fundamentam na cabeça do treinador, e não somente as  técnicas que se traduzem em jogar X em detrimento de Y, porque essas, geralmente até são as que não se podem revelar ao público em geral, sob pena de ferir susceptibilidades internas.

Os adeptos e quem fala de futebol, poderiam deixar de ser vistos apenas como quem alimenta a indústria (um mal necessário, para que se possa fazer vida do futebol), mas antes ser uma parte capaz de a compreender e valorizar ainda mais. Ou pelo menos, a parte do jogo. É preciso é vontade. Será que esta existe?

No texto anterior, o Pirlo afirmava:

Numa era de informação e estratégia, apenas num nível extremamente baixo onde o jogo não é profissão, o treinador pode ser cego, surdo e mudo, se o caminho é o do triunfo

E a evolução de quem alimenta a indústria? Ninguém trata?

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

8 Comentários

  1. Por lapso faltou referir que o video do Pep foi retirado do excelente bola na árvore. Procurar no facebook, quem quiser continuar a reflectir e aprender um pouco mais sobre este jogo…

  2. “O conteúdo táctico / estratégico não vende, que não para um pequeno “nicho” e portanto quer quem vende o produto, quer quem o compra, está mais interessado em porrada, do que em futebol.”

    Tenho dúvidas de que isto seja mesmo assim. Acho até que o sucesso do LE mostra que há “mercado” para outro tipo de conteúdo, mais informativo/educativo, acerca do jogo. Quanto ao argumento do “nicho” acho que apenas o é porque em Portugal ainda há muito publico (principalmente um pouco mais velhos) que não consome informação através do pc mas apenas através da TV.
    Os programas típicos com os comentadores afectos a cada clube (que falam de tudo menos de futebol) têm muita audiência, mas já alguém experimentou ter um programa com um outro tipo de conteúdo (do género daquele que existe aqui no LE) ao mesmo tempo e comparou a audiência? Que me lembre, não…

    Era capaz de apostar que a adesão a uma espécie de LE versão TV iria superar a desses programas de “paineleiros” e “comentadeiros” que só berram e dizem disparates. Eu, e muita gente que conheço, deixou de ver dias seguintes e trios de ataque etc e anseia por um outro tipo de programa sobre futebol.

    já agora aproveito e lanço aqui o desafio para a equipa do LE idealizar esse programa e o propor a algum director de programação. Acho que o único requisito, para alimentar as audiências, seria manter um bocadinho do elemento de parcialidade (por exemplo o Maldini seria o comentador benfiquista, o Pirlo o sportinguista e Baggio o portista, mais um moderador neutro, ou qualquer coisa do género) mas mantendo o debate sempre ao nível do jogo.
    Fica a sugestão…

  3. L6S segundo o teu comentário vamos continuar a produzir conteúdos para o 3 eatarolas enquanto que o 4o, 5o e 6o tem melhores treinadores que os 3 estarolas, é isto, certo?

    • Sergio, errado. Acho que escrevi em Português. Onde é que disse que se deveria ignorar os outros clubes? Escrevi três parágrafos e conseguiste basear-te numa frase (que leste mal) para tirar uma conclusão que não está lá escrita… Bravo. Falei em “uma espécie de LE versão TV” e aqui no LE fala-se e discute-se acerca de mais do que apenas os 3 grandes, logo…

      Agora, seria um erro ignorar o peso que os 3 grandes têm em termos de mercado e ignorar que alguma (saudável) rivalidade entre esses 3 traz audiências. Até é chamariz e uma forma de atrair mais público e então se ir introduzindo cada vez mais no “mainstream” conteúdos acerca dos outros clubes.

      Feliz Natal

  4. Muito estranho que o Luis Castro explica a sua estrategia e dà grande informaçao sobre a sua equipa…Cada equipa que enfrentar o Sporting ja nao jogarà com as linhas baixas e bastarà o H*H no Mathieu e no Bruno Fernandes. Cada bom treinador jà tinha entendido as brechas nas laterais e o pouco trabalho da profundidade da defesa do Sporting mas agora ainda pior com a estrategia defensiva adequada… E o Keizer nao é homem de estrategias e bastou ler o seu modelo em parcos jogos para contrarià-lo.
    Serà que o Luis Castro terà ainda uma costela portista e que essa divulgaçao é uma ajuda para um encoste rapido do Sporting fora do titulo?

    Falando-se aqui outra vez de modelo e estrategia como muitas vezes no LE e sempre muito bem, nao nos podemos esquecer que os dois esta emprenhados e que nao se pode trabalhar um sem o outro.

    A estrategia é o posicionamento sem a bola para contrariar o mais possivel o adversario. A estrategia é principalmente defensiva mas tambem pode ser ofensiva quando posiciona jogadores nos espaços que o adversario deixa livre.
    O modelo trabalha tambem as posiçoes dos jogadores mas desta vez com a bola com certas jogadas padronizadas que servem para mover posiçoes consoante o espaço.

    Claro que uma estrategia defensiva de pressao alta durante a organisaçao ofensiva do adversario obriga muitas vezes a um modelo de jogo vertical e ràpido a aproveitar os espaços quando se recupera a bola.
    Ao invês, um modelo de organisaçao ofensiva com as linhas altas e muitos jogadores entre as linhas da defesa e do meio campo do adversario obrigarà a uma estrategia defensiva tambem de pressao alta para contrariar a transiçao ofensiva do adversario e um posicionamento adequado dos defesas para defender a profundidade.

    Como se vê, nao vai um sem o outro! Como a nossa estrategia nao vai sem o modelo do adversario e vice versa…Nunca houve tanta mestria dos treinadores nas estrategias e nos modelos.

    A estrategia e o modelo sao trabalhados pelos treinadores consoante os jogadores ao dispor e por exemplo uma estrategia que provoca jogadas de transiçoes ofensivas vai obrigar a um modelo vertical com jogadores rapidos e possantes na frente. Com esse exemplo, vemos que a fisiologia e a tecnica dos jogadores serao importantes para a escolha de um modelo mas nao serao decisivas.

    As caracteristicas decisivas dos jogadores para a escolha dum treinador para um modelo sao:

    1/ a tactica do jogador: alguns esquecem-se que a tactica pertence quase sempre aos jogadores ( o jogo padronizado pelo treinador também é tactica mas a nivél mais baixo). O jogador com a melhor tactica é aquele que lê o jogo antes de todos, que tem um poder de decisao acima da media e que permite contrariar a estrategia do adversario.

    2/ a finta do jogador: o engano muda os paradigmas do jogo e permite que novos espaços abrem-se. O engano é letal a muitas estrategias…

    3/ a criatividade do jogador: aquele gênio que abre espaços que ninguém tinha visto antes, que respire o futebol. O jogo da sua equipa nasce da sua inspiraçao e nao se pode limitar muito o seu raio de aççao num modelo.

    A paixao do futebol vive desses jogadores e cada adepto, sem ser um conhecedor de estrategias e de modelos , terà sempre um prazer imenso a ver o futebol, igual aos leitores cheios de sabedoria do LE.

    Os treinadores que tem aqueles jogadores e que sabem adaptar o modelo consoante os seus melhores jogadores serao sempre os vencedores; ainda mais nos nossos tempos da informaçao total sobre as estrategias e os modelos.

  5. Esqueci-me de dizer que o modelo nao é so uma agregaçao dos jogadores com melhor tactica, finta e criatividade mas é uma questao de equilibrios.
    Por exemplo, os mal amados como o Casemiro ou o Matudi permitem o equilibrio defensivo na Juventus e no Real Madrid.
    O equilibrio nao é so defensivo mas é a maneira como os jogadores encaixam nos perfis diferentes.

    Hà um texto anterior que fala do modelo do Miguel Cardoso e por acaso, vi a primeira parte do Barça/Vigo. Como bem dito pelo Paolo, o Braiz Mendes é o jogador com mais tactica, finta e criatividade mas o modelo nao està talhado para ele como é afirmado no artigo.
    Porque se o seu modelo em 4/4/2 era equilibrado, os avançados nao eram somente de apoio (de maneira possante para o Gomez e mais tecnica para o Aspas) mas pelo menos um que procura a verticalidade que seja possante, rapido (nao existe sempre pérolas como Mbappe mas o Marega foi bem trabalhado para isso). Igual para os medios centros que jogam muito atràs ( um que faz a linha de tras na construçao inicial da jogada e o outro a ligar por dentro muito perto do companheiro) e nenhum deles que se projeta; tal como os laterais que projetam-se poucas vezes porque o treinador quer a superioridade da posse em organisaçao ofensiva e porque as compensaçoes nao devem ser bem trabalhadas. Mesmo com essa frieza atràs, o Dembélé fez o que quis na sua ala esquerda! O Mendez é canhoto e joga na ala direita e o seu pendente na ala esquerda ( ocupado pelo Sofiane) nao deveria ter o pé torto para rececionar melhor em velocidade a bola no espaço livre.
    E foi assim que o Celta que teve uma certa posse esteril porque foi ineficaz; nunca ameaçou a baliza do Barcelona e so teve uma oportunidade na primeira parte graças a uma mà intercepçao do defesa do Barcelona.

    Em conclusao, o treinador tem que identificar os seus melhores jogadores na tactica, finta e criatividade; pensar no melhor modelo para eles e depois compôr a seleçcao dos outros jogadores conquistadores de espaços : uns para fechar espaços que permite o equilibrio defensivo e os outros para abrir espaços que dà o maximo de soluçoes ofensivas.

    O treinador trabalha depois as ligaçoes do modelo que nao pode ser muito rigido para poder adaptar estrategias especiais consoante certos adversarios.

    Tal é para mim, a cozinha especial do treinador.

  6. Para concluir sobre os modelos e as estrategias, este ano vê-se varios modelos que diferem consoante os adversarios e as estrategias.

    Jà aqui se falou do Tuchel no PSG que muda muito de modelo e que contrariou tao bem o Liverpool com a sua estrategia.

    E temos o tal Liverpool que joga em dois modelos distintos:
    1/ um em 4/2/3/1 (com a inclusao do shaquiri) com as equipas pequenas que jogam baixo e na defesa para jogar melhor a organisaçao ofensiva
    2/ o outro em 4/3/3 classico do ano passado contra as equipas de posse para privilegiar a transiçao ofensiva.

    Esta versatilidade està a dar resultados este ano ao Liverpool porque jà nao perdem tantos pontos contra as pequenas equipas.

    Temos nestes exemplos a proxima evoluçao do jogar das equipas.

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