Simbiose: Ideia do TREINADOR – Qualidades dos JOGADORES (Parte I)

Há a qualidade do jogador e há as qualidades do jogador.

Há princípios, que orientam a equipa, e há características dos jogadores.

A adaptação (que é um processo complexo) da ideia do treinador aos jogadores, e vice-versa, pretende-se que seja uma simbiose… todos saem a ganhar.

Estará nesta simbiose aquilo que mais interfere na forma como determinada equipa joga. Por um lado a capacidade do treinador convencer os seus jogadores a ligarem-se aos seus princípios por outro as características que os jogadores têm, que são sempre muito importantes, porque é no fundo o que dá imprevisibilidade e criatividade à forma de jogar. Poderíamos falar em centenas de exemplos de treinadores que não abdicam do que sentem (este SENTIR vem das entranhas) que é fundamental, mas vamos focar-nos no Pep Guardiola (tão pouco foi um acaso), recorrendo a entrevistas que foi dando ao longo dos anos, desde que assumiu o cargo de treinador do F.C.Barcelona.

Este processo, em que o treinador procura convencer os jogadores, necessita de uma certa abertura, de um deixar-se guiar por parte dos jogadores e de uma descoberta (por parte do treinador) daquilo que os jogadores podem dar. Só neste processo de descoberta mútua é que se poderá gerar uma crença que dará mais tempo e serenidade para que a equipa possa crescer, fazendo evoluir a própria ideia que se concretiza na forma como se joga.

Esta será a Parte I de III, onde a reflexão estará direccionada para o tema: a simbiose entre a ideia de treinador (princípios inegociáveis) e aquilo que são as características dos jogadores que irão determinar a dimensão mais micro (“estilo” de cada jogador) da forma de jogar, sem que o individual belisque aquilo que é a “dimensão macro” do jogo que o treinador sente como sendo o melhor caminho para ganhar. No fundo, é a forma como o treinador vive, vê e entende o jogo.

Quando o grande desafio é implementar uma ideia, para com ela se ganhar, nunca pode ser de qualquer maneira ou ganhar por ganhar. Tem sempre que haver algo que nos guia. Os valores que queremos construir e ver dentro das quatro linhas são o desafio, valores que vão além dos princípios de jogo, pois também se manifestam no carácter humano.

Percebe-se também que há uma infinidade de coisas que vão exigir da ideia determinadas soluções, para que a forma de jogar se manifeste fluída e para que possamos controlar o jogo em função daquilo que, não dependendo de nós, irá criar possíveis problemas. Uma dessas influências externas pode ser a permissividade dos árbitros. Esse “critério” irá interferir na forma como o jogo se desenrola e portanto a nossa equipa terá que ser preparada para lidar com isso e ainda assim impôr aquilo que nos caracteriza como equipa (os tais macro princípios que “viajam” com o treinador).

Cada país, cada campeonato têm o seu padrão de problemas e claro que isso deve ser tido em conta nas soluções/dinâmicas a criar para resolver esses mesmos problemas. Não me refiro ao que é específico de cada adversário, refiro-me antes àquilo que se manifesta com regularidade nos adversários que compõem a competição. Isto exige que o nosso jogar esteja preparado, para que, mais uma vez, sem termos que alterar o que somos na essência, nos possamos adaptar, de forma a encontrar os melhores caminhos que levam o jogo para o registo que melhor se enquadra com aquilo que somos enquanto equipa.

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Perceber que o “estilo” e “ganhar quase sempre”, podem caminhar juntos ou não. O que aproxima o estilo do triunfo uma grande quantidade de vezes (e que conduz ao número de títulos conquistados) é a qualidade dos jogadores. Porque quanto maior for a qualidade dos jogadores e a harmonia deles com a ideia de jogo do treinador, maior será a eficácia daquilo que são os detalhes e por isso maior será a possibilidade de ganhar títulos. Mas para se jogar de determinada forma não é necessário ter os melhores. Um estilo manifesta-se melhor ou se preferirem manifesta-se de forma mais harmoniosa e em menos tempo, com jogadores de determinadas características, isso sem dúvida, mas não necessariamente têm que ser os melhores para que determinado estilo surja numa equipa.

Se ganhar for exclusivamente o que nos guia, sem que haja uma forma, uma identidade que sustenta a procura da vitória, acabaremos por nos perder no caminho. A ideia tem que prevalecer e essencialmente tem que existir, porque quando perdermos (toca a todos) haverá sempre algo mais importante para nos manter no caminho certo.

Continua…

Sobre João Baptista 19 artigos
A paixão por Futebol conduziu-o até à FCDEF (Universidade do Porto), onde o Professor Vítor Frade viria a ser uma grande influência na busca constante da essência do jogo e do treino. Com passagens por FC Porto B, FC Porto (Dragon Force), Valadares Gaia FC (feminino), AD Sanjoanense e EF Hernâni Gonçalves, desde 2016 que se encontra na China, de momento num projecto de formação ao serviço do Zhichun FC. A página/o blog "Bola na Árvore" são reflexões de quem vai à procura da essência do jogo, da formação, do treino e da vida que se manifesta no futebol... na busca incessante vai-se aprendendo.

9 Comentários

  1. Já seguia o Bola na Árvore. Religiosamente. Fico feliz por ver aqui o João. E, já agora, não que seja importante, que grande, grande post. Parabéns.

  2. “Mas para se jogar de determinada forma não é necessário ter os melhores. Um estilo manifesta-se melhor ou se preferirem manifesta-se de forma mais harmoniosa e em menos tempo, com jogadores de determinadas características, isso sem dúvida, mas não necessariamente têm que ser os melhores para que determinado estilo surja numa equipa.”
    Completamente de acordo com isto. O que me faz ‘espécie’ é ver treinadores, principalmente na formação, a tentar copiar o estilo do Pep, ou do ‘seu’ Barcelona, sem sequer perceberem que o treino serve, acima de tudo, para que os jogadores percebam os princípios de jogo, que os saibam aplicar nos diversos momentos, que os exercícios sejam o mais parecido com o que irão encontrar ao domingo e que sejam dinâmicos para promover as qualidades individuais e por conseguinte recriar uma ideia colectiva de jogo.
    Infelizmente são poucos os treinadores que se auto analisam porque pensam que a ‘culpa’ do seu insucesso está sempre na falta de qualidade dos jogadores que dispõem. Esses acabarão sempre por ser um entrave à evolução do jogo porque não entendem a realidade onde estão inseridos e porque não reflectem sobre o processo, por muito bem que escrevam ou falem.
    Pep Guardiola é único na forma como vê e operacionaliza a sua ideia de jogo, assim como Sarri, Bielsa, Mourinho, etc.

    Abraço

    • A questão é o que se considera “insucesso” na formação. A fluidez do jogo muda consoante as características e o nível dos jogadores, não há dúvida nenhuma disso. Mas, na formação, tem que se mudar a mentalidade não só de quem treina, mas essencialmente de quem tem o pretensiosismo de avaliar as equipas, os jogadores e os treinadores pelos resultados.
      Um abraço

      • Exactamente. Se quem lidera um quadro técnico, seja essa pessoa um treinador ou um director, não tiver capacidade para perceber que o processo está a ser positivo, pese embora os resultados ainda não estejam a ser satisfatórios, então irá pelo caminho mais fácil que será despedir o treinador. Por isso considero ser importante colocar alguém competente nessa função para que ele também possa ser, de certa forma, uma referência, um farol principalmente para aqueles treinadores que aparecem cheios de pujança, com vontade de mostrar que também sabem formar ou treinar miúdos mas que, ou por falta desse mesmo suporte ou por não querer reflectir sobre aquilo que estão a fazer, acabam por saltar etapas, treinam miúdos de 10, 11, 12, 13 anos e por aí fora como se estivessem a treinar seniores. Depois espantamo-nos quando vemos determinados jogadores que nem uma contenção sabem fazer ou em que momento o devem fazer.
        Temos de saber onde estamos, com quem estamos e tentar trabalhar sempre que possível em equipa. Porque por exemplo, se se começar a trabalhar mal no escalão mais baixo então iremos gastar tempo para emendar ou corrigir determinados comportamentos, tempo esse que poderia ser usado para ajudar o jogador noutras valências.
        E existem, para além disso, outras situações em que podemos aferir se o ‘insucesso’ se deve ao treinador ou aos jogadores. Se eu faço um exercício com alguma complexidade e em que, ao fim de 20 minutos, não vislumbro da parte deles qualquer tipo de sucesso nos objectivos propostos, então terei que tentar perceber até que ponto exagerei ou não nos constrangimentos colocados no mesmo ou se terei que simplificar um pouco para que também eles sintam sucesso na tarefa proposta. É sempre difícil perceber onde está o ponto de equilíbrio mas se tivermos alguém que nos faça entender isso, então ficaremos mais capazes de prosseguir o caminho certo, não necessariamente o caminho 100% vitorioso.

        Abraço

  3. Nao se pode idealisar assim o treinador porque ele nao tem a sua ideia de jogo. Ele é simplesmente o implementador das tacticas e sobretudo das estrategias para ganhar.
    As Ideias do futebol existem por elas mesmos e nao pertencem ao treinador e nem às outras areas de conhecimento. As movimentaçoes e as posiçoes que podem ser repertoriadas num quadro nao traduzem o que é o futebol. As Ciencias Humanas nao explicam também as especifidades do futebol.

    A substancia do futebol vê-se no corpo do futebolista ; nao propriamente no corpo do futebolista mas do que emana dele: nas formas da dança com a bola e nas formas das trajetorias da bola. A ideia do futebol vem da forma que provém do corpo.

    E por causa disso que nao se pode falar de caracteristicas do jogador como de um simple executante. Em muitos desportos coletivos, a tactica principal é do treinador porque os seus jogadores sao executantes ; certo, ele tem preciso de executantes com uma grande tecnica. Nesses desportos pode-se falar da simbiose do treinador com as caracteristicas do jogador. No futebol existe tambem essa relaçao em varios aspectos mas a natureza verdadeira e profunda do futebol reside no jogador.

    Desta maneira, no futebol, o treinador serve os jogadores e tem-se que se respeitar esta ordem.
    Essa é a verdade do futebol.

    Tudo o resto sao tacticas e estrategias como todos os jogos; cada um deles com as suas variantes por causa das diferentes regras. Todos os jogos sao limitados pela quantificaçao de elenques possiveis mas o futebol é ilimitado graças às suas formas, criadoras de espaço, e à regra de fora dejogo que nunca limite o espaço no tempo. Quando existe um Mourinho que pensa controlar o futebol e as suas formas sublimes, o futebol sobrevive e reinventa-se, o que lhe permite contrariar o controlo desses estrategas.
    Enquanto que os Messis desta vida inventarao espaço do nada, todos os estrategas terao sempre dificuldades a parà-los. Alias, um dos grandes perigos no futebol moderno é de especialisar os jogadores ainda verdes e assim incapacitar a criatividade que, por exemplo, existe no futebol de rua. A minha esperança é que sempre haverà uma bola no cantinho, que a paixao nunca se perderà e lembro-me do nosso querido Joao Felix a contar os seus melhores momentos de futebol em sua casa com o seu irmao.
    E depois temos os treinadores que sao os amantes dessas formas e que querem sempre produzi-las sem deixar o adversario ter esse priviliegio. E para isso, eles inventam as melhores estrategias ofensivas. O Guardiola é o maior desses estrategas. Nestas entrevistas, adivinha-se o amor que ele tem aos jogadores . E nao é de espantar a admiraçao que ele espalha neste momento ao Bernardo Silva. Nao é por acaso que os treinadores de futebol sao quase sempre antigos jogadores porque eles conhecem a especifidade do futebol dentro do corpo.
    Mesmo assim, o Guardiola nao inventou uma ideia sobre o futebol e simplesmente serviu os jogadores, esses detentores da Ideia pura do Futebol, organisando uma teia para as formas sublimar-se na posse de bola.

    Pensar que o treinador tem uma ideia do jogo para que os jogadores interpretam da melhor maneira é falso porque ele so impulsiona essa ideia através os jogadores. Quanto aos principios sobre o jogo, elas provém do futebol. O treinador ,simplesmente, escolhe os melhores principios para os seus jogadores exprimir da melhor maneira o futebol; as estrategias ajudarao a vencer.
    Em resumo, o treinador tem que encontrar as estrategias adequadas para se proteger do adversario e estabelecer um modelo do jogar como uma secçao ritmica dentro da qual os melodistas e os acompanhantes se exprimem melhor.

    Em conclusao, nao hà simbiose entre o treinador e o jogador porque para sê-lo, a importancia do que eles trazem ao jogo tinha que ser mutua; como o treinador està numa servidao, a simbiose nao existe.

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