Everything you can do, I can do better II

Sabemo-lo e não nos coíbimos de o dizer, o futebol é transcendência, ideia que dá um salto sobre outra, e esta versão do everything you can do I can do better contrasta em absoluto com a primeira, usada em Março passado aquando da visita do SL Benfica ao Estádio do Dragão. Ora, se dessa vez a tranquilidade do Benfica em explorar os espaços deixados por um FC Porto de faca nos dentes a atacar o maior rival em sua casa (o que lhe tirou discernimento para aproveitar de forma inteligente o caudal ofensivo) desta vez nao faria sentido arranjar-se outro título para o que se passou, neste último sábado, no Estádio da Luz. E se Sérgio Conceição, pelo seu disparo vocal incisivo havia transcendido o fake it til you make it de Rui Vitória (lembrando as batalhas verbais e o estilo de comunicação dos dois, em que Sérgio amealhou pontos por admitir muito e pouco esconder), Bruno Lage, na época passada, havia dado um salto quântico em relaçao ao mesmo Conceição, optando por um estilo guerreiro da paz e por uma tranquilidade que se estendeu à equipa numa visita onde os medos encarnados saem do baú para assolar as águias. Com isto tudo, alguma vez alguém imaginaria um cenário onde Sérgio Conceiçao, um enfant terrible, pudesse responder na mesma moeda e ser o espectador mais tranquilo em pleno Estádio da Luz?

Good Evening, Vietnam! 

Sim, Sérgio adora o cheiro a napalm pelo entardecer (surreais as declaraçoes de Inácio corroboradas por Lage), mas, desta feita, soube conter-se e dar a outra face, para que o jogo pudesse dar mais a uma equipa que, poucas vezes, neste acontecimento que é o clássico, se mostrou tão tranquila e bem direccionada como desta – em que soube atrair o Benfica para a sua teia para depois o deglutir com um misto de temporização e aceleração impossível de travar por uma águia que esperava a repetiçao infinita do normal jogo da Luz. Pois bem, este é tudo menos um jogo normal. E sendo um clássico, já sabemos, o perigo pode muito bem vir de erros que se escondem noutros jogos. E um deles são as perdas, muitas vezes surreais, das bolas no meio-campo defensivo. Isto porque em contagens de montanhas inferiores (chamemos-lhes assim) a reverência dada aos grandes contribui para que se pense que temos as melhores equipas do Universo e arredores. Mas quando a coisa aperta… uma de duas coisas acontecem: ou se insiste na saída limpa ou se viram charutos para a frente – o que tem contribuído para a falta de qualidade deste nosso tao amado certame que é um Benfica-Porto ou vice-versa.

Foi assim que tudo começou no Dragao, foi assim que tudo acabou na Luz. Mesmo sem o posicionamento ideal, a passada larga de Uribe e a agressividade no duelo impedem o Benfica de procurar a soluçao entre-linhas



Porém, nesta 3.ª jornada da Liga, o FC Porto soube jogar com isso. Arriscou a saída várias vezes, quando sentiu ser caso disso, e afastou quando achou necessário fazê-lo, não caíndo na tentaçao de achar que do outro lado estava um Paços de Ferreira desta vida que, com todo o respeito, não pode causar a mesma mossa no Benfica que um FC Porto. Ainda para mais um Porto em cima de uma mostra sobrenatural entre tranquilidade e belicismo. E foi essa nuance, tal qual camuflagem, que permitiu aos dragoes, esconderem as suas debilidades e levarem o jogo para onde as suas valências podem melhor ser exploradas.

Luis Rodriguez e Hector Uribe

Da Colômbia, sabemos também, vem sempre bom produto. E que jeitão dá ao FC Porto saber que pode dormir descansado com as idas de Herrera e de Brahimi para outras paragens, sabendo também (para ajudar ainda mais ao conforto) que, muito provavelmente, Luis Diaz e Matheus Uribe nao não precisarão de duas a três épocas para chegarem àquilo que deles se espera. É que sobre uma equipa de remendos ganhou-se um estilo que não perde na imagem de marca e que, segundo a nova versão com mais temporizaçao elaborada por Sérgio, pode muito bem fazer sobressair estes dois para um patamar acima. Pelo menos, essas foram as sensações deixadas pelos dois cafeteros, sendo que para encontrar um deles foi preciso deixar de seguir a bola. Ok, Uribe foi gigante (e lembrou mesmo Herrera) na disponibilidade e passada larga com que chega ao duelo. Contudo, o plano era não desfazer o duplo-pivot para que o Benfica nao pudesse ir à ala, alargando o espaço entre-linhas para o usar, como em março, onde feriu por aí, várias vezes o FC Porto.

Foi usando o meio-campo que o FC Porto controlou os interiores (extremos no papel do Benfica). Danilo e Uribe à espera da presa para um dos dois ganhar o duelo e a partir daí iniciar construçao paciente ou acelerada, mediante as circunstancias. Foram também vários os erros resultantes da saída-de-bola encarnada, que geraram perdas no meio-campo defensivo



E nao entrando a bola aí (Danilo também esteve imperial) o Benfica viu gorado o seu plano – diminuíndo Rafa e Pizzi para patamares vulgares e humanos – enquanto via o FC Porto fazer uso das bolas ganhas nesse espaço, para ir virando o jogo a seu favor. Daí ganhou superioridade moral para ter bola, imprimindo-lhe velocidade ou desacelerando para gerir – o que contrasta com a habitual escolha inevitável pela velocidade furiosa que faz mais mossa do que espectáculo. Já o Benfica, partiu de uma ideia mental desfazada da realidade e deixou-se contagiar pelas ridículas expectativas da sua massa associativa que esperou não ter um adversário em campo mas um fantoche. Daí que tenha batido à porta sempre da mesma maneira, quase que implorando ao Universo para lhe mudar as circunstâncias sem que se redimisse e mudasse os actos. Para este jogo pedia-se a bola, o controle e a paciencia que a expectativa de ganhar por cinco ou seis nunca dará. Só assim se desposicionaria um FC Porto muitíssimo bem preparado para um Benfica sedento em transformar todas as equipas da Liga em Paços de Ferreira (mais uma vez, desculpem pacences mas a proximidade entre os dois jogos caseiros do Benfica justifica que seja o Paços e nao outro a ser usado como exemplo), um Benfica, dizia, que quer replicar a hegemonia portista de outros anos, mas que se esquece que o FC Porto nao é o Benfica do final da época de 90. E reduzi-lo a essa condiçao antes de a bola rolar, é dar-lhe a força de vontade necessária a arranjar solução para a colónia controlar o coloniador.

 Agora será ver a dualidade vitória-derrota a toldar as mentes contra Bruno Lage (que, inteligente como é, encontrará outra versao para suprir as perdas de Jonas e Félix) como aquelas que se toldaram contra Sérgio Conceição depois do desaire frente ao Krasnodar. A anti-misericórdia do futebol não dá espaço a derrota nem a transcendencia, mas, curiosamente, Benfica e FC Porto sao dois exemplos de como uma rivalidade pode fazer crescer dois clubes. A noção disso (vide Messi-Ronaldo) pode dar a misericórdia suficiente aos adeptos para perceberem que as oportunidades nunca acabarão e que uma qualquer vitória ou goleada sobre um rival nao é algo definitivo (como nada neste Mundo). E é essa falta de noção que tem tornado algo fantástico e transcendente num espectáculo deprimente em que pessoas que não tem a mínima ideia do que é o jogo (se é que alguém tem noção completa do que é um jogo de futebol) possam acusar este e aquele de incompetência. Digam um (só um!) que consiga ter no físico tudo aquilo que tem na mente. E antes que digam Ronaldo, até ele gostaria de ter dez Bolas d’Ouro e nao cinco. Nada é perfeito. Lidemos com isso.

3 Comentários

  1. Sr. Laudrup, avançadas as nuanças técnicas (erros individuais dos nossos jogadores) e tácticas que caracterizaram o clássico (méritos de S. Conceição), aspectos que tanto o Sr. Laudrup como o Sr. Maldini explicam nas análises que fizeram do jogo, resta-nos aguardar que a equipa dê uma resposta já no próximo jogo. Esta derrota doeu muito, e pela minha parte faço «mea culpa» por achar que se trataria de uma vitória quase garantida. Afinal não estamos tão à frente como pensávamos. Pior, em cima da derrota que o Porto nos infligiu temos de ver o Sporting no topo da classificação, Sporting que apesar de mole e amiúde incapaz lidera o campeonato e é (verdade seja dita) o detentor da taça de Portugal e da taça da Liga.

    Enfim, é esperar por melhores dias.
    Parabéns ao Porto pela demonstração de força que nos vergou a uma derrota no nosso estádio e parabéns ao Sporting por vencer a maioria dos títulos e por liderar o campeonato.

    Saudações benfiquistas.

  2. “Já o Benfica, partiu de uma ideia mental desfazada da realidade e deixou-se contagiar pelas ridículas expectativas da sua massa associativa que esperou não ter um adversário em campo mas um fantoche”.

    Touché.

  3. Sinto Lage a entrar numa zona parecida com a que RVitoria entrou quando as coisas começaram a não correr bem.
    A incapacidade de inovar e surpreender com um plantel tão rico, a insistência no cada vez mais perdulário e estéril Seferovic, a fraca resposta à ausência de Gabriel que na minha opinião devia claramente ter sido substituído por Chiquinho, dotando o meio campo da criatividade de que está órfão e menos dependente de Pizzi e Rafa.
    Acima de tudo a previsibilidade das escolhas para o 11 e para as substituições.
    Tudo isto se assemelha muito à uma espécie de perda do tal toque de Midas que Lage trazia consigo e talvez não fosse pior ser um pouco menos exaustivo nas explicações do que quer da equipa em cada jogo, porque embora seja importante é uma lufada de ar fresco para o futeb português, não deixa de ser verdade que em principio, tambem no futebol, o segredo “ainda” é a alma do negócio.
    Que faça deste jogo uma grande e proveitosa lição.

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