Limbo do leão é ninho para a águia

LUSA

Não querendo generalizar, são poucas as sequelas que atingem a qualidade de primeiras edições de alto gabarito. Assim, logo três dias depois de um ardente, e encarnado, dérbi eterno, esta 1.ª mão das meias-finais da Taça de Portugal, entre os mesmos Benfica e Sporting, estaria sempre condenada a uma falta de espontaneidade que o jogo do passado fim-de-semana – por entre o espaço dado pelo plano de Keizer, e o acerto na transição ofensiva benfiquista – não teve. E depois de novo apertão no pescoço à sua ideia, Marcel Keizer foi à Luz tentar acertar contas entre desequilíbrio defensivo e projecção ofensiva. E por entre alguns ajustes tácticos e algumas alterações no onze, não seria de esperar algo mais do que um Sporting que vive claramente num limbo táctico que não lhe permite, de maneira alguma, poder competir de igual para igual com um Benfica que – mesmo vários furos abaixo do que mostrou em Alvalade – tem, em menos tempo de trabalho, uma organização bastante superior.


Não surpreende por isso a nova vitória encarnada, ainda que o dérbi para a Taça tenha mostrado um nível de concentração, intensidade e autoridade muito diferente daquele que a Armada de Bruno Lage evidenciou em Alvalade. Estiveram lá, é certo, as temíveis transições ofensivas que continuaram a castigar as perdas leoninas em zona proibida, mas a inspiração e definição não esteve a um nível que permitisse o desnível que ficou patente dias antes. Algo que, com a excepção do lance que permitiu a Gabriel abrir o marcador (16′), deixou o Sporting, numa semi-final a duas mãos, sempre dentro de um jogo que há três dias atrás lhe foi passando estonteantemente por entre os dedos, mãos, pés e pernas.



Ainda que notória, em alguns curtos momentos, a tímida tentativa de controlar o jogo de pé-para-pé por zonas exteriores, a estratégia passou muito mais por equilibrar o espaço central e a linha defensiva, sacrificando assim o espectacular Bruno Fernandes (recuando-o para um papel de cobertura sem bola e de lançador com ela), como também os laterais Bruno Gaspar e Borja subiriam à vez e com particular atenção para o espaço que Salvio, Seferovic, João Félix e, até, Gabriel poderiam atacar. Porém, mesmo com toda a cautela, foi mesmo a desinspiração encarnada a responsável por o castigo não ser mais pesado que a vantagem mínima que os comandados de Bruno Lage levaram para o intervalo. Desinspiração na definição e decisão de lances que voltaram a ter princípio em perdas de bola que as saídas, pouco limpas, dos leões ofereciam, que, mesmo assim, nunca seriam tantas e com tanto impacto como o tal jogo que deixou uma fasquia impossível de igualar para o Benfica.

Chegada à área de Gabriel, após temporização de Pizzi, deixa à vista o desnorte da ‘linha’ defensiva leonina. Acerto das águias neste lance foi excepção na conclusão das transições ofensivas.



Algo que ficou bem patente nas já mais que referidas perdas de bola – também do Benfica – numa saída que, invariavelmente, nunca procura o jogo exterior. E se sabemos que, mais de 90% das bolas com que os centrais das águias iniciam as jogadas são endossadas para o meio (não tem a ver com lugar mas com quantidade e repetição), também quem é responsável por encontrar pontos menos positivos no seu adversário o saberá. E, neste caso, a sorte do Benfica passou pela falta de apetência da equipa de Marcel Keizer para explorar esses momentos que, não sendo assim tão poucos, foram acompanhados, neste jogo, pela falta de segurança na posse-de-bola que, neste momento, deixa o Benfica bem abaixo daquilo que precisa em organização ofensiva e no que toca ao real controlo de um jogo. E, para complicar ainda mais as coisas, também o alinhamento defensivo não foi tão coordenado comparado com a excelência do nível demonstrado dias atrás. Algo que se agravou com o passar dos minutos após a lesão de Jardel e a posterior entrada de Ferro que, por exemplo já numa 2.ª parte de fogachos de parte a parte, poderia ter resultado num golo de Wendel – que num momento de total desinspiração fez mira ao árbitro assistente ao invés de tentar fazer a bola bater no cordame defendido nessa noite por Svilar (o mesmo Wendel que teria, minutos depois, outra chance de ouro para empatar a partida mas que viu a bola passar, desta feita, bem mais perto do poste).

O desaparecimento de João Félix no corredor central terá feito com que Lage lhe pedisse para aparecer mais por fora. Factor decisivo no lance que deu o segundo golo ao Benfica



Sem surpresa, os repelões de parte a parte, resultariam em golos pouco esperados, como num lance em que um apagado João Félix aparece vindo da linha (ele que momentos antes foi captado pelas câmaras a receber indicações de Bruno Lage – talvez pedindo-lhe que fugisse ao espaço central?), ou num disparo monumental de Bruno Fernandes, num golão que deixa alguma esperança ao Sporting para a 2.ª mão que se jogará daqui a dois anos…cof… perdão, meses, em Alvalade. Uma esperança, uma fé ou, se quisermos, uma crença, que, tal como em Braga frente ao FC Porto, a equipa transportou até à baliza adversária (como nunca nos momentos iniciais ou intermédios do jogo) criando situações que colocaram em causa a vitória de um Benfica superior qb mas não tanto assim que não tenha de rever os por demais notórios erros a que a falta de treinos aquisitivos o obriga. Já o Sporting, voltando à conversa da esperança, terá de perceber a ilusão que tornou célebre o conceito de fé como substâncias das coisas desejadas. Tornando-se imperativo, para Keizer, o conhecimento de como poder esticar a equipa, procurando golos, e não a deixar perder espaços vitais (nos três corredores ou na profundidade entre a linha defensiva e a baliza). Não sendo fácil para ninguém (até Pep que o diga!), estará nesse dilema a chave do sucesso de uma equipa que, neste momento, para não sofrer tem de abdicar de marcar, que para não sofrer tem de abdicar de não jogar e que, mesmo assim, como nesta quarta-feira, só tem mudado a maneira… como perde.

Benfica-Sporting, 2-1 (Gabriel 16′ e Illori p.b.64′; Bruno Fernandes 82′)

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