Pep: o rei da verticalidade

A mente é, ou pode ser, como um enorme campo para vacas sagradas. Em todas, inclusive a de quem vos escreve, elas ruminam livremente até que algo as meta em causa. Mas até que a liberdade desses dogmas, preconceitos, predefinições e opiniões enviesadas seja posta em causa será preciso reconhecermos que a espécie humana não é assim tão evoluída ao ponto de o tom mais utilizado num diálogo, sobre qualquer assunto, ser o de sobranceria e de ‘propriedade total’. Num exercício de extrema humildade poderíamos olhar para o Mundo que nos rodeia e assumir que se saber assim tanto, ou tudo isto, nos levou a este estado… então talvez a nossa energia fosse mais bem empregue a tentar saber mais e não a defender, com unhas e dentes, o que pensamos já saber.

Talvez um dos problemas seja mesmo o da quantidade excessiva de opiniões exteriores e generalizadas que, na maioria das vezes, não nos deixa encontrar a solução mais criativa para o nosso caso individual e específico. Somos uma espécie que se guia por opiniões exteriores e por líderes que generalizam leis castrando a criatividade individual ao impor uma série de generalizações para as massas serem mais fáceis de controlar – enquanto quem as cria faz de tudo para não as cumprir. E enquanto vamos consumindo as caixas mentais dos opinion makers, com a agenda de tornar a sua visão e o seu lado da história em hegemonia, as nossas vacas sagradas por lá continuam. Ruminando, ruminando, ruminando.

E é irónico que todas as histórias sejam tão complexas que ainda se ganhe a vida a tentar compartimentalizar vivências reduzido tudo a rótulos que nunca, por nunca, vão explicar mais nada do que a ideia que queremos validar. Foi o que a Europa fez com José Mourinho depois de, pela primeira vez, o terem olhado com atenção. Corria o 26 de maio de 2004 quando, finalmente, toda a Europa não o podia ignorar. Aí, não mais se podia ir seguindo resultados e saber das suas ações pela via de jornais ou websites. Esse era o jogo que toda a Europa veria. E esse foi o jogo que o FC Porto de Mourinho foi empurrado para trás, chegou lá à frente e marcou. O jogo em que foi novamente empurrado para trás e o jogo em que Mourinho decidiu que o domínio territorial era batalha para outros ganharem. Fechou e jogou no erro, marcando por mais duas vezes. Ganhou a sua primeira Champions vencendo a Final por 3-0. E aí ganhou também o rótulo de matreiro, calculista, defensivo, pragmático (o que quiserem) e do qual nunca mais se livrou. Quem se lembra sabe que esse rótulo não conta a história toda. Sabe que não conta metade sequer. Mas é a opinião generalizada e dominante. E a vaca lá continua a ruminar…

Um exercício que pode ser feito com qualquer um. Até com Pep Guardiola. Irritados com o domínio constante e supremacia incontestável do Pep Team seria tempo de criar rótulos. Tudo para não se meterem em causa algumas vacas sagradas, fabricou-se artificialmente a opinião de que o Barcelona era monocórdico e que mesmo utilizando a bola não era uma equipa ofensiva. No reino da dualidade a coisa foi mais longe e definiram-se direcções enviesadas para deturpar ainda mais a coisa. A verticalidade ficou guardada para os pragmáticos e a horizontalidade para os românticos que aborrecem plateias a jogar para o lado e para trás.

Pois bem, tirando o bombo que se tocava nas Distritais dos anos 80 e 90, não encontrarão equipa mais vertical e directa que o Barcelona de Pep Guardiola. Como se fosse possível marcar (e marcar tanto!) a jogar para o lado, a deturpação atingiu tal grau que o próprio Guardiola sentiu necessidade de demonstrar nojo perante o tiki-taka que lhe foi colado. Isto porque o FC Barcelona- que almeja ser consagrado como melhor equipa de sempre num campeonato inexistente, ilusório, patético e que nunca encontrará desfecho – o FC Barcelona de Pep, dizia, tinha como principal objectivo meter jogadores de frente para a baliza adversária. E com a elevada qualidade técnica de que dispunha conseguia, com relativa facilidade, encontrar espaços dos quais outros fogem (com medo de cederem transições) e fazer parecer fácil aquilo que outros tornam difícil por renunciarem a espaços que tornam mais simples marcar. A progressão vertical foi um dos maiores princípios e pilares de Pep Guardiola, sendo que a horizontalidade que tanto se criticou acontecia quando os adversários fechavam espaço, forçando os blaugrana a reterem a circulação por fora ou recomeçando a fase de construção mantendo o princípio de conservar a bola para acabar jogadas sem sofrer transições – mesmo que fosse a equipa que mais arriscava sofrê-las para chegar aos golos com mais facilidade. No jogo há um rácio de risco entre ganhar e perder que tem de ser corrido por querer inovar. Pep correu-o com distinção. Foi horizontal, foi vertical, foi pragmático, foi directo, foi elaborado. Foi, na maioria das vezes, aquilo que tinha de ser quando teve de o ser. E foi ainda muito mais do que podemos dizer dele. Ficaria curto. Deixemos isso para as vacas sagradas.

6 Comentários

  1. Há duas inverdades neste texto… Mas a 1º está correlacionada com os elogios da 2º, como tal não estranho.

    Ora bem, vamos então à 1º: o Mourinho não ganhou o “titulo” de pragmático, defensivo e calculista depois de vencer a Champions com o Porto mas sim anos mais tarde quando derrotou um Barcelona de Pep em pleno Camp Nou a jogar com 10 praticamente o jogo todo.

    E indo agora à 2º: Não se pode dizer que o Barcelona era uma equipa muito vertical tirando os jogos contra equipas que defendiam com muitos, não é? É que isso o que nos diz é que o Barcelona não era uma equipa vertical em mais de 90% dos jogos (então mas o Guardiola tem mérito nisso, as equipas tinham medo do seu Barcelona… Tinham pois… Mas com ele ou sem ele, a percentagem de equipas que jogariam com muita gente concentrada atrás ou não, não iria variar muito).

    • “A mente é, ou pode ser, como um enorme campo para vacas sagradas”
      em apenas dois ou três comentários teus que li, deu para ver que defendes as tuas com unhas e dentes 😉

      • Todas as pessoas defendem os seus ideais… Mas às vezes mudamos de ideias quanto a eles. O Guardiola é alguém que mudou de ideias em relação aos seus ideais, desde os tempos de Barcelona até hoje, já percebeu que mais vale fazer 3 passes em construção e deixar um jogador isolado, do que 20 numa basculação sem fim que resulta em nada.

    • É normal, não sou professor de português.

      Já agora… Foi só isso que te chateou no meu texto? Ou a argumentação para contrariar o que escrevi foi com a irmã Lúcia para a cova?

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