A Era do Proveito Próprio

Para proveito próprio, e antes do confronto com o Man Utd de José Mourinho, Maurizio Sarri ateou lenha para a fogueira com uma afirmação simpática. Disse o italiano que o United, jogador por jogador, era a equipa mais forte da Premier League. Ora, uma afirmação tão contundente, como surpreendente, teve que ter o condão de despertar alguma reacção em qualquer seguidor do fenómeno que é o futebol. Meses depois, Mourinho acerta a rescisão com os red devils e, para proveito próprio, o mundinho do comentário desportivo, descarrega total fúria no português, abolindo completamente (ou pelo menos quase completamente) a responsabilidade do plantel que Mou orientou durante duas épocas e meia. Mas, se voltarmos à afirmação de Sarri, é impossível que a reacção dos que passaram a batata quente a Mourinho não tenha sido de completa surpresa pela surpreendente convicção do italiano. Podem não o ter dito, podem não o ter defendido e usado, como de costume, para proveito próprio, mas não estou a ver ninguém, no seu perfeito juízo, a concordar com Sarri na sua tentativa de mind-game, indo ao encontro das crenças do plantel do adversário mas rebatendo as do seu líder, para gerar alguma confusão no adversário.



Seria óbvia, para todos, a distância que separa o nível que todos esperam do Manchester United e a qualidade actual de um plantel à qual todos os técnicos que lhe pegam têm de disfarçar estratégicamente. Ora, Ole Gunnar Solskjaer até começou bem, como aquelas novas relações em fase de lua-de-mel. Os padrões estão lá, e continuavam lá, mas, pura e simplesmente, numa relação nova ninguém vai desatar a mostrar o seu lado lunar. Ainda para mais, quando as vitórias ajudam, o parceiro parece até o príncipe encantado, ou a caridosa princesa, com que sempre se sonhou. Mas, sublinho, os padrões continuam lá. E à medida que se vão apercebendo dos defeitos de cada um, o comportamento ajusta-se, ajusta-se até não se poder mais forçando ao culminar, à última gota no copo de água, e à primeira discussão (de muitas outras que se seguirão).



Não me entendam mal. Esse é o tipo de coisa que é tudo menos nociva. O choque de reacções é algo normal e, num Mundo onde o livre-arbítrio impera, a discussão sobre a visão de cada um deve ser vista como algo normal e, até, saudável. Só assim – só vendo e absorvendo a reacção às diferenças de cada um elas poderão ser resolvidas. E, no caso do Man Utd, nós, que estamos de fora, devemos perceber que Ole Gunnar Solskjaer não tem, nem nunca teve uma ideia do plantel que tem à disposição, muito diferente daquela que José Mourinho tinha. E mais não se disse sobre isso antes porque o mundinho do comentário muda a sua agulha conforme o sabor do vento e conforme a ideia que lhe importa defender, assim como a bandeira está sempre voltada para o lado da vitória. Vitórias e derrotas dos outros que, no tal mundinho são aproveitadas para promoção própria e para o cultivar da imagem de intelectuais ou, pelo menos, sabedores do assunto. Mas, adiante, mais não se disse sobre a falta de qualidade do plantel do United (gritante e evidente para quem não tivesse uma agenda) porque o viajar ao sabor das vitórias e a crítica a um Golias do futebol ajuda, e de que maneira, à tal imagem que os paineleiros (e aprendizes de) querem cultivar.

Na 2.ª metade o City conseguiu atrair o United para fora da sua zona de conforto e criar soluções para os seus avançados aparecerem soltos ou no um-para-um. O golo de Bernardo Silva (0-1 54′) é o exemplo perfeito



Mas quem tivesse (realmente) atento sabe que Solskjaer ajustou. Que do jogo baseado no último terço com combinações ao 1.º toque dentro da área contra os Palace e Hove-Albion (que realmente foi uma evolução comparativamente ao passado recente) se passou para um jogo mais de expectativa baseado no erro do adversário contra os Spurs e os Liverpool. Nada de mal aqui, apenas ajustes estratégicos que até levaram o Baby-face Killer a algumas vitórias importantes (como aquela no Parque dos Príncipes) mas o padrão, lembramos, estava lá. E Solskjaer ajustava porque sabia que tinha de esconder debilidades e aproveitar pontos de vantagem (pace, pace, pace) que o plantel, que carrega o peso de ter que viver com o sucesso da Classe de 92′, tem.

Com a vantagem no placard sucederam-se algumas situações de transição que se somam àquelas que o City já havia forçado antes com uma excelente reacção à perda



E, ontem, quarta-feira, observando um United-City que segue na já longa linha de derrotas sucessivas dos red devils, já ninguém conseguirá esconder que o plantel tem que ter algum ponto de desvantagem para que técnicos reputados (e bem mais sabidos do que alguns que os criticam para promoção própria) continuem a ajustar o seu plano de modo a esconder deficiências na criação, na definição, na conclusão. E na longa linha de ajustes, ontem, coube a Pep Guardiola defrontar um United que, jogando no Teatro dos Sonhos, tornou a brindar os seus adeptos com um 5x3x2 completamente desfazado da histórica realidade do clube. E se o City até entrou algo nervoso e não conseguiu logo aquilo que o caracteriza, sobrou-lhe tempo para se encontrar e, até, para tentar a importante vitória de duas maneiras. Se não lhe convinha totalmente que o United se encostasse a De Gea para marcar, tirava partido disse para colocar o autocarro de Ole a 80 metros do golo. Mas, esperteza das espertezas, pôde até o City deixar, de quando em vez que o United subisse mais para tirar partido das suas deficiências na criação para poder explorar os espaços que uma transição concede e que são bastante diferentes daqueles que concede um amontoado, anárquico ou não, de jogadores ao pé da sua área.

Lingard mostra o seu desajuste na definição ao falhar uma clamorosa chance de empatar a partida



De modo que é sem surpresa que as definições de Bernardo e de Sane (e até a de Agüero que esbarrou no poste) contrastem totalmente com as três chegadas à área de Rashford (uma) e Lingard (duas) à área dos cityzens. E essas fugiram dos resumos porque são só isso mesmo: chegadas à área. Noutros pés seriam algo de nocivo às expectativas de Pep, mas nos pés de quem joga bem ganhando e não se levanta, nem se assume, perdendo (cof… Pogba… cof!) fica difícil aparecer sequer nos highlights. Talvez seja tempo de a board do United perceber que as expectativas que os jogadores têm deles próprios não correspondem à realidade, e que os ajustes que José Mourinho e Solskjaer foram fazendo não reflectem na totalidade o seu real desejo para o jogo da equipa. E se em 2004 era fácil chegar a Londres e com uma centena de milhões renovar um equipa, hoje, com essa centena, compra-se um jogador que chegou para liderar mas que, afinal, não tem espaço na sua mente para a grandeza do United – ela que está demasiado ocupada com uma expectativa demasiado egocêntrica para se comprometer com projectos que o forcem a arcar com responsabilidades. E este é só um problema.

Manchester United-Manchester City, 0-2 (Bernardo Silva 54′ e Leroy Sané 66′)

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