Vamos lá revolucionar o Brasileirão, por Jorge Jesus

Quem segue o Lateral Esquerdo desde os primórdios recordar-se-à do eterno encanto pelo treinador português. No início do blog ainda em trânsito para Braga.

Jorge Jesus esteve dez anos à frente do seu tempo na Liga portuguesa. Enquanto todas as equipas continuavam a ser amontoados de individualidades, como é o Brasileirão na actualidade, as equipas de Jorge Jesus, já eram equipas!

Defendiam com base em comportamentos zonais, fechavam espaços de entrada em zonas de criação, convidavam adversários a sair pelos corredores laterais para ai apertarem, trocarem controlo por pressão e roubarem bola, posicionavam-se altas sem consentir bolas nas costas, porque as suas últimas linhas estavam trabalhadas ao mais ínfimo detalhe, sabendo sempre os momentos para subir ou descer.

Ninguém via tão à frente o jogo, com base naquilo que é COLECTIVO. Curioso que ainda no passado fim de semana, no Fórum do Lateral Esquerdo um seu ex jogador voltou a referir o que no fundo todos afirmam: Estava muito à frente e foi quem ensinou a defender.

E ensinou não apenas os seus jogadores, mas com o tempo todo o Portugal. Os mais novos não se recordarão do que era tacticamente o campeonato português, e até a maioria dos Europeus há uma década atrás. Foi aprendendo e até copiando as ideias de Jorge Jesus que se cresceu em Portugal. Mas não apenas em Portugal! Recordo um episódio em que um assistente de Jorge Sampaoli, na altura no campeonato espanhol me solicitou videos de como defendiam as equipas de Jesus.

Hoje há a possibilidade de Jorge Jesus chegar a um campeonato que está tacticamente onde estava o português e outros europeus há quinze anos atrás, e a expectativa será a de que se possa finalmente assistir a um crescimento do jogo no Brasil, para que tamanho talento possa finalmente ser enquadrado em ideias comuns.

Devo porém, confessar o meu muito cepticismo, sobre uma possível revolução no Brasileirão.

O “sucesso” deste blog deu-me a possibilidade de trocar ideias com alguns treinadores no Brasileirão, e outras pessoas que estudam e procuram a evolução. O atraso táctico latente dos campeonatos brasileiros (ausência de bons princípios colectivos defensivos e ofensivos, expresso no muito espaço para jogar, e no não aproveitar ofensivamente desses espaços que não no recorrer ao talento individual), tem hoje muito mais a ver com os hábitos e “vícios” que os jogadores trazem da base, do que propriamente com falta de conhecimento de vários (não todos, nem lá perto!) dos profissionais. Por mais que se pretenda fazer diferente, a questão cultural só é passível de ser alterada se vier desde muito cedo! Desde a formação do jogador.

Na chegada ao profissionalismo poucos estarão disponíveis para alterar as suas dinâmicas para um jogo que os obrigue a pensar! E a mover-se com base num pensamento comum. A depender uns dos outros. A correr para fechar espaços e não somente para ir cortar uma bola, ou acelerar em posse com ela.

Céptico me confesso. O jogador brasileiro não está preparado para naquele belo clima tropical dar o passo seguinte, que sempre dá quando chega à Europa. A qualidade do revolucionário português, é porém, indiscutível, e é deveras curioso ouvir criticas ao treinador português provenientes de quem nem sabe o que é uma linha e como estas se devem organizar.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

4 Comentários

  1. Discordo. Já trabalhei na base de equipes brasileiras e, taticamente, são mais bem trabalhadas que as equipes profissionais. É que os jogadores que hoje estão jogando, foram formados a anos atrás, que esse atraso ainda era latente. Mas a próxima geração já virá com mais conceitos táticos.

  2. Ainda ontem comentava em casa mais ou menos o teor deste texto. E também acho que nesta fase do JJ talvez faça muito sentido treinar o Flamengo. Sou um pouco como o JJ em relação ao Brasileirão: sempre gostei de acompanhar. Só nos últimos anos deixei de o fazer por não ter acesso aos jogos. Agora, no Brasil não há tempo para treinar – calendário infernal ao longo de 11/12 meses e não 9 ou 10 -, não há paciência para olhar para o trabalho dos treinadores com profundidade e também não há qualquer cuidado a este nível de uma imprensa desportiva bem activa e mais ou menos desinformada (os jornalistas brasileiros continuam a pensar que o futebol que eles vêem é dos melhores do mundo e não é nada disso) e dos impacientes adeptos. É um contexto de curto prazo o que não facilita o trabalho de ninguém.

  3. Os jogadores, os dirigentes, os jornalistas, a opinião pública… se ele for de facto para lá tem muitas barreiras para derrubar e o estilo dele de comunicar e de criar casos ou cai em graça ou é mais outra barreira de monta.
    Se conseguir vingar lá, será um grande feito.
    Mas acima de tudo lamento que ele não se tenha reinventado e evoluido cá quando esteve em alta, na tal lógica do modelo adaptativo – isso e não ter sabido apostar/criar relação com o Bernardo Silva e com a formação do Benfica em geral quando teve o pássaro na mão e espetou-se em conf de imprensa a dizer que teriam de nascer 10 vezes… ai ai…

  4. Amigo, vou te explicar como está o futebol brasileiro atualmente, você está carregando um pouco uma ideia estereotipada do futebol daqui, mais precisamente quanto ao nível do atraso tático do campeonato. Ele existe sim, é verdade, mas não é de 15 anos nem de longe. O Barcelona de Guardiola revolucionou o futebol do mundo inteiro, começando pela Europa e se espalhando pelo mundo, e isso ocorreu entre 2010 e 2012, em 2013 o futebol alemão já tinha uma resposta para essa mudança.

    No futebol brasileiro essa resposta ainda não está totalmente difundida, ainda existem treinadores com emprego só pq foram vencedores no passado, mas que ainda estão atrasados (Abel Braga, antecessor do JJ por ex.). Por outro lado, vários se modernizaram, alguns desses treinam na série A, posso citar Diniz, Renato, Róger Machado, Thiago Nunes, Rogério Ceni, veio o Sampaoli de fora. Na base, que geralmente conta com treinadores mais novos em idade, isso é ainda mais difundido, pq tiveram seu aprendizado já nesse ambiente de evolução.

    O que falta no Brasil é transformar essa modernidade em excelência. Não adianta só saber o que quer fazer, tem que saber como fazer, ter o ambiente propício para isso (no Brasil o calendário é um entrave). A Premier League só começou a concorrer de fato com a La Liga depois que vieram Klopp, Guardiola, Pochetino, dentre outros nome modernos e consagrados. Mesmo tendo mais jogadores de qualidade tecnicamente, eram frequentemente superados na Champions e também na Europa League. Wenger é um exemplo de alguém que tinha dinheiro, tinha a visão do que fazer, mas não conseguiu implementar. O Brasil precisa cada vez mais trazer treinadores e profissionais de excelência no futebol, para substituir completamente o atraso de uma vez por todas.

    Eu espero que Jesus faça um grande trabalho e contribua para um futebol mais profissional no Flamengo, com mais ênfase na tática, nos movimentos e nos detalhes do jogo. O time espaçado do Abel tende a ser consertado. Acredito que ele é excelente em quase tudo, só não vejo ele tão bom no jogo combinado, toque de bola, usa muita bola longa quando pressionado, ao menos é minha interpretação do que vi. No geral Espero uma melhora do Flamengo que já tem o melhor elenco junto com Palmeiras, e tende a melhorar sua equipe, mas não vai atropelar todo mundo, pq esse cenário que vc vê de 15 anos de atraso não existe mais em quase nenhum lugar do mundo, até mesmo no Brasil onde o futebol jogado taticamente é realmente fraco, mas sim mudou depois de Guardiola.

    Abraço

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