Entre a identidade e a competição – Sem tempo mas a crescer, Bruno Lage

Tem sido assim a minha vida. Enquanto assistente do Carvalhal em Inglaterra, a minha tarefa era preparar jogos de três em três dias. Foi a minha vida durante três anos numa equipa técnica muito competente.

nós estamos num caminho de criar a nossa identidade ao mesmo tempo que temos de preparar os jogos. Queremos ser mais pressionantes, ter mais bola, mas ao mesmo tempo, temos de nos adaptar às dificuldades que os adversários nos colocam

Bruno Lage

A estratégia para o jogo, o adversário, o estado físico dos jogadores… tudo é metido na balança para escolher o melhor onze. O melhor onze tem a ver com a situação momentânea, a situação em que se encontram os jogadores, em função do jogo que vamos ter.

Estou completamente consciente daquilo que é o Leixões a jogar e daquilo que podem fazer individualmente e colectivamente… depois vamos ver se crio a estratégia adequada para ganhar

Nós entrámos em Alvalade exactamente da mesma forma… só que nós… defrontámos um adversário!

Sérgio Conceição

Há um ano atrás, falei-vos de uma nova era que chegava ao jogo, embora demasiados ainda não tivessem tido capacidade para o perceber:

“Depois do “boom” gigantesco do modelo de jogo, que veio mudar completamente o lado táctico do jogo, a forma como as equipas se apresentam dispostas no campo, e como se comportam, está a chegar a era da estratégia.

Como em tudo na vida, é nas dificuldades que se cresce, que se procuram soluções para ultrapassar as barreiras. Nos dias de hoje todos têm o seu modelo, e o passo seguinte já está a ser dado pelos mais inteligentes. Estamos na era da estratégia. Na era em que os vídeos correm à velocidade da luz, vencer vai muito para além do modelar, tão típico da década passada.

Hoje, o próprio processo de treino tem de ser virado para a competição seguinte, para o jogo que virá. Sobretudo quando se fala em forças de valores equivalentes, mas não apenas, é no perceber os comportamentos chave do adversário, e preparar o seu antídoto durante a semana, que está o passo seguinte. Na análise dos comportamentos e no desmontar dos mesmos. Na estratégia provocar constrangimentos ao adversário, que nos aumentem as possibilidades de vencer.”

in Lateral Esquerdo (aqui)

No último mês, Portugal tem tido o privilégio de ter alguns dos seus melhores treinadores a explicarem alguns dos porquês de determinados comportamentos.

A preparação dos jogos, atravessa uma fase com traços idênticos até aquela que é em primeira instância a formação do próprio jogador. Passou do “eu” (antes da chegada do modelo, onde cada equipa era constituída por onze elementos com poucas ou nenhumas ligações entre si), para o “nós” (com o enfatizar do modelo, e nos comportamentos conjuntos entre os onze elementos), e chega ao “nós contra eles”. Porque embora o espectador seja sempre alguém que coloca toda a ênfase do que acontece somente na sua equipa, o jogo tem sempre oposição.

Só no café ou nas redes sociais, é que o jogo depende unicamente do que faz um dos lados. Só ai se pode ignorar que não se está sozinho em cada partida, e é por isso que tantas vezes as análises ou os “ses” passam pela troca de Fulano por Beltrano como forma de resolver toda a complexidade de um jogo que envolve outros vinte e um jogadores num campo enorme. Embora seja muito importante discernir o futebol de rendimento, com o formativo, e até o distrital, onde treinadores e jogadores devem em primeira instância e muito mais do que qualquer outra variável, retirar prazer, porque as suas vidas “reais” não passam pelo futebol. E para chatices…

Por isso, é hercúlea a tarefa do treinador dos encarnados, Bruno Lage nesta fase da temporada. Pouco ou nenhum tempo para realizar treinos verdadeiramente aquisitivos, pela sobrecarga de partidas, e a ter de em simultâneo criar a sua própria identidade / modelo (quão importante é a fase preparatória da temporada para se chegar “às minhas ideias”), e trabalhar a sua equipa para estar também preparada ao máximo para o que a competição traz.

Em Guimarães, num jogo de dificuldade enorme, porque perante uma equipa recheada de bons valores, e também liderada por uma equipa técnica com uma capacidade ímpar para aproximar as suas equipas dos triunfos, e na presente temporada já bateu FC Porto e Sporting, não porque calhou, mas porque o Vitória de Luís Castro é uma equipa que pensa o jogo e se prepara para o vencer, que não somente esperando um “acto divino”, o Benfica de Lage já demonstrou algumas das intenções da identidade que pretende criar.

Maior protagonismo com bola dos centrais e várias entradas para o espaço onde a magia começa a acontecer (corredor central, nas costas dos médios adversários), foram bem perceptíveis, sobretudo ao longo da primeira metade da partida.

Na segunda, a evidência tantas vezes abordada. Não basta querer para se ter o jogo pretendido. E quando não se consegue impor (Seferovic perdeu 18(!) vezes a posse, e o total dos jogadores mais adiantados, somaram 60 perdas!), porque individualmente há menos qualidade ou inspiração, há que ser competente mesmo no jogo que não se quer jogar!


“e quando não conseguimos controlar com bola, controlámos sem bola”

Bruno Lage

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

11 Comentários

  1. Que lição ❤

    Impressionante o que o LE tem feito pa compreensão do futebol em Portugal…

    Já li, e bem, creio que pelo LCristovao que estratégia já havia há 20 anos. Claro que sim… como também havia táctica! A estratégia que se trata agora relaciona-se com o modelo!

    Assim como o modelo abarcou a táctica, dando-lhe ‘conteúdo’, a estratégia é também rica! Táctica… com base em comportamentos do modelo, e não a do tempo anterior ao modelo. “Ai jogam em 433? Então vou jogar em 442” ?

    • Sim o modelo abarcou a tactica mas para mim hà uma confusao quando se relaciona o modelo com a estrategia.

      A estrategia sempre existiu desde o principio do futebol (e em todos os desportos) como a tactica; era mais individual ao jogador e menos trabalhado em equipa. A estrategia coletiva defensiva apareceu depressa com as posiçoes das diferentes linhas, subidas ou baixas no campo. A estrategia ofensiva tambem com o numero de jogadores nas linhas e a vontade ter a posse de bola ou privilegiar o jogo de contra ataque.

      Nada de novo até a defesa H*H deixar de ser exclusiva e aparecer o futebol zonal: a estrategia e a tactica ainda foram mais trabalhados pelo treinador na area coletiva porque a estrategia defensiva condicionou o posicionamento dos jogadores para fechar espaços na zona da bola ao mesmo tempo que obrigou a repensar a estrategia ofensiva.

      A grande ultima revoluçao foi claramente o modelo que nao é o posicionamento das linhas ( o 3/5/2 ou o 3/4/3 jà existiam na equipa do Racing no campeonato francês dos anos 30) mas o modelar do jogo pelo treinador que pela primeira vez influença a tactica da sua equipa. O modelo de posse foi tao letal que a estrategia demorou anos a compreender como travà-lo. A estrategia adapta-se mais ao adversario, aos momentos do jogo e està a ser mais importante para se aproximar do sucesso.

      Nao sei se é uma era da estrategia mas o que estou certo é que a era da competencia maxima nas virtudes tecnicas e fisicas dos jogadores mas sobretudo nas areas das estrategias, do modelo e da tactica do jogador.

      • De novo para evitar confusoes e ser mais limpido, ainda vou bater na mesma tecla nas definiçoes: a estrategia é o que se faz quando nao hà nada a fazer; no futebol é quando o jogador tem a bola. A tactica é o que se faz quando hà a fazer com a bola.

        Claro, antes nao se falava de estrategia mas da tactica do treinador sem saber que era o jogador que fazia a tactica e quando o jogo modelado apareceu e mandou fazer ao jogador, a noçao da estrategia ficou mais clara.

        E a estrategia sobressai mais hoje em dia porque a sua componente defensiva conseguiu impedir o dominio do modelo e a estrategia ofensiva que sempre existiu é por vezes suficiente quando o treinador possui os jogadores-tacticos mais valiosos no poder da finta que cria novos espaços e na visao dessas novas linhas de passe que se abrem.

        O futebol é jazz, nao se pode formalisar muito : é preciso de uma estrutura movel para deixar uma liberdade do presente aos solistas da finta improvisada e da composiçao espontanea, respeitando a harmonia da orquestra.

  2. Grande trabalho de Bruno Lage na estrategia defensiva: o Gabriel a jogar na mesma linha do Fejsa, a pressao constante em bloco consoante a zona da bola e nao somente para recuperar a bola o mais rapido possivél depois da perda.

    Nova estrategia ofensiva que tem que ser mais trabalhado no treino: os centrais a subir e organisar mais o jogo na abertura para compensar a pouca ousadia do Fejsa, e quando hà pressao dos adversarios sobre eles, o Gabriel a compensar bem. Os laterais a jogar menos interior e mais laterizados com o Pizzi e o Ziv a jogar entre as linhas acompanhando o mago Joao Félix. Essa estrategia ofensiva permite também a segurança da estrategia defensiva visto em cima.

    Jogo ainda pouco modelado mas o tempo de treino do Bruno Lage e u urgecia estava na estabilidade defensiva.

    Certo, o futebol ofensivo é pouco vistoso porque ainda é pouco modelado na nova estrategia ofensiva mas sobretudo porque essa estrategia mais pausada requer uma melhor tactica do jogador e em certos jogadores do Benfica, esta é de nivel muito médio. A tactica mais forte é a do Joao Félix que com bola se desembrulha de buracos de agulha. Sem o Jonas e o Krovi, o tactico mais valioso é o Grimaldo mas jà nao se vê tanto porque agora joga menos em terrenos interiores. Nao sei se nao valia mais o Cervi na esquerda que compensaria o espaço defensivo lateral deixando o jogo ofensivo interior ao Grimaldo? O Pizzi é daqueles jogadores que desaparece quando o espaço e o tempo sao escassos; ele também nao é ajudado pela nabiça tactica do AA mas penso que a fineza tactica do Krovi é mais util para jogar nesse espaço entre linhas. O Rafa quando voltar de lesao poderà baralhar as contas ao Ziv que tem muitas perdas de bola; perdas que podem ser natural em jogadas de risco como nas tentativas rompantes do Joao Félix mas muitas delas sao devidos aos pés nao executar o que a cabeça pede ( Pizzi e Ziv). Os centrais ainda muitos frageis nos passes a comprometer em cada perda a estrutura defensiva ao contrario do Gabriel a ter muito justeza na sua zona do terreno. Nota baixa para os laterais: o Andre Almeida nao tem e nunca terà essa capacidade e o Grimaldo que pisa menos jogos interiores a ser menos eficaz na ala.

    O que mantém uma esperança ao Benfica para voltar ao titulo este ano é essa grande estrategia defensiva para poder assim discutir o resultado o mais tempo possivél, a magia do Joao Felix, na ausencia do Jonas, para mudar a historia do jogo, o melhor entrosamento dos jogadores num novo modelo e o regresso de certos jogadores que ajudarao a criar mais espaços e mais linhas de passe no jogo com bola ( Jonas, Krovi, Rafa…).

    Hà dois bons jogadores, do vai e do vem(box to box), que perdem protagonismo na nova estrategia ofensiva do 4/2/3/1 que sao o Gedson talhado mais para o 4/3/3 e o Alfa Semedo para o 4/4/2.

  3. Acho que todos nós gostamos de criar histórias , criar capítulos para ajudar a perceber a evolução das coisas.
    Mas é justamente o ambiente competitivo que actua como estímulo à evolução no desporto profissional.
    Táctica, Modelo, Sistema , ideia … sempre existiram. E “amanhã” serão sempre mais evoluídos do que “hoje”. É interessante conceptualizar a evolução do “eu” , “nos” e “nos contra eles”, mas na prática isso sempre existiu – apenas menos evoluído do que hoje.
    Cumprimentos e obrigado pelo excelente trabalho.

  4. Bom dia, Maldini!
    Apreciei muito o teu post, mas há uma coisa que me intriga.
    Sou seguidor do LE há muito (e patrono) e, como trabalho no futebol distrital (atualmente com juvenis, mas já trabalhei também com juniores), fico sem saber o que pensar a respeito da distinção entre o alto rendimento e o resto. Causa-me alguma estranheza a ideia de que trabalhar, pensando como o faz quem está no alto rendimento é uma coisa só para uns e para os outros os caminhos estão mais ou menos fechados.
    Há mesmo no desporto amador uma certa resignação e quem tenta fazer diferente às vezes é olhado com desconfiança e não é apoiado.
    Não pretendo mudar o mundo, mas por vezes penso que, se acabamos a distribuir coletes e ver os miúdos jogar, mas para isso mais valia ficar em casa e ver futebol na televisão.
    Não sei se me podes iluminar.
    Abraço.

    • Bom dia Bruno… o que queria essencialmente distinguir tem a ver com a prioridade que se dá ao resultado… e na forma de o obter.

      Quando falamos de futebol jovem, é bastante mais importante concentrar o processo no desenvolvimento e no conforto individual, do que delinear uma estratégia mirabolante para ganhar jogos… se isso prejudicar o desenvolvimento dos jovens jogadores…

  5. Já agora… é lastimável que em Portugal 90 por cento dos treinadores tenham más condições para exercer o que fazem, e que não possam viver da profissão. Porque estou certo que se nao houvesse tanta ansia pelo querer subir… para poder viver do futebol, teriamos mais gente a colocar os miudos e o seu desenvolvimento, à frente do “eu”.

    Mas isso já vem de cima…

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