O peso de uma derrota volta a marcar o clássico

Pode parecer um contrasenso, mas muito do clássico acabou marcado pelo resultado do Sporting em Tondela, e pela semana por que passou Marcel Keizer.

Há não muito, em conversa com um dos bons treinadores do futebol português, expressei-lhe a opinião de que era vantajoso para Keizer o facto de ser estrangeiro, porque isso o impediria de “ler / ouvir / ver / perceber” a quantidade de lixo que grassa à volta do jogo em Portugal.

Talvez tenha sido demasiado optimista, contudo.

O jogo de Tondela marcou de sobremaneira a estratégia do Sporting. Se por um lado, os leões ficaram a precisar bastante mais de vencer para não perder o comboio da frente, o que se notou foi que o medo de uma terceira derrota em quatro jogos, se fez sentir de forma decisiva. A abordagem de Keizer à partida foi bastante mais centrada em si e na sua posição no clube, do que no arriscar do que o Sporting precisaria. Um não perder como base e sustentação para toda a estratégia adoptada, para que a sua própria situação não piorasse, foi a prioridade em detrimento do ir em busca da vitória.

“Esperávamos que um lance de bola parada pudesse resolver” Keizer

As melhorias que o treinador leonino apontou no processo defensivo, não foram na realidade melhorias. Naturalmente, que todas as equipas se tornam mais seguras quanto mais jogadores envolverem a cada instante atrás da linha da bola, seja nos momentos em que têm a posse, precavendo a transição defensiva, seja nos momentos em que não a têm. E a demonstração de que sabe defender foi maioritariamente uma demonstração de que também sabe organizar a sua equipa para não perder os jogos… Diferente do saber defender real, que envolve boa articulação entre sectores e dentro do próprio sector, e capacidade para o fazer mesmo que ofensivamente a equipa se exponha, deixando menos atrás para defender na perda.

A ausência de intenções ou capacidade ofensiva do Sporting, confudiu o próprio FC Porto, como Sérgio Conceição confidenciou na conferência de imprensa. Preparados para um jogo de duelos, mesmo nos momentos ofensivos, e para explorar espaços que se abririam com o ganho das primeiras bolas pelos seus possantes avançados, os azuis viram-se “obrigados” a construir e a ter iniciativa.

Porque a matriz do jogo se alterou a presença de Óliver Torres fez ainda mais sentido. O espanhol tem argumentos para oferecer ao ataque posicional do FC Porto que nenhum outro médio tem, e a sua entrada e a alteração táctica veio contribuir para que a equipa de Sérgio Conceição tomasse definitivamente as rédeas de um jogo em que o empate, até seria sempre mais benéfico para azuis do que para verdes.

A falta de qualidade dos jogos grandes em Portugal tem sido uma constante. O nível individual é hoje bastante mais baixo do que outrora, e porque os treinadores sentem que as derrotas nestas partidas podem marcar de forma decisiva o momento dos seus clubes, tem havido a tendência clara de estratégias cuja preocupação central é garantir que a sua própria baliza não é atingida.

No fundo, sempre que o treinador de um dos grandes em Portugal se queixar da postura ou estratégia de quem com muito menos recursos opta por tal caminho, é necessário que se lhe recorde o quão hipócrita pode ser tal discurso. Porque sempre que a competitividade aperta, também nos três maiores de Portugal se prefere o ponto seguro.

“Os treinadores portugueses são bons. Sabem como jogamos, veem videos e temos de responder a isso” Marcel Keizer

Seja bem vindo, mister!

Do outro lado, a vitória azul permitiria um “fugir” quase definitivo do FC Porto. Porque os cinco pontos são ainda bastante confortáveis e ao Benfica irão surgir muito brevemente deslocações complicadas, como a de Alvalade, por exemplo, talvez Sérgio não tenha de lamentar o empate na tarde de hoje.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

8 Comentários

  1. Mais um excelente texto e análise do Lateral.

    Do pouco que vi, infelizmente, notei que o processo defensivo do SCP não teve, evidentemente, melhorias, já que a ideia do treinador não é compatível (ou pode ser, noutros moldes) com um bloco tao recuado. Do que vi do SCP de Keizer até ao momento (ate ao final da serie de vitórias), o estilo de jogo parece basear-se no passe medianamente controlado até ao meio campo e posteriormente, um aumento de velocidade e distancia de passe que varia, consoante o receptor da bola. Acho que a analise é muito objectiva e, bem caracterizadora do que foi o SCP de hoje.

  2. Maldini, desculpa lá fazer pedidos mas não seria um bom esboço o Sporting jogar com Miguel Luís, Wendel, Geraldes e Bruno Fernandes em simultâneo? É mais ou menos líquido que Petrović não entra nas contas de Keizer, e o outro Croata que veio com o aval de Jesus não faço ideia quem é (Mišić). Estes 4 com Mathieu, com Nani e com Montero perfazem um grupo de 7 ou de 8 se incluirmos Bas Dost, do qual não sou grande fã mas é por aqui tão elogiado que não me custa reconhecer que terá qualidades pouco visíveis aos mais ignorantes sobre o jogo (como é o meu caso), que daria para apresentar um 11 muito competente do meio-campo para a frente.
    A não vinda de Adrien foi uma excelente notícia para o Sporting (sem desprezo pelo jogador), e se até ao jogo de ontem mantinha (eu) a ideia que o Sporting não tinha grande qualidade individual além de B. Fernandes e de Nani, Wendel anulou parcialmente essa percepção. Não sugiro tratar-se de um fora-de-série (que até poderá ser) mas o Brasileiro tem qualidade, pelo menos com bola. Gudelj não pareceu tão mau como é frequentemente pintado mas não se tratará de mais do que um jogador de 11, pelo que não não seria má ideia ‘esquecer’ os 2 Sérvios e o Croata e ter Miguel Luís, Wendel e Geraldes daqui até ao final do campeonato a jogar semana-sim semana-sim, não por favor mas por estarem provavelmente entre os melhores do plantel.

    Em todo o caso, o pedido bacoco é este: Excluindo Battaglia, se tivesses de meter 11 nomes num papel sem qualquer explicação ou nota, qual seria esse 11?

    • Começando pelo início… sobre o Bas Dost, como sabes também não sou fã de jogadores que só têm impacto numa fase do jogo… mas como o impacto ai é tão grande, justifica a sua presença na maioria dos jogos. Curiosamente em jogos longe de grandes áreas… é o habitual 0. Há 2 anos passei uma semana com um treinador q estava a deixar de fora consecutivamente o jogador com mais história… fazia muitos golos… “Ele é muito bom a finalizar, mas não nos ajuda a chegar ao último terço, e nós não conseguimos lá chegar, não adianta tê-lo. É preferivel quem nos ajude a lá chegar..”

      Bas Dost é isso… se crias muito, vais querer o holandês em campo… se não crias, não vais porque ele também não te vai dar nada (acertar uns passes para trás aqui e ali, todos são capazes de fazer, e não o tornam apto para render qualitativamente fora da área…)

      Miguel Luís tem de jogar… precisamente porque é o tipo de jogador que ajuda a chegar ao último terço…

      Na minha opinião, sem lesões, o 11 do Sporting não difere assim tanto qualitativamente do do Benfica … as opções fora desse 11 é que são muito muito muito fraquinhas…

      Renan, Gaspar (não há outro ne?), Coates, Mathieu, Acuña; Miguel Luís, Wendel, Bruno Fernandes, Nani, Bas Dost, Luis Phellype. Acho que tentava qualquer coisa por aqui… embora falte perceber o Phellype num clube grande… bastante diferente de jogar no Paços… poderá ser o Raphinha ai…

      • Pois é Maldini, Phellype é outro que não faço a mais pequena ideia quem é. Ontem enquanto via o clássico andava a pesquisar pelo google os nomes de quase metade da equipa do Sporting, de tão pouco futebol que vejo. Compreendo perfeitamente o que dizes sobre Bas Dost, tanto aqui como no «post» entretanto publicado, e olhado o jogo de ontem também não me custa perceber o porquê de nem mencionares Diaby, outro que tal como Wendel, Gudelj, Gaspar, Raphinha, Phellypeou ou J. Cabral, não fazia a mais pequena ideia de quem era(m). Mesmo em jogos maus há sempre ‘jeitos’ e aparente conforto ou desconforto em campo (personalidade) que deixam perceber qualquer coisa, e Diaby ontem não mostrou o que quer que fosse de aprazível. Mostrou justamente o contrário. Quanto a Montero mencionei-o mas nem sei se ainda anda pelo Sporting, ou, caso ande, se joga ou se não joga ou aquilo que anda a fazer. No todo é pena que as coisas não sejam muito mais claras, hoje, porque presume-se que jogadores como Nani, Bruno Fernandes ou Mathieu não jogarão pelo Sporting anos a fio, e pelo menos estes 3 mereciam disputar e ganhar campeonatos.

  3. Texto muito interessante!

    Realmente, o resultado em Tondela mudou completamente este jogo. Foi pena. Achei que foi um jogo giro mas sem grande qualidade técnica ou táctica, um bocado no mesmo registo do Benfica-FCP.

    Compreendo e considero normal malhar na equipa e no treinador do Sporting, afinal, tinha qualidade para fazer muito mais. Não muita qualidade mas ainda assim o suficiente para fazer muito melhor, sobretudo tacticamente e na estratégia para ganhar ao FCP.

    Mas o que dizer deste FCP?

    17 vitórias seguidas e não joga um pentelho desfrisado. É uma equipa de brutamontes, trogloditas e trauliteiros. Joga quem corre mais, quem grita mais e quem bate mais no adversário. Vale tudo para causar desconforto na oposição (causar desconforto: a única ideia do S. Conceição; ah claro e meter no Brahimi para ele se desenvencilhar de três ou quatro na cabine de som).

    Em termos tácticos é uma equipa puramente especulativa: parece que pretende disputar o jogo mas na verdade é a última das opções em cima do balneário. Raramente, seja fora, em casa, com oposição superior ou inferior assume as rédeas da partida. Oliver?? Mete dó ver o miúdo jogar, neste momento. O rei da pausa tem medo de meter o pé no travão, sob pena de ir para a bancada ou passar a semana aos berros com o treinador. O Oliver está a ser estragado pelo treinador do FCP.

    Sei que virão os apaniguados com a velha dica do “é isso tudo mas ganha o campeonato”! Olha, parabéns à prima. Até pode mandar 50 seguidas que nunca será lembrado por mais nada. Confesso que ao longo de 30 anos de bola poucas equipas me provocam tanto asco como este FCP. É horrível ver uma equipa completamente inapta, na minha opinião, ganhar tantos jogos. Mas talvez seja por isso, entre outras coisas, que o futebol mexe tanto com a malta.

    • é um futebol nada atractivo… e bem diferente do que sempre considerei aproximar do triunfo… e como tantas equipas (Barcelona de Pep à cabeça, obviamente) provaram ser verdade.

      Mas, neste contexto e porque as diferenças são tão gigantes, serve para fazer muitos pontos. A quantidade de “animais” que surgem para finalizar as bolas paradas dá logo a possibilidade de não se jogar muito e estar sempre perto de vencer…

      Não ficará na “história” por um jogo a seguir … mas, será bicampeão, de forma justa! E não apenas porque os outros fracassaram, porque na temporada passada precisou de muitos pontos para ser campeão!

      Se gosto? Tu sabes a resposta. Mas, também não vence por acaso! Vence porque é muito competente no que se propõe a fazer. Por acaso seria vencer a esticar e a provocar duelos tendo o Jonas e o Felix na frente. Tendo Marega e Soares, está mais perto de ganhar assim, do que se fizesse de outra forma.

  4. Certo… Mas julgo que aqui não estamos apenas a pensar se é justo ou não. Até porque a justiça no futebol é retórica de fantochada. O FCP vai ganhando. Mais por defeito dos adversários do que por qualidade futebolística. Há quanto tempo não têm uma vitória convincente? Porque o que jogam é zero-vírgula-zero. O ano passado foram campeões porque defrontaram rivais em modo abécula. E este ano os rivais estão no modo abécula ao quadrado. Porque o que vemos dentro de campo não é, certamente, sustentável no médio e longo prazo.

  5. Há a preferência de estilo por si. Depois, o perfil de quem se compra (dentro do possível) para isso.
    O “arrombar”, as segundas bolas, as bolas paradas, o bater longo, duelos e mais duelos físicos. A dificuldade em enquadrar Óliver.
    Acho que o SC nem se sentirá confortável, eventualmente nem competente, para outra estética de jogo. Conhecer limitações construindo e trabalhando dentro do que melhor sabe fazer. Até agora validado pelos resultados.
    E mesmo em vantagem vê-se a dificuldade em controlar resultados.

    Mas é sempre melhor ser-se genuíno! Com as óbvias e devidas diferenças, olhe-se o que realmente ganhou o Atlético quando Cholo, o ano passado tentou incorporar mais posse?! Piorou claramente.

    Chegará sempre o momento de evoluir metendo variabilidade e arriscando “outro jogo”.
    Mas por agora, este registo, já deu 1 título e esta época foram 18 seguidas!

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*