Pelo Benfica adentro – Como os encarnados venceram o Braga: Do plano à acção

Nos últimos dias tenho abordado por cá a importância dos planos de jogo, que são no fundo a orientação para uma parte importante do trabalho semanal dos treinadores. Na jornada do passado fim de semana, o Estádio da Luz recebeu um jogo que para além de determinante na caminhada do Benfica, se revestia de uma dificuldade tremenda.

O Benfica venceu e convenceu, e o seu treinador acabou aclamado pelos próprios jogadores que fizeram questão de celebrar consigo os golos marcados.

Mas, como preparou Rui Vitória o jogo com os bracarenses?
O Lateral Esquerdo revela-lhe uma parte do plano de jogo do SL Benfica, e a acção, posta em campo por um conjunto de jogadores, que no passado domingo para além de cumpridores, estiveram a um nível elevadíssimo. Com a “pequena” grande particularidade de muitos dos golos da tarde, terem sido previamente treinados e integrados na grande ideia para a decisiva partida.

 

ORGANIZAÇÃO DEFENSIVA:

Plano Estratégico – Sob a especificidade da construção adversária (posicionamentos do Braga para sair para o ataque)

  • Jonas mais fechado no corredor central, evitando também desgaste maior em tarefas defensivas, para que possa estar mais disponível nos momentos em que mais diferença faz;
  • Assim: Saída aos centrais do corredor lateral a cargo dos interiores.
  • Variante de pressão: – Saída de Cervi a Goiano, tapando ligação com Esgaio, e fecho do espaço interior onde Paulinho poderá receber.

Restantes comportamentos (como defender com menos, orientação e posicionamento das linhas) de modelo e não de vertente estratégica.

ORGANIZAÇÃO OFENSIVA:

  • Corredor Direito – Mais rupturas – Aproveitamento das características de Gedson;
    • Zivkovic a pedir no pé para trazer lateral, e: Entradas por dentro de Almeida
    • Bola em zonas mais baixas – Entradas de Gedson nas costas do lateral atraído por Zivkovic
  • Corredor Central
    • Aclaramento de espaços de Gedson, para haver linha de passe que ligue com Jonas
  • Corredor Esquerdo – Maior associação no pé:
    • Cervi fixa lateral, e: – Espaço fora – Entra Grimaldo; Espaço dentro – Entra Pizzi
  • Último terço
    • Na área serve-se! Procura sobretudo do espaço à frente da última linha que baixa.

 

Seleccionei alguns lances que se enquadram no trabalho táctico que Rui Vitória preparou e enquadrou no plano de jogo, do importante desafio da jornada, com o destaque óbvio de ter sido na sua Organização Ofensiva, que o Benfica abriu o marcador, numa ligação e ratoeira para gerar espaço, preparada no campo de treinos, e constante no plano de jogo (Ver última imagem, e seguir o vídeo, a partir do segundo 23):

 

BOLAS PARADAS:

Foram três os golos somados de bola parada. Dois de pontapé de canto, e um de lançamento de linha lateral. Em todos a equipa seguiu, naturalmente, o plano definido, embora o lance que termina com o golo de André Almeida tenha bastante mais de aleatoriedade do que trabalho de casa. Já o golo de Cervi surge num lançamento bem treinado e preparado, tal como o golo de Jardel ao segundo poste.

Algumas das bolas paradas / Esquemas tácticos que constavam no plano de jogo:

E mais dois golos que chegaram da preparação semanal e do plano idealizado para vencer a equipa de Abel:

 

Se a vida de um treinador se decide a cada fim de semana, na competição, a vida das equipas trata-se sobretudo durante a semana. Na observação, na análise, no planeamento, no campo de treino, na liderança. Cada vez mais os treinadores precisam de se centrar numa série de variáveis, que em conjunto contribuirão para o sucesso das suas equipas.

No passado fim de semana, a equipa de Rui Vitória subiu dois lugares na classificação, e é com imenso prazer que partilhamos alguns dos “como” que fizeram tal acontecer.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

13 Comentários

  1. E agora as perguntas que se impõem..onde andava este treinador perspicaz até esse jogo? Será para continuar, ou foi somente uma luz que apareceu!? Abraço e continuação de bom trabalho.

  2. A estrategia é aqui definida como contrariar o modelo do Braga pelo menos no inicio das suas jogadas e como se posiciona os jogadores do Benfica. Depois, defines o posicionamento das linhas e a defesa zonal como fazendo parte do modelo do Benfica. Para mim, os dois fazem parte da estrategia porque é também uma reaççao ao modelo do adversario, ou se tu preferes ao jogar com a bola do Braga.
    A diferença para mim entre a estrategia e o modelo é a mesma que no xadrez entre a estrategia e a tactica. A primeira é o que você faz quando nao hà nada a fazer. Quanto à tactica é o que você faz quando hà uma coisa a fazer; aqui no futebol “coisa a fazer” é ter a bola. O jogador tem tambem essa componente entre a estrategia e a tactica mas aqui na area da organisaçao coletiva, a tactica é o modelo.
    O modelo modela o jogar com a bola e a estrategia reage ao jogar ou à estrategia dos adversarios.

    E por causa disso que disse no teu texto anterior que os dois estao emprenhados porque o jogar a bola obrigarà à perda dessa um certo tipo de estrategia defensiva. A estrategia nao pode ser tambem independente do meu jogar porque ela pode influençar o meu jogar quando o treinador pede certas posiçoes ou movimentos aos jogadores nos espaços que o adversario deixa a nu.

  3. Agora, essas fases de estrategia e de tactica verificam-se em muitos desportos que aliam fisico e tecnica mas o futebol estarà alheio a essas duas vertentes ?

    O futebol é um jogo de conquista de espaço mas sem principio e sem fim porque o espaço é ciclico; é um espaço que se retracta e se relaxa como as vagas do mar.

    Para manter esse equilibrio do seu espaço defensivo, o treinador usa da estrategia defensiva dentro dum posicionamento movente dos jogadores. Ao invês para conquistar o espaço, ele vai erigir um modelar do jogar dentro tambem dum posicionamento movente dos jogadores com uma estrategia ofensiva. O modelo, que serve para o jogador com bola escolher a melhor decisao dentro de um enlenque de decisoes, traduz a sinfonia do treinador onde a harmonia é a soma das decisoes.

    Um modelo é pensado nas três partes do jogo que sao a abertura das jogadas para ligar ao meio da jogada antes que essa serve a ligar a finalisaçao da jogada para marcar o golo. Claro, uma jogada pode começar no meio ou na parte final onde a abertura nao é obrigatoria e a abertura pode ligar directamente à finalisaçao. A estrategia global define o meu modelo porque alguns preferem a posse da bola e o controlo da jogada desde o inicio e outros mais atentos preferem reagir ao adversario como roubar a bola ao adversario no meio. A estrategia global traduz tambem o estado de espirito do meu modelo. Para ser mais claro, basta pensar Guardiola vs Simeone. O Guardiola dà primazia ao modelo mesmo se ele escolhe uma estrategia e o Simeone dà primazia à estrategia mesmo se as jogadas sao tambem modeladas mas nao tanto ao pormenor.

    Essas ideias apareceram na teoria do futebol nos conceitos organisaçao/transicao ofensivas/defensivas mas esses conceitos tem o inconveniente de deixar por tràs a ideia de estrategia global, defensiva e ofensiva.

    As componentes fisicas e tecnicas dos jogadores servirao a definir o vencedor dentro do melhor modelo e das melhores estrategias.

    E pronto, està tudo, isto é o futebol? Toda esta paixao do futebol no mundo inteiro com essa conclusao?

    Nao porque isto é so uma parte do iceberg:

    O futebol é um hino ao movimento, uma melodia da fuga, uma Literatura do espaço. O seu Verbo ou pelo menos o seu primeiro Principio é a finta. A finta é uma dança que nao se pode confundir com a conduçao de bola, o drible nem com a tecnica. Ela é mais que a intuiçao: é o genio do instante, a fluidez sensual da inteligencia que se reflete no corpo.

    A finta desequilibra os sistemas, é a escapatoria, a possibilidade presente a cada instante, o Eterno Presente que contemple a infinidade. Esconde-se a intençao real, o Misterio antes do esplendor da sua Revelaçao . A finta abre novos espaços, e muda a configuraçao do jogo. E muito dificil definir a finta porque como toda poesia, ela nao se quantifica mas a qualidade primeira da finta é a imprevisibilidade.

    A finta é uma componente da tactica do jogador. A outra é a inteligencia imaginativa mas essa é devido à especificidade de uma regra do futebol que permite o renascimento do jogo a cada instante. Essa regra é o fora de jogo
    O fora de jogo é a regra principal do futebol porque abre o mar num oceano quasi infinito. A sua regra acrescenta à finta novos horizontes, uma visao regenerada de novos espaços, a antevisao de novas linhas de passe como se fosse aparecimento de rotas antes invisiveis. O fora de jogo deterritorialisa o jogo, ou pelo menos rende os territorios moventes, e isso torna os jogadores como nomadas, que assim tem que navegar nos intersticios desses antigos territorios para escapar ao corte dos espaços. Sem ela, a ligaçao entre os jogadores poderia ser mecanizada mas graças a ela, a ligaçao tem que ser intuitiva. E que palavra tao justa ( fora de jogo) para contrariar todos os estrategas que pensem controlar totalmente o jogo.
    O fora de jogo é a regra principal da gramaria do futebol.
    O fora de jogo vai premiar a inteligencia imaginativa, que é ainda mais aquém da razao intuitiva. A imaginaçao é a capacidade de visualisar na mente o invisivel, antever antes de todos o aparecimento das novas rotas, até mesmo provoca-las.

    A finta nao se ensina sem ser na escola da rua. A inteligencia imaginativa tem que ser acompanhado pela pedagogia. A finta que é o movimento e a inteligencia imaginativa, a letra, sao as caracteristicas mais exceptionais da tactica do jogador.

    E a tactica principal do futebol pertence aos jogadores.

  4. Mais excelente trabalho Pedro, apenas 2 apontamentos falar de princípios de jogo defensivos não cumpridos pelo braga (+ esgaio é o colega de setor) será enriquecedor se esclareceres os 2 lados das jogadas. É só não concordo com a análise ao golo de canto, penso que os arrastamentos foram propositados para o 1 poste ( repara na concentração de jogadores do pênalti para o 1p) para explorar o 1X1 de Jardel com uma vantagem espacial brutal para explorar o seu ponto forte!

    Parabéns e grato por poder receber e partilhar dos teus conhecimentos

  5. Muito obrigado pelo excelente conteúdo.
    Sempre na vanguarda, Pedro.
    msantosmarco@gmail.com, excelente análise aos arrastamentos ao 1º poste no golo de Jardel, que criam 1v1+GR ao 2º.
    Na minha opinião, no golo do André, embora ele seja feliz na execução (pé esquerdo e algum desequilíbrio pelo ângulo de chegada da bola ao espaço da ação técnica), a 2ª bola nos ETO de canto é muito bem preparada à entrada da área (com o enguiço dos golos de fora nas competições nacionais a ser, finalmente, quebrado). Aliás, têm-se visto alguns golos nos ETO de canto dessa zona, ora em 2ª bola, ora em 1ª com ações de bloqueio e/ou arrastamento a aclarar homem à entrada da área para finalizar (p.e. Pereyra na última jornada frente ao Chelsea).
    Um abraço.

  6. Foi preciso chegar à jornada 14 para este trabalho de preparação das bolas paradas dar resultados. Se não me engano foi o primeiro golo de canto da época, numa equipa que tem dezenas de cantos por jogo.
    Tem sido azar? Foi coincidência? É no mínimo, estranho…

  7. Muito interessante. Igualmente interessante seria o mesmo conteúdo relativo a um jogo que não tenha corrido tão bem ou que a exibição tenha sido pobre. E há muitos por onde escolher… O que terminou agora Aves-Benfica é um bom exemplo. Onde esteve a equipa que tão categoricamente venceu o Braga?

    • É muito facil de analisar. Só estranho é que com tantos comentadores, treinadores, ex-futebolistas, advogados e sapateiros, ninguem veja o que está à vista de toda a gente: Os centrais e o AA falharam todos os passes que tentaram para a frente. Já nem falo do Fejsa que é um mal necessário. Não há equipa nem processo que resista a isso. Contra equipas que dêem a iniciativa e juntem as linhas fartam-se de perder bolas na primeira e na segunda fase de criação e isso é fatal. O golo deles nasce de uma perda dessas. Juntas-lhe o Pizzi na meia-esquerda que perde bolas e não recupera (ontem parecia um fantasma, mas também, voltou a fazer os 90 min) e tens o caldo entornado. sobra o Gedson para correr a compensar e o Zivko que é uma ilha pelo que expliquei atrás. Mesmo assim dá muito mais ligação que o Salvio. O Cervi e o Esferovite não dão mais que aquilo; são só para certos jogos, e mesmo assim…
      Contra equipas medias-fortes já se safam melhor porque estas pressionam mais alto e dao mais espaços, para explorar a profundidade: O Vitoria coloca bem os jogadores para as segundas bolas. Tambem é bom a contrariar o jogo dos outros, dando a iniciativa e recuperando bolas altas que depois possibilitam coocar os avançados no 1×1, 2×2 ou 3×3.
      não consigo perceber porque não jogou o Krovi (pelo estado do terreno?) e o Conti (perdemos todas a bolas aéreas), já para não falar do Félix. Não servem? Até eu já estou cansado do Vitória, embora reconheça que não é ele que tem de arranjar um central em condiçoes, que saiba sair a jogar e meter passes no lateral e extremos do outro lado – desde pequeno que ouço dizer que equipa que quer ser campeã, tem de ter um central que saiba sair a jogar, nem um lateral direito de jeito.

  8. Nao te esqueças que faltou o grimaldo que é aquele que começa a maioria das jogadas da abertura e esconde a mediocridade dos outros. Foi um deserto de ideias e de controlo de jogo no meio e està tempo de jogar o krovi. Mesmo assim o mais preocupante é a falta de controlo dos espaços na defesa e os falhanços dos centrais nos cruzamentos.

  9. “Obscena” a forma aberta e pouco cuidada, pouco rigorosa como o Braga se preparou. Parecia dominó a desmoronar-se. Crateras a abrir. Apoios, dobras, a milhas. Linhas inter e intra-sectores tão distantes e desalinhadas. Fácil demais.
    Sinceramente, só mérito alheio?! Por favor…

    Mesmo considerando esse laboratório Vitória(!), muitos desses movimentos, dinâmicas, são bem sabidos. Difíceis de contrariar?! Não de forma tão macia.

    Tem que haver enquadramento global.

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