Casos de Corona (que o Porto não quer conter)

Valha-nos Jesus… Corona. Numa Liga que recentemente perdeu Brahimi, Militão, Herrera, João Félix e Jonas, a exigencia deveria ser contida. Ao invés, esperando-se a mesma bítola mas sem os mesmos intérpretes, e juntando-lhe uma pandemia que atirou os jogadores perto de três meses para fora dos relvados, o terreno fica fértil para tentativas de ilusionismo. Sim, Porto e Benfica estão muito abaixo do nível que deles se espera, mas juntando todos os factores esse era um cenário já esperado e compreensível. E, já agora, como é que ficar meses sem jogar iria melhorar alguma coisa?

Esse tem sido um erro recorrente neste retomar, o de esperar que erros cometidos pré-Covid, fossem milagrosamente solucionados depois de um forçado confinamento. Tal (falta de) lógica só se assemelharia a esperar rendimento top no… primeiro jogo de pré-época. Claro fica que se havia problemas, esses só foram hiperbolizados por um cenário forçado e remendado em cima do joelho. Assim, está mais que visto que não será com um campeonato por decidir, nestas condições, que o FC Porto iria resolver os problemas associativos entre a linha média e os dois avançados (sejam eles Zé Luís, Marega ou Soares). Como não seria com os jogadores claramente presos de movimentos que a melhor versão do sistema que Sérgio Conceição idealiza iria surgir – especialmente nestes primeiros jogos pós-retoma. Uma retoma que faz lembrar o sistema que o videojogo Pro Evolution Soccer utiliza para conferir realidade às condições físicas dos jogadores. As famosas setas de várias cores estão agora, na Liga Portuguesa, todas viradas para baixo e de cor azul-céu. O que no dialecto de uma tasca seria expressado com algo como: Estes gajos não se mexem!



É recorrente, hoje, neste futebol mais estudado e científico, esquecer a preponderância que a condição dos jogadores tem nos sistemas idealizados pelos treinadores. Assim, é comum que uma grande exibição seja hoje completamente associada ao plano, ideologia e modelo e esqueça totalmente que um jogador no máximo das suas capacidades (ou perto disso) faz potenciar muito mais um modelo, ou ideia, do que um jogador que esteve três meses sem jogar futebol ao mais alto nível. Esqueçam então as panaceias que um período deste género poderia trazer, porque são os jogadores que interpretam os modelos, e não as vontades, carregadas de ilusões, dos adeptos ou de certos analistas.

Por várias vezes o FC Porto mostrou-se em 451 na sua organização defensiva


Valha-nos então, Jesus… Corona. O melhor jogador da Liga marcou, de novo, um golo de se lhe tirar o chapéu e ofereceu lampejos que entreteram um jogo que nem Sérgio, nem José Gomes, queriam de risco. E se Gomes alterou para uma linha defensiva de 5 unidades, seria de esperar um Porto em cima da área maritimista, com os da ilha a tentarem conter o ímpeto. Mas esse seria o futebol pré-Covid, lembramos. Hoje, a linha de cinco maritimista deu mais jeito ao seu treinador quando, com bola, se desfazia e permitia iniciar a construção com três elementos. E Sérgio, avisado pela falta de condição física que foi evidente a partir de certa altura em Famalicão, concedeu aquilo que nunca concederia em condições normais. O que depois de um golo de bandeira que recolocava os dragões na liderança seria um forcing por marcar novamente e garantir maior tranquilidade, trocou-se por ver o Marítimo esticar o seu 352 no relvado e criar calafrios ao líder.


Não foram poucas as vezes que a linha defensiva foi apanhada em contra-pé (fosse por confusões entre Telles, Pepe e Marchesín, 8′, ou por maior rapidez de Maeda, 17′) o FC Porto teve tudo menos o pé assente num jogo que é, nestes estranhos tempos, cada vez mais imprevisível. Mas, ao invés de exigirmos sem nexo e com esquecimento das condições, seria sensato perceberem-se estes novos factores que nivelam cada vez mais jogos que, à partida, seriam mais do agrado do fanatismo. Fanatismo esse que só coloca a hipótese das setas vermelhas e viradas para cima do PES. Algo a menos é incompreensível. E como explicar isso a duas massas de adeptos que querem a mesmíssima coisa?

Valha-nos então Jesus… Corona e olhe-se, por exemplo, para Alex Telles. O dinamo da ala-esquerda portista, jogador mais influente e utilizado por Conceição, acaba o jogo prematuramente por expulsão, minutos antes de se deitar no chão assolado por cãibras. Antes disso tenta dinamizar o seu habitat com a energia habitual, mas o corpo falha e arrasta-se. É falta de atitude? É falta de querer? É falta de acreditar? Vai lá com um raspanete? Haja juizo, se fizerem favor, pois é de Alex Telles que estamos a falar, mas servirá para explicar a condição especial que o futebol (não só o português) vive de momento. É uma pré-época jogada a sério, onde o FC Porto defende em casa, várias vezes, num 451 (com Marega a fechar a ala direita) contra um Marítimo a querer ser protagonista em 352. Onde o plano antigo de sufocar e assaltar pelas costas simplesmente não é exequível. Onde os defeitos na exploração do jogo-interior e nas associações emperram ainda mais quando a bola chega aos dois avançados. Os defeitos notam-se mais e o terreno fica fértil para se avançarem soluções que nenhuns teriam coragem de fazer no lugar de Conceição. Será fácil dizer que com os que não estão lá o Porto jogaria melhor. Mas manda a razão não esperar melhor neste período. Só as agendas, o lirismo e a necessidade de validação exterior obrigam ao contrário. Ou tudo mudaria com Tomás, com os Fábios e o Vitinha? Wishful thinking que esquece condicionantes e exige mudanças de plano num período de tudo ou nada. Quantos dessa geração à qual visualizam futuro perfeito sobreviveriam se o FC Porto perder um campeonato para um Benfica que não se lembra de ganhar um jogo? Quais as consequências para quem os pede, e quais as consequências para Conceição e para os próprios? Com o dinheiro dos outros eu também sou um grande gestor.

Porto-Marítimo, 1-0 (Corona 6′)

1 Comentário

  1. É óbvio que os jogadores estão em má forma física, mas também é importante frisar que o S.Conceição não protege os jogadores desse aspeto ao jogar em 442. Toda a gente se desgata mais. Centrais, porque têm de fazer as dobras; defesas laterais porque são quem dá largura; médios centro, porque precisam de cobrir muito terreno… Além disso, ao usar 2 médios industriais implica que muita da progressão venha do médios laterais, desgastando-os também.

    Outra questão passa pela inflexibilidade na escolha do 11, insistindo em jogadores como Luis Diaz, Marega, Soares (muitas vezes), Manafá (muitas vezes) – jogadores altamente dependentes de forma física, fracos em termos técnicos e/ou em termos de decisão. Coisa que não parece acontecer nos sub-21, daí considerar algo redutor dizer que estes não resolveriam alguns dos problemas, sem grande necessidade de mexidas no sistema, especialmente considerando que o Porto já jogou 4231 esta época:

    – Baró: excelente de costas para a baliza a absorver pressão e soltar passe (especialmente curto). Não tem aquela síndrome de Otávio de dar 3 toques com a bola para fazer um passe que saía de primeira. Permitia a equipa manter a posse em vez de correr para a recuperar 30 m atrás;

    – Diogo Costa: em tudo melhor que o Marche menos entre os postes, permitia jogar a partir do guarda-redes, não sendo preciso recuar nenhum dos alas para ter superioridade numérica. Além disso possibilitava à defesa jogar 5 ou 6 m mais à frente, sendo mais fácil varrer bolas longas.

    – Vítor Ferreira: não tem o passe longo do S.Oliveira, mas quando já ninguém tem fôlego para explorar as costas, também não precisa. Muita progressão com bola, ala Sanches, que permitira jogar o extremo/médio ala mais perto da baliza.

    – Fábio Vieira: muito bom tecnicamente, chega bem à área vindo de trás e acima de tudo respeita as desmarcações dos colegas (contrariamente a extremos que esperam o overlap dos laterais, fazem três bicicletas, cortam para dentro e chutam por cima)

    – Fábio Silva: converte oportunidades contrariamente ao Tiquinho cuja diferença dos golos para o xG é -4. De todos é o que mais dificilmente poderá um contributo imediato.

    – Esteves: não há-de ser tão precipitado a defender ou tão mau a cruzar como o Manafá.

    Quanto a eventualmente perder o título, aproveito ainda para comentar que o Porto vai ter de sacrificar um campeonato num futuro próximo, para poder fazer crescer esta geração. Tem de se começar a pensar em eras, em vez de épocas individualmente e tem de se conceder que para qualquer equipa construir uma dinastia não se pode atacar todos os campeonatos sequencialmente.

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