Apanha-me se puderes

Ponto prévio: Num Mundo perfeito, onde a equidade faria desaparecer o síndrome superior/inferior, invocar raças para perpretar esse mesmo síndrome seria considerado impraticável. Por ser estúpido e por ser mera ilusão (a superioridade de alguém em relação a outrém pelas suas características físicas) ninguém o faria. Ora, o que faz com que neste Mundo certas pessoas usem palavras – sem nenhum valor intrínseco a não ser a ilusão de que alguém pode ser superior a outro – para provocar reações? Todos sabemos, por experiência própria, que quanto mais reagirmos mais perpétuamos um problema. Reagir a um problema pode ter, sim, a vantagem de fazer com que as restantes pessoas acordem para a existência desse mesmo problema (como Marega fez ontem). Mas, acreditem, essa mesma reação não o solucionará. Porque mesmo que impeçam todo e qualquer racista de entrar num estádio, enquanto uma enorme franja da população tiver no seu sentido de identidade essa ilusão de superioridade/inferioridade com base em algo físico esse problema subsistirá.

Este é um problema global que consiste em abordagens e tentativas de provocar reações. E enquanto reagirmos o problema não se solucionará. Como português a viver no Reino Unido e com características físicas bem distintas da maioria dos britânicos, acreditem, sei bem do que falo. E recuso-me, por mais que me digam ‘go home’ ou me chamem ‘terrorista’ (a sério?), recuso-me, dizia, a achar-me inferior ou superior. Olho, rio e se for preciso como a banana porque nada do que vocês pensem faz de mim um macaco. Ainda mais, palavras ao vento que só têm o valor que eu lhes dê, não merecem muito da minha atenção. É difícil não reagir, mas é fácil sabermos e sentirmos que nada neste Mundo pode beliscar a nossa verdadeira identidade – ainda que alguém, erradamente, ache o contrário.

Gverreiros do AMORim

Com o Minho a intrometer-se na corrida pela liderança, Sporting de Braga e Vitória Sport Clube mostraram porque o futebol em Portugal está longe de ser um cadáver inanimado. Contudo, tendo em conta os resultados, as análises tendem, neste fim-de-semana, a elevar um emblema minhoto em relação a outro. Sim, é certo, o Braga de Amorim tem feito aquilo nunca o foi (motto de Abel Ferreira e António Salvador) e na Luz não deixou de demonstrar que se encontra num momento competitivo notável. Sobreviveu até a uma abordagem táctica que permitiu ao Benfica uma exibição bem melhor do que aquilo que vem sendo hábito.

523 dos minhotos ofereceu muito espaço no miolo ao Benfica. Pressao a 3 nao condicionou como Amorim gostaria

De 523 em riste, os gverreiros nunca conseguiram verdadeiramente usar os três da frente para condicionar a saída de bola dos encarnados, e muito menos os dois do meio conseguiriam estancar uma subida de produção que foi levando bolas, atrás de bolas a testar os cinco da linha defensiva. Muita alta, essa linha, conseguiu inúmeros offsides que ainda assim não limparam a sensação de perigo iminente que rondou a baliza do Braga. Cordame esse que só não abanou porque o Benfica, inacreditavelmente, perdeu a sua veia mais eficaz. Rafa, Cervi e Vinicius foram uma sombra de si próprios no momento de finalização. Momento esse que, como bem sabemos, tinha segurado o Benfica numa liderança confortável algo ilusória.

namento dos bracarenses no miolo continuava a deixar dúvidas, enquanto Vinícius ia falhando oportunidades atrás de oportunidades

E isso leva-nos ao 2° capítulo da saga ‘Como ganhar ao Benfica’. As oportunidades, sabemos, aparecerão. Foi assim em quase todos os jogos da época. Equipa partida e muita gente pouco hábil no duelo, aposta que o jogo se jogará mais na área do adversário do que naquela que Vlachodimos mais pisa. E mesmo que assim não seja, um Carlos, um Luís Miguel, um Rafael, condicionarão a balança. Ainda para mais quando do outro lado não abundam eficácias e veias goleadores. Pois. Pelo menos até FC Porto e Braga aparecerem – que têm intérpretes que podem castigar as falhas encarnadas e mais, não se assustam facilmente com o momento. Nota aqui para Rúben Amorim que conseguiu transcender o maior handicap dos bracarenses frente a águias e dragões. No momento-chave o Braga, agora, factura. E isso, mais até do que o modelo, tem feito toda a diferença. Tende-se então a exagerar no realçar da estratégia e do modelo quando não percebemos bem como criar ou treinar a vibração competitiva e eficácia que decide jogos. A sensação que fica é que o momento anímico do Braga, aliado a uma estratégia diferente e competente, tem catapultado a equipa em algo parecido com o que fez Lage no ano passado. É que faz diferença, nos desenhos táticos que escolhemos, que os jogadores estejam ao seu mais alto nível e sem impossíveis na cabeça. Como se faz? Perguntem ao Rúben que eu não faço ideia, até porque não concebo um manual para este tipo de coisas.

Competencia na bola parada ofensiva é uma das imagens de marca do Braga – que já havia criado perigo através de um livre. Zona do Benfica fica mal na foto

Das tripas, Conceição

Fala-se, e falou-se, na antevisão deste Vitória-Porto, em sistemas e dinâmicas. Disse Sérgio que já é “cair em cliché” não importar o sistema mas sim as dinâmicas do mesmo. Discussão já velhinha e que atingiu o ponto mais alto da Torre dos Clérigos quando Paulo Fonseca trocou o vencedor triângulo invertido de Vítor Pereira por um duplo-pivot estático e sem profundidade. Na posição 8 passaram por lá Josué, Carlos Eduardo, Herrera enquanto Lucho penava, a ver a equipa partida em dois, na posição de segundo avançado. Sem sucesso, pela falta de dinâmica, soluções, proximidade e ligações, Fonseca deixou o lugar sem conseguir em momento algum ligar e engrenar a coisa. Só quando trocava, já em desespero, um defesa por um médio, a equipa parecia (e sublinhe-se parecia) ligar-se de novo. Não abdicou Paulo do duplo-pivot lado a lado, não abdicaram os adeptos de pedir mais e melhor numa equipa que contava com Helton, Danilo, Otamendi, Alex Sandro, Herrera, Fernando, Quaresma, Josué, Carlos Eduardo, Jackson…

Chegada à área de Sérgio Oliveira oferece outra soluçao ao FC Porto

Mais tarde foi Rui Vitória a não soltar o seu 8 e não recriar totalmente a (lá está) dinâmica do seu antecessor. Partida a equipa em 2, também na tabela lhe fugia o Sporting de JJ. O mais bem oleado Sporting de JJ, lembre-se. E foi quando Renato partiu o duplo-pivot- acrescentando mais uma solução de ligação no meio-campo ofensivo, chegada à área e partir de linhas por carregamento da bola, que o Benfica chegou ao nível exigido, acabando com pontuação recorde. E que tem isto a ver com Conceição e o seu Porto acusado de só ver profundidade?

Tem tudo. Ainda para mais quando a saída de Herrera tirou a Sérgio a possibilidade de sair do limbo dos duplos-pivots que falámos acima. Trouxe-se Uribe, é verdade. E durante meses a fio esperou-se a criatividade, meia distância e chegada à área que fez capas aquando da contratação mas que nunca apareceu. A solução, essa, estava em recordar a meia-volta de 2018 que levou os dragões aos Aliados. E nessa, com Danilo de fora, apareceu o menino 30 milhões, que parte finalmente o duplo-pivot e dá soluções que desde que Herrera rumou a Madrid não se viam.

Uribe perde incrivelmente o controle da bola e abre a via para o empate. Também Marcano, já perto do desfecho do lance, poderia ter feito diferente

Intensidade defensiva, recuperação alta, ligação mais próxima com avançados que, convenhamos, têm problemas em criar, meia-distância, chegada à área e, como se não bastasse, bola parada irrepreensível. É outro Sérgio o rosto de um novo FC Porto vitaminado pelos deslizes do líder. E em Guimarães foi ele a guiar a equipa para 16 minutos de controle absoluto que culminaram no golo e, mais importante, nos primeiros passes dos vitorianos no meio-campo ofensivo. E aí a capacidade de criação dos de Ivo Vieira é absolutamente ímpar. Fosse a capacidade de finalização do mesmo nível e Ivo não precisaria manifestar a sua frustração pontapeando tudo o que lhe aparecia à frente (para provavelmente acertar nos postes do banco, também).

Um extremo/avançado (neste caso Luis Diaz pensará sempre primeiro em nao entrar na área para defender do que o contrário. Hesitaçao do colombiano poderia ter valido o empate aos vimaranenses

Ainda assim o Vitória marcou – num lance que deixa Uribe com inveja de Danilo – e forçou o FC Porto àquela coisa de ter de lutar de igual para igual com outros minhotos (já não chegava o Braga). E o igual para igual do FC Porto já não fazia tanto dano como na forte entrada inicial. Daí que o igual-para-melhor tivesse de surgir naquela coisa que todos criticam mas que dá um jeitão em futebol. A malfadada profundidade e a horrível leitura irrepreensível de Marega a adivinhar os lances mais rápido do que todos os outros para ainda lhe juntar uma capacidade física impressionante e um volley sublime. Nada mal para um pesudo.

4 Comentários

  1. O texto está giro e na essência estou de acordo, tirando uma coisa ou outra, até onde posso concordar (porque não vi o jogo do FCP e por isso não tenho nada a dizer).

    Mas eu gostaria mesmo é de comentar os dois primeiros parágrafos, que na minha opinião azedam todo o texto. No outro dia começaste assim: “Sim, eu sei. Parece sempre um pouco larilas falar de amor.” Foda-se, nojento meu. Quem és tu para falar desta forma das pessoas LGBTI? Falar de amor, daquilo que gostamos ou de sensibilidade apurada é coisa de “larilas”, é coisa para ofender os outros? E agora isto!

    A sério que pretendes colocar-te na mesma situação histórica em que estão os negros em geral? A sério que pretendes comparar umas bocas na rua com uma estruturação da sociedade que te relega sempre ou quase sempre para os confins da oportunidade? A sério que achas que estes problemas analisam-se e resolvem-se fugindo ao anátema da acção-reacção? A sério que achas que atirar as realidades para debaixo do tapete vai resolver alguma coisa? Achas mesmo que desvalorizar o que aconteceu ontem – nem preciso de ver, já sei o que foi – é uma atitude consequente e ética?

    O que estás a fazer chama-se normalizar atitudes claramente ofensivas, mal paridas, que em alguns dos casos raiam o cometimento de crimes. Se achas que escrever bem é apenas construir um jogo de palavras mais ou menos coerente estás errado. Sinceramente não aprecio muito as tuas análises, ainda que já tenha gostado de uma ou outra publicação. Agora percebo melhor porquê.

    • Sim, Edson, eu vou parar de escrever até que toda a gente concorde comigo. É a solução. Eu sei que gostavas que tudo o que não corresponde à tua caixa mental deixasse de existir. É assim quando estamos totalmente toldados pela dualidade. Aliás, só o minimizar, e o sacudir a água do capote, que é ridicularizar a tensão que se vive neste momento no UK é boa mostra reveladora do que vieste aqui fazer. São só umas bocas na rua, não é? Ok.

      Hoje toda a gente é Marega para ficar do lado bom da história. Toda a gente foi Charlie há uns tempos. E hão-de ser outra coisa qualquer quando lhes convier. Da minha parte tento não reagir a ilusões e a manifestações de consciência baixas. Dar-lhes poder para afetar a vida das outras pessoas não está entre os meus ideais. Desculpa se isto te choca, mas podes sempre ignorar e seguir a tua vida. Sei que é difícil quando estamos viciados em reagir a tudo o que não achamos certo. Espero que ganhes todas as tuas batalhas e que ainda tenhas energia para desfrutares da vida.

      PS: Admito que larilas não foi a escolha mais acertada. Lamechas seria bem melhor, ainda que possa confessar que não sou um apaixonado pela vibração que é ser larilas – e muitos homossexuais também não. Percebes assim que não foi uma ofensa à preferência sexual ou é preciso um desenho?

    • Totalmente se acordo. A solução para um problema é não reagir? Ia ser lindo este mundo se nunca ninguem tivesse reagido as injustiças. Fez muito bem o Marega em lutar contra a idiotia da população e reagir.

  2. Acho que está se exacerbar um bocado a actual forma do Braga. Gosto de Braga como clube e instituição mas penso que os 5 jogos que ganhou contra os grandes tambem tiveram a sorte do jogo ( vejam os jogos do contra o Benfica e contra o Porto que até falhou 2 penalties ) e o próprio Amorim confessa. A equipa está melhor mas Amorim está longe de ter tido o impacto que o Lage teve no ano passado. Há sempre uma tendência de realçar as vitórias e menosprezar as derrotas

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