A Era da Transcendência

Como tudo na vida, as modas são efémeras. Hoje, continuando uma tendência que já tem alguns anos, é usual ‘sacar’ um texto a partir de uma qualquer teoria rabiscada num qualquer site de definições e informações desse maravilhoso mundo que é a Internet. Essa é uma tendência que eu segui e que continuo a seguir, mesmo sabendo que tal introdução possa servir apenas o propósito de elevar uma perspectiva e não o todo. É, então, de difícil compreensão, tal é a linha ténue entre as duas. Elevar o todo ou uma só parte pode ser melhor entendido quando se assiste, ou participa, numa discussão. E elas são aos magotes. Em futebol então já assistimos a várias eras de discussões. Do século passado, por exemplo, persiste uma que vai sofrendo algumas metamorfoses: Jogo bonito vs. Jogo resultadista, é, também por exemplo, tão fútil como a Era do Modelo vs. Era da Estratégia. Isto porque, meus caros, não pode haver uma sem a outra.

E porque não me esqueci das introduções posh muito em voga nos primeiros parágrafos das publicações que hoje lemos, cabe-me trazer ao segundo parágrafo deste texto (para ser mais cool) a 2.ª Lei da Termodinâmica que, ao contrário do que as wikipédias desta vida podem fazer transparecer à primeira leitura, reza várias coisas para chegar a uma só: Um sistema fechado em si não subsistirá mas implodirá. E isso, aplicado à tal fútil discussão que preenche as filas mais intelectuais da análise futebolística, valida, ao mesmo tempo que coloca em xeque, as tais duas correntes. Isto porque é impossível multiplicar um zero, e, assim sendo, será impossível fazer ajustes estratégicos sem algo no qual os fazer. Descansem pois (por uns instantes) os defensores do modelo como santo graal do futebol, pois esse, ainda que sempre imperfeito (e por isso aberto a ajustes) terá sempre de existir. Um pouco como a definição de Daily Grind: O mundano dia-a-dia ao qual não conseguimos escapar, no qual as mesmas tarefas e os mesmos padrões se repetem vezes sem conta. E para dar um passo acima desse mundano Daily Grind  teremos que viver nele. Da mesma forma que teremos de introduzir, na calculadora, um 2 para o poder multiplicar pelo valor que desejamos. O resultado esse, multiplicado por zero, dará sempre um 0, mas será bastante diferente se o multiplicarmos por outro número de valor. E a partir desse dois poderemos sempre multiplicar, multiplicar, multiplicar… apesar de ter sido nele que começámos a nossa transcendência.

Vem o exemplo à baila porque existe sempre quem não queira multiplicar. São inúmeros os exemplos mundanos em quem pega numa frase feita de um livro com mais de 2000 anos e segue disso exemplo para a sua vida moderna. Poderá então alguém pegar numa palavra que serviu de exemplo no passado e continuar a clamar, de dedo em riste, por criatividade? Sendo que esta última é espontânea e adequada ao preciso momento em que actuamos (quantos golos já viram totalmente iguais?) viver, actuar, treinar, idealizar mediante palavra morta poderá ser tudo, mas nunca criativo. Daí que o modelo, para subsistir e não implodir, terá que ser aberto. O 2, do exemplo acima, estará lá sempre, mas a utilização dos ajustes para o multiplicar, terão também de lá estar – sob pena de o modelo fechado certamente implodir sem a abertura necessária à transcendência.

Qual então a necessidade de se defender a palavra morta com unhas e dentes? Será o propósito elevar o todo – como Pep Guardiola fez com um futebol que abriu com as novas ideias de Mourinho para depois se ir fechando até as novas ideias do catalão e de outros surgirem? – ou será a necessidade de chamar a atenção para uma intelectualidade que se pretende afirmar como superior, mantendo outros lá em baixo e tentando atirar tudo de diferente para um alçapão ideológico, com o único propósito de chamar a atenção para si mesmo? E se seguem o Lateral Esquerdo ao longo dos anos, sabem que a fase do fundamentalismo – necessária por vezes para chamar a atenção para algo que transcenda o status quo – já não faz parte do modus operandi do blog que se tornou um site que ajuda um número, cada vez maior de pessoas, a compreender o fenómeno que tanta tempo ocupa nas suas vidas. O insulto rasca, a arrogância fundamentada em discussões de semântica (e tanta vez não passam disso) a incapacidade hermenêutica, a necessidade de elevar o ego mantendo os próprios seguidores abaixo, a invocação da liberdade como pretexto para dividir e não multiplicar, foram recorrentes no pior lado da nova geração da análise futebolística na web. E essa é uma necessidade que o LE não tem, que ultrapassou, para que o maior número de pessoas, interessadas em multiplicar os seus conhecimentos, possam também tentar criar algo de novo quando se relacionam, de alguma maneira, com o futebol. E da revolução que o Pedro Bouças (Maldini) criou (quantos comentadores hoje falam em controle da profundidade, em bolas cobertas e descobertas, em corredores, bloqueios e blocos?) o LE multiplicou-se para um espaço que tenta fazer a ponte do Daily Grind de milhares para uma interpretação mais adequada ao jogo de que tanto gostam. Isto desde que não se faça dela a tal palavra morta e que se perceba que cada momento em futebol requer ideia nova, mesmo que essa meta em causa a nossa Bíblia. E se alguém precisar do golo que cada charuto em 100 nos pode dar? E se esse charuto der esse golo que precisamos? E se alguém perceber que não precisa de dar 100 charutos, mas perceber que esse dará golo? Vamos negá-lo à equipa, porquê? Para morrermos com a ideia. Desculpem, mas prefiro transcender a ideia (tentando descobrir a melhor solução para cada momento) mesmo que essa possa ir contra os valores estéticos de outrém. E isso é bastante diferente de jogar mal, ou jogar feio. Simplesmente haverá jogos em que teremos de dar alguma iniciativa ao adversário, como haverá outros em que teremos de tentar dar o menos possível, como outros haverá nos quais jogar directo por alguns períodos pode encontrar debilidades. E criatividade é saber quando usar as melhores armas nos momentos que as pedem, sem seguir uma cartilha que nos desresponsabiliza porque tivemos mais bola, fizemos mais passes e criámos as melhores chances.  O que mais não é do que tentar encaixar o Mundo na nossa caixa mental. E eu duvido que lá caiba. Prefiro ir deixando as caixas para trás para poder ter um glimpse de como o Mundo realmente funciona e o que cada momento pede de mim.

Quiz

O que fez Marcel Keizer no Clássico passado?

a) Ajustou a sua ideia ao jogo, mesmo que isso incapacitasse a sua equipa ofensivamente ao ponto das suas oportunidades de golo serem mais escassas do que as do adversário, castrando-a daquilo que mais o podia ferir?

b) Percebeu finalmente que, em Portugal, terá que encontrar um maior equilíbrio entre acções ofensivas e defensivas, sob pena dos evidentes desequilíbrios lhe poderem custar, prematuramente, o lugar?

c) Retirou ao FC Porto o momento do jogo que mais mossa lhe poderia causar (transição ofensiva) e tentou colocar o jogo num registo em que a organização ofensiva do Sporting poderia suplantar a organização ofensiva do FC Porto?

d) Deixou morrer a ideia de atacar anarquicamente atingindo o mesmo estado que José Peseiro no seu 2.º reinado em Alvalade (equilibrar sem bola ao invés de equilibrar com bola)?

e) Fez as contas ao rácio ficando com a sensação que as transições ofensivas do FC Porto, explorando o espaço deixado, seriam mais eficazes do que a sua habitual organização ofensiva?

f) Ganhou um ponto.

g) Perdeu dois pontos.

8 Comentários

    • Acho que o Abel estará cada vez mais atento a isso, por mais que às vezes pareça esotérico a definição e accão física começa mesmo numa ideia de identidade, mentalidade e emoção. Espero que sim, que transcenda, como espero que o Sporting transcenda as suas. O futebol português agradece – e bem precisa!

  1. Excelente post que se aplica tão bem ao futebol como se aplica à vida em geral. Parabéns.

    Quanto à questão final, e apesar de todas as opções terem a sua dose de verdadeira, e só o treinador Keizer saber o que mais pesou na estratégia que preparou para este jogo, diria que a postura do sporting em todo o jogo apontaria mais para a opção e). Terá visto e revisto o jogo Porto-Galatasaray e imaginado-se posteriormente num post do LE denominado “Sei o que fizeste nas noites passadas, Marcel”.

  2. O pessoal que nos segue tem excelente memória 🙂 os meus dias são todos bons (lol) mas estes comentários ajudaram o de hoje a tornar-se fantástico 😉

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