O elefante dentro da área

FUTEBOL - durante o jogo Braga - FC Porto referente a 4 Jornada da Liga. Estadio Municipal de Braga. Domingo, 27 de Agosto de 2017. ASF/HELENA VALENTE

Pode parecer estranho, e até contraditório, mas as técnicas de atracção new age há muito que estão em voga no futebol. Com o  muito em directa contradição com o new, é certo, o que, porém, não anula que todos os clubes, equipas técnicas, e jogadores, queiram atrair para si um resultado bom e evitar um resultado mau. Pois bem. Esquecendo que o Mundo é um lugar habitado por biliões de seres com direito a exercitar o seu livre-arbítrio, que lógica teria o Universo em favorecer quem omite coisas más (que existem, ó se existem) e se foca, só nas boas? Que Universo seria esse favorecendo quem decide ignorar coisas más, não fazendo delas melhores, e rodear-se das boas, só porque o seu ego quer evitar que todos os seus medos se tornem reais? E se o Mundo, um clube, uma equipa ou um jogador se quer melhor… então a primeira coisa que não deve fazer é ignorar a reacção que as coisas más lhe provocam. A poder controlar alguma coisa, uma equipa e um jogador poderão controlar a sua reacção a todos os momentos do jogo. O resultado é dos 22 em campo – com infinitas possibilidades que nós, feitos cientistas, tentamos reduzir ao tamanho da nossa limitada mente – mas sua a reacção a cada momento do jogo é unicamente, e obviamente, sua. Mas porquê a reacção?

Ricardo Horta, em excelente posição, falha um remate aparentemente fácil. Segundos depois, Pizzi abre o activo na Luz

Desde miúdo que a imagem do desalento, a cada golo falhado, me acompanha de braço dado a cada jogo onde a expectativa se agiganta. Talvez por isso, também a imagem da frieza de alemães e russos – que não esboçavam o fado dos portugueses sempre que a bola teimava em não entrar – nunca mais me saiu da cabeça. A sua neutralidade, a sua falta de braços no ar, a falta de mãos na cara ou na cabeça, como se soubessem que se não entrou agora, entra a seguir, poderá ter-lhes garantido a incondicionalidade necessária para finalizarem em situações de grande pressão. Algo que Gary Lineker relatou como ninguém, pode tornar-se a chave para explicar um fenómeno que vem acompanhando o SC Braga desde que a sua qualidade técnica e táctica se aproximou dos grandes.

No entanto, algo que as fantasiosas teorias new-age poderão ter de interessante é a noção de que o subconsciente e a visão podem ter influência no Mundo físico. Tomando como exemplo um projector (visão) e um padrão de imagens que forma um filme (mente) que é projectado numa tela (Mundo físico), fica mais fácil encontrar explicação pela qual pessoas que pensam de uma certa forma atraem para si certas circunstâncias (boas ou más, conforme a percepção). Isto, obviamente, não estará alheio ao futebol. Porém, no que essas teorias falham redondamente é que o controle do Universo, e especialmente de um jogo de futebol, não depende de escapar a coisas más para atrair as boas. Rui Vitória, por exemplo, usa a técnica conhecida como fake it til you make it, descrevendo cada jogo como uma excelente, ou pelo menos satisfatória, performance da equipa – mesmo que esta tenha encaixado cinco golos. E ao fazer isso, constantemente, empurra para o subconsciente padrões que um dia terão que se revelar. Isto porque ignorar factores negativos está ao mesmo nível de não procurar ajuda médica depois de um acidente. Ou então, nunca ir ao médico para não saber se temos algo de mal. Como, então, curar aquilo que não se pode ver?

Nova oportunidade flagrante para o Braga materializar em golo a criação de oportunidades. Sensivelmente cinco minutos depois, Jardel faz o 2-0

Daí que a reacção que temos às chamadas coisas más seja uma ferramenta extremamente útil para trazermos cá para fora todos os sentimentos escondidos no subconsciente. Isto porque em futebol, não é normal que uma equipa que em tudo se aproximou dos grandes continue, nos jogos em que se pode, finalmente, impôr mentalmente e em termos de resultado, continue, dizia, a falhar oportunidade atrás de oportunidade para tornar jogos deste género mais confortáveis para si, podendo assim explorar a rampa de lançamento em que os mesmos se poderão tornar. E o Benfica-Braga, do passado domingo, é o enésimo exemplo de um jogo contra Benfica ou Porto em que o Braga divide, cria, falha e… sofre. Para depois de sofrer, claro, correr atrás do prejuízo, desposicionar-se, alterar identidade e, quiçá, sofrer mais. Tudo porque não conclui as oportunidades que o seu bom jogo cria. E tudo porque a reacção dos seus jogadores ao momento da finalização num jogo deste género, não é igual à reacção dos seus jogadores ao momento da finalização num jogo contra (sei lá) o Gil Vicente (por exemplo). E – ainda que isto aconteça também aos grandes em jogos na Europa – para uma equipa que, por mais que diga que não quer mas, quer ser campeã, o bloqueio psicológico que a impede de se manter no jogo por falta de finalização competente tem de ser resolvido. Isto porque esse [bloqueio] não existe em mais nenhum momento do jogo se não esse. Em tudo o resto o Braga tem uma competência assinalável e bem próxima do registo dos grandes, seja tacticamente, seja tecnicamente. Não é à toa que em todos esses jogos a criacção de oportunidades é em excelente número. No entanto, o elefante dentro da área assume ligações ao medo do sucesso que é evidente quando se tem boas oportunidades para não deixar fugir um jogo que sem bola no cordame ficou, infinitamente, afastado das suas possibilidades. Mas ainda que uma goleada deste género entre, em dualidade, definitivamente no dossier das coisas más que se tentam evitar, esta é a enésima oportunidade do SC Braga, e de Abel Ferreira, para não ignorarem o elefante dentro da área. É que os campeões não se fabricam querendo muito, visualizando coisas boas, ignorando as más. Ao invés, podem criar-se (entre outras coisas), com recurso à psicologia, por via da observação a reacções baixas (que, neste caso, toldam a mente no momento de finalizar) transformando-as em reacções altas que permitem a clareza mental e física no momento de finalizar. E o caminho do SC Braga já foi bem maior. O quanto já transcenderam os bracarenses para, hoje, dividirem tacticamente o jogo com equipas com orçamentos bem mais elevados, com jogadores mais evoluídos, e ainda assim, criarem imensas oportunidades? Porém, Abel, ela só vai entrar quando mentalmente, no momento da finalização, os teus estiverem ao nível mental dos grandes. Já faltou muito mais. Mas o elefante continua bem gigante. E quanto mais o ignorares…

12 Comentários

  1. Uma das coisas que mais me agrada neste blogue é que habitualmente se faz análise às equipas e aos jogos com base em argumentos concretos, com particular ênfase na vertente tática. Porque o que mais há por aí é “gente do futebol” a argumentar com não-argumentos ou com razões etéreas para explicar o futebol.

    Já não é a primeira vez que leio aqui esta ideia de que é sobretudo por uma questão mental que o Braga não consegue obter resultados frente aos três grandes. Fico sinceramente admirado por ver este tipo de argumentos quando, para mim, há outros mais evidentes. É claro que neste último jogo da Luz houve um descalabro psícoógico depois de a equipa oferecer o segundo e terceiro golos. Mas não é fundamentalmente por isso que os nossos falham mais do que os deles em frente à baliza. É a diferença de qualidade individual que vem ao de cima quando não se criam tantas oportunidades quanto em outros jogos. Ou quantos jogadores do onze do Braga poderiam discutir um lugar no onze de um Benfica? E não é verdade que os jogadores do Braga falhem mais nestes jogos. Exemplo paradoxal: revejam a primeira parte do Braga – Nacional (Taça da Liga) em que o Braga saiu para o intervalo a ganhar por 4-0 e contabilizem o número de lances flagrantes de golo falhados. A equipa poderia ter saído para o intervalo com uns dez golos no saco se fosse efetivamente eficaz.

    Li num artigo anterior sobre este mesmo tema elogios a Silas pelo seu discurso, como se este fosse solução mágica (já não me recordo de quem o escreveu). Ponto prévio: do pouco que tenho visto, acho que os elogios são merecidos pela qualidade de jogo, considerando os valores individuais à sua disposição. O discurso… o Belém jogou contra o Braga e foi goleado após um primeiro tempo em que mereceu mais – mas a (falta) qualidade do seu avançado naquela partida (e não o medo de marcar) e alguma dose de sorte impediu que se adiantassem no marcador e, após o Braga ter chegado ao golo, o jogo desequilibrou-se de uma forma que não se antevia.

    Portanto, mesmo que reconheça algum papel ao fator psicológico não me parece que seja o argumento fundamental. A qualidade técnica, para mim, é o argumento decisivo. Que torna mais difícil ao Braga ganhar ao Benfica mas que também torna mais difícil ao Belém ganhar ao Braga.

    Para mim, um tema mais interessante seria analisar o porquê de o Braga (e outras equipas) deixar jogadores mais talentosos no banco (e por vezes na bancada). Não estou a criticar, entendo que Abel pretende que cada jogador desempenhe determinadas missões táticas dentro daquilo que é o seu modelo de jogo. Mas é um pouco contraditório queixarmo-nos de que não temos os meios dos outros (o que é notoriamente verdade) e que por isso não dispomos do mesmo talento, mas depois abdicarmos de alguns dos mais talentosos. Em Braga, por exemplo, joga Horta e não Fábio Martins. Xadas (embora nesta época atacado por lesões) não encontra o seu espaço. Trincão (muito jovem, é verdade) estreou-se na passada sexta-feira.

    • A divisão entre qualidade e questão mental é enganosa. Sim, o plantel do Porto e do Benfica são muito superiores ao do Braga, mas isso passa, e muito, pela questão mental. Um jogador habituado a ganhar é sempre melhor do que um jogador menos auto-confiante, independentemente da sua valia técnica, a qual pode ser maior ou menor. Tecnicamente o Dyego Souza é superior a qualquer dos avançados do Porto (Marega, Aboubakar e Tiquinho), mas quando teve uma oportunidade de facturar na 1.ª parte no Dragão falhou — não por falta de espaço, não por falta de velocidade, não por falta de capacidade no jogo aéreo, mas por falta de convicção na finalização — coisa que não faltou a Tiquinho Soares na única oportunidade de que dispôs.

      A questão do “medo do sucesso” joga um papel muito importante no futebol, e por isso é que as vitórias pendem tantas vezes, nos jogos mais equilibrados, para as equipas acostumadas a terem sucesso. E essa bagagem não se cria por artes mágicas, tal como refere o Laudrup. O que não invalida que sim, sem dúvida, existe mais qualidade técnica no Benfica. Mas o bloqueio mental dos jogadores do Braga foi palpável, e viu-se que eles sentiram isso cedo no jogo, o que os fez cometer mais erros estúpidos. Ou seja, quando devia estar a níveis de concentração e performance mais altos, é precisamente quando o Braga está pior — o que só pode ser “psicológico”.

      • Se apresentou UM exemplo que alegadamente comprova o “medo do sucesso”, eu sou capaz de apontar vários de erros técnicos graves em jogos (recentes) teoricamente simples que não resultaram em danos mais graves por… falta de qualidade dos adversários. Nos últimos dois jogos contra o Vitória de Setúbal, ocorreram erros individuais (não forçados) que geraram ocasiões claríssimas para o Vítória mas não deram golos. Só para apontar as mais graves, no jogo para a Taça de Portugak, Goiano passa a bola a um adversário, sem qualquer pressão e era um lance de 1×0; no último jogo, para a Taça da Liga, Viana calcula mal a trajetória da bola e não a intercepta gerando também um lance de 1×0. Em ambos os casos, os lances não tiveram consequências de maior (e o Braga até nem sofreu qualquer golo); os mesmos erros, em jogos frente a um dos grandes, seriam certamente punidos com golos.

        E já no texto anterior referi o jogo frente ao Nacional, para a Taça da Liga, em que os jogadores do Braga falharam golos feitos em série. Ninguém nota quando se vence por 5-0…

        Eu não digo que não haja influência do fator psicológico. Mas não tenho dúvidas de que a qualidade técnica dos jogadores é mais importante. E, ao contrário do que toda a gente diz, o plantel do Braga, deste ponto de vista, de uma época para a outra não melhorou. Pelo contrário.

        NOTA: o Laudrup referiu-se ao Ricardo Horta. Um bom exemplo de um jogador com alguma qualidade (e tem grande disponibilidade para as missões que o treinador lhe pede) mas não tanta quanto muitos parecem atribuir-lhe. Com bola, em condução, falta-lhe clarividência (ao contrário do que acontece, por exemplo, com o seu irmão). E isso manifesta-se contra o Benfica, contra o Porto e contra os outros todos. Se aparecer isolado frente ao redes contrário, não fico muito admirado se falhar…

  2. É verdade Bryan, este é o 2o post sobre o Braga e eu continuo na mesma. O que mudavas para acabar com esse fantasma? Para mim e tal como disseste, quem joga são os jogadores e neste Braga tirando o Dyego não há mais jogadores a calçar num Benfica ou Porto. É que isto é que faz a diferença. Se o Braga tivesse um Jonas ou Aboubokar se calhar a história era outra, mas não tem. Tem um conjunto de bons jogadores em que muitos foram despachados de clubes maiores.

    Gostava, honestamente, de perceber o que é que, na tua opinião, o Braga tem de fazer para ultrapassar este trauma. Já agora, o Horta já leva quase 2 meses sem molhar a sopa…

    Para finalizar gostava de comentar o pateta do 1o comentário com as estatísticas dos últimos 20 jogos
    Braga vs Sporting: 5 vitórias e 2 empates (1 dá vitória ao Sporting)
    Braga vs Benfica: 2 vitórias e 4 empates
    Braga vs Porto: 3 vitórias e 4 empates (1 dá vitória ao Braga)

    Pegando, agora, no exemplo do Guimarães:
    Guimarães vs Sporting: 3 vitórias e 7 empates
    Guimarães vs Benfica: 2 vitórias e 1 empate
    Guimarães vs Porto: 2 vitórias e 2 empates

    Portanto, o Braga e o Guimarães ganham praticamente as mesmas vezes ao Benfica e Porto. Contra o Sporting o Braga ganhou mais vezes mas o Guimarães não perdeu metade dos jogos. Vê lá a teoria da conspiração agora…

    • Serve este comentário para responder aos dois (bons) comentários sobre o assunto que o post trata. É bem raro, e por isso os meus parabéns e agradecimento aos dois.

      Tal como disse no 1o post sobre o assunto, não posso dar respostas concretas sem pertencer ao staff que pode conhecer e fazer uso das reacções mentais e emocionais dos jogadores do Braga. Especular não especulo, mas o que posso dizer é que não dissocio qualidade técnica, táctica e física da identidade, mentalidade e controle emocional de cada jogador.

      Isto não é obviamente uma questão fácil de abordar dados os dogmas, mas um exemplo será a técnica das afirmações e repetições. Isto é, um jogador pode repetir 1000xs que é o Melhor do Mundo e isso não o fará sê-lo. Hoje lemos pelas redes sociais uma série interminável de frases feitas que, por umas horas fazem sentir bem as pessoas durante umas horas, até as reacções do subconsciente tomarem controle outra vez. É como, se quiserem, aquelas resoluções de fim-de-ano onde o pessoal deixa de fumar, faz dieta ou emagrece. No entanto, os padrões de sempre no subconsciente funcionam como um íman e rapidamente fazem as pessoas voltar aos comportamentos habituais.

      Ora, um jogador do Braga pode dizer que vai fazer um póquer ao Benfica, pode pensá-lo, mas o que tem acontecido é -como no caso do Ricardo Horta – uma falta de clareza que impede uma melhor finalização. Não sou por isso daqueles que pensa que não tem qualidade atira-se para o lixo. Sacando certas reacções baixas do subconsciente, percebendo a ilusão das mesmas pode ajudar os jogadores a sacar o seu real potencial. E isto já acontece há muito. Não está é totalmentw afinado, declarado e trabalhado. É minha convicção que os jogadores do Braga beneficiariam do seu real potencial se transcendessem certos padrões que se revelam (de que maneira) na altura de finalizar.

  3. Todos anos contra o mesmo clube!!!! Podia arranjar meslhores desculpas do que esse texto patetico de desculpa esfarrapada.ou nao lhe interessa , enquanto o mesmo ganhar

  4. Artigo muito interessante! Curioso como no futebol se tem de buscar conhecimento a outros campos, neste caso a psicologia.

    O célebre Vitor Frade, enquanto dá as suas aulas, tb faz referências a muitas outras áreas, não é verdade?

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