Einstein e Chappelle ajudam Abel a deixar de fumar

EPA/Fernando Veludo

O que pensamos que podemos fazer no Mundo define-nos. O que pensamos que não podemos fazer no Mundo… também nos define. Desenhar objectivos, mas também limitações, na nossa mente é um exercício que nos deixa saber mais sobre nós próprios, sobre quem realmente somos. Essa é uma questão de identidade, não haverá volta a dar. No entanto, desenhar objectivos, muitas das vezes redunda em escapismo. Falhamos em perceber o essencial e escapamos ao que realmente importa: Perceber as nossas reacções ao que realidade diz sobre esses objectivos. E são essas [reacções] que definem aquilo que podemos fazer no Mundo, mas também aquilo que não podemos fazer. Dar um salto mental para o futuro – imaginando um cenário onde ganhámos uma Liga e o reino do Futebol está aos nossos pés, ou onde temos um emprego confortável, ganhamos imenso dinheiro e estamos protegidos das agruras materiais tendo reconhecimento mundial por sermos excelentes no que fazemos – é escapismo. É como perseguir aquela cenoura – que por estar presa a uma distância impossível não lhe conseguimos chegar. Isto porque não é o ser campeão, ou não, que nos define. Não é o ser a maior potência desportiva nacional que pode definir alguma instituição. É a medição das reacções à verdadeira realidade (aquela onde não somos campeões, não temos independência financeira assegurada e não temos o reconhecimento mundial) e transcender essas mesmas reacções que deve ser o foco principal na nossa mente. Isto porque se já tivéssemos as condições mentais para ser isso tudo… já o seríamos, já o teríamos. E se não o temos, nem o somos, que adianta pensar já no fim da escadaria, se não estamos dispostos a subir sequer o próximo degrau?

É uma ideia que resvala para cliché a cada dia que passa. Einstein e a definição de doidice (fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes) tem tido uma interpretação muito literal, e por isso também física. Mas, tal como na história do ovo e da galinha, convém tentar perceber o que nasce primeiro: físico ou ideia? É que se mudarmos no reino do físico – não percebendo as ideias no subconsciente que formam os nossos padrões – não estamos realmente a mudar. Assim, nesta terça-feira, no Dragão, Abel Ferreira tentou deixar de fumar. Fez uma resolução de Ano Novo e decidiu acabar com um comportamento que passou a achar nefasto. As consequências, como a tosse e o catarro evidenciados em Alvalade e contra o Belenenses de Silas (prefiro chamar-lhe assim do que SAD) exigiram mudança. Mas estaria Abel preparado para ir a outro reino buscar ideias para transcender o hábito?

Fazer o que ainda não foi feito é o motto. E da boca do sensacional treinador dos Gverreiros já o ouvi mais que um par de vezes. Mas no Dragão, na passada noite, as suas ideias já foram, mais do que milhentas vezes feitas e refeitas. Abel descurou o material de onde nasceu o modelo que me fez apelidá-lo de sensacional e tentou, já o disse, deixar de fumar. Mas à medida que o jogo lhe foi trazendo reacções, o seu Braga foi voltando ao vício. E se há jogos em que a Abel lhe dá vontade de fumar, esses são os jogos contra os grandes. São os que provocam reacções que outros não provocam. E essas, mesmo baixando o bloco para o proteger do fumo, continuam lá. Uma delas, já por mais referida, é a incapacidade na definição. E se olharmos ao aproveitamento (também referido por Abel na flash-interview) das ocasiões criadas por uma e outra equipa, esse é um factor absolutamente decisivo para o FC Porto levar uma vantagem de três golos para a Pedreira.

Assim, bloco alto ou menos alto, médio ou baixo, mais duplo-pivot, menos triângulo invertido, os padrões continuaram lá. A vontade de fumar também. Restava ao SC Braga criar um espírito mais forte do que aquele que leva Abel a fumar. Mas isso também não aconteceu. Mais uma vez o FC Porto foi mais forte também na entrega ao jogo, na coragem do posicionamento e espaços que ocupa, correndo riscos mas também sabendo que teria, ou iria ter, alguém na frente que compensasse esse risco em golos. Assim, à medida que Sérgio foi vendo a incapacidade de Fernando Andrade e de Adrián López para traduzirem o posicionamento e dinâmica da equipa em golos, a solução foi olhar para um banco onde estavam… Soares, Brahimi, Danilo, Marega… E que de lá saíssem dois deles, para marcarem dois golos, não seria surpresa.



Ainda por cima, o FC Porto, com um onze sem peso na área já se encontrava a vencer a partida à ida para o 2.º tempo. E o que mudou Abel foi só mesmo a genuína tentativa de fazer diferente. E os defensores do cada vez mais cliché de Einstein só têm que aplaudir. Afinal de contas tentou-se de todas as maneiras e o resultado foi… igual. Estará então Einstein errado, ou a sua mensagem terá um significado mais profundo? Um significado que realmente ultrapasse padrões que mantêm/alteram as consequências no Mundo físico? A resposta estará no tal fazer o que ainda não foi feito. Perceber realmente as reacções do treinador e jogadores do Braga quando se focam no escapista daydream de ganharem a Liga. E se para o fazerem terão que ser, de uma vez por todas, superiores aos grandes, quais são as reacções e sentimentos baixos que esses jogos lhes provocam? Qual é a ilusão que os faz terem comportamentos diferentes de outras partidas onde o não posso/não consigo não os afecta. Haverá mesmo um monstro debaixo da cama onde dorme o Braga? Ou esse monstro é pura ilusão? Resta a Abel acender as luzes e ir lá espreitar. Recriar cenários e perceber que reacções impedem a equipa de se divertir a trazer a sua ideia à realidade nestes jogos, ou ainda o que a impede de chegar ao último terço e finalizar como se o quisesse mesmo. Ver essas reacções (porque elas estão lá, ó se estão!) perceber a ilusão por detrás das mesmas e transcedê-las, acendendo a luz e percebendo que o monstro dos grandes não é diferente do urso do peluche dos pequenos. O gap está na mente, e trazer a ideia que ainda não foi usada, que ainda não está cá, é diferente do que cortar/colar uma mil vezes repassada e que, mesmo tendo sucesso, só seria um remendo temporário e por isso mesmo sem a continuidade necessária para o Braga manter o excelente estatuto que já conquistou pela força do trabalho e ideia nova de Abel.

Já dizia Dave Chappelle que às vezes uma ideia lhe toca à campainha de casa e que o arrasta para dentro de um carro onde não será ele o condutor. Muitas das vezes, a ideia tranca-o no porta-bagagens e não o deixa ver onde será o destino. À boleia da ideia lhe surgiram os seus melhores trabalhos. Ao invés, quando quis fazer algo só para fazer, para ser campeão de algo,sem a boleia da ideia, que vem sabe-se lá de onde, o resultado foi sempre medíocre. Daí até percebermos qual ideia usou Abel no Dragão, não será preciso muito. E até podia ter ganho, ou saído vivo da 1.ª mão, que o lasting value da mesma pouco se compadeceria com os reais objectivos do seu Braga.

6 Comentários

  1. Que maravilha de artigo, parabéns Laudrup! Pode não ser o texto-tipo da maioria dos leitores: pela sua complexidade, subjectividade, procura de exercício mental por parte do leitor, no entanto a qualidade é imensa.

    Parabéns pela qualidade do conteúdo, pela forma de passar para o papel (ahah!) as ideias que tens em mente. Por falares do Jogo de Futebol, com um toque literário e reflectivo diferenciado!

  2. Que maravilha de artigo, parabéns Laudrup! Pode não ser o texto-tipo da maioria dos leitores: pela sua complexidade, subjectividade, procura de exercício mental por parte do leitor, no entanto a qualidade é imensa.

    Parabéns pela qualidade do conteúdo, pela forma de passar para o papel (ahah!) as ideias que tens em mente. Por falares do Jogo de Futebol, com um toque literário e reflectivo diferenciado!

  3. Boas Laudrup.

    É o primeiro comentário que faço no LE apesar de vos ler desde há 3/4 anos. E em relação a este queria apenas dizer uma coisa: Brilhante.

    Obrigado por textos como este.

    A simbiose que existe entre este tipo de textos e outros mais técnicos, com vídeos explicativos como os do Pedro Bouças, é que fazem do Lateral Esquerdo a maior referência futebolística da blogoesfera.

    Grande abraço,
    Luís Almeida

  4. Tropecei neste texto agora e nao posso sair daqui sem deixar os meus agradecimentos por este faboloso texto. Num tempo onde a mediocridade reina encontrar este tesouros dao alento a alma, obrigada por isso!

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