Santa Clara meets São João

Montanhas-russas, batatas-quentes e plot-twists. Não restam dúvidas de que este, ou pelo menos a recta final deste, será o campeonato mais estranho de sempre. E se a história do toma lá-dá cá entre Benfica e FC Porto já se enraizou nesta retoma – e por isso já não surpreende ninguém – que tal alguém contar um dia que o FC Porto venceu o Boavista na noite de São João, passando assim para a frente do campeonato? Sim, 23 de junho é, ou era, tempo de silly-season e pausa de futebol de clubes. Quando muito, a Selecção lá dava o mote, mas algo assim nenhum portuense imaginou – ainda para mais com as ruas da Invicta tão vazias como as redes das balizas nos últimos jogos do FC Porto. Sim, o problema de Sérgio Conceição, sabemos, não passaria por mudar o paradigma que devolveu o clube a uma luta consistente com o Benfica (um campeonato ganho, outro perdido, outro por decidir). Isso, convenhamos, nunca viria a acontecer. Na mente de Sérgio, com o jogo de hoje a dar-lhe razão, seria o momento da finalização, o único a rectificar.

Envolvimento de Corona da esquerda para o meio é determinante no lance que abriu o marcador


E essa é uma conversa difícil. Tal como a chamada lotaria dos penáltis, esse é um momento que não encontra réplica no treino. Quantas e quantas histórias se leram e ouviram sobre o jogador que durante a semana não falhou uma cobrança e chegou à hora da verdade e mandou ao lado? Não há por isso cura conhecida, e universal, para tal mal. Mas, e desde início que assim é, esta era uma Liga decidida pela eficácia das duas equipas que mais oportunidades criam, que mais domínio têm e que mais confinam adversários ao seu meio-campo. E enquanto a coisa andou famosa para o Benfica, com Vinícius a emular o golo fácil e habitual de Jiménez, Jonas, Mitroglou, Félix, Cardozo e, até, Seferovic (melhor marcador da época passada) os planos eram refinados, e a estratégia era top, pura e simplesmente porque um golo a mais do que o adversário inibe a crítica. Já o vimos e continuaremos a ver: Equipa X não desenvolve, não cria, perde bolas, dando azo à crítica de quem comenta e analisa. Volta para o relvado na etapa complementar e consegue quatro golos – perfeito, excelente, incrível!

E se os golos fazem isto à opinião geral, imagine-se o que não farão aos jogadores. Este é um campeonato atípico, em que as debilidades se passaram a notar em duas equipas que apontaram, nas últimas épocas, ao record de pontos. E ainda nesta, o Benfica (mantendo a toada da primeira volta) poderia acabar com 96(!) pontos. A coisa é que os defeitos estavam lá, a dúvida é que não. Já o FC Porto, para tornar um cenário destes possível (uma ultrapassagem em noite de São João, depois de acabar o ano a sete pontos da liderança) sempre lutou com a habilidade (ou falta dela) dos seus dois avançados (três se juntarmos Zé Luís) para não só se envolverem nas ligações como em finalizações altamente desastradas ou decisões anteriores às mesmas que tirarão qualquer portista do sério.

Perda de bola do Boavista origina espaço para o quarto golo portista. Rapidez e talento na execução de Fábio Vieira encontra a velocidade imparável de Marega


Não está em causa, assim, o modelo, ideia, estratégia (ou coisa que o valha) de Sérgio. A imagem das tripas, Conceição não iria mudar agora, sendo que, ainda assim, são já vários os ajustes e tentativas de criar um jogo mais fluído, mais apoiado e rendilhado, principalmente em jogos deste género: Dragão; linha de cinco; adversário que não quer atacar. E hoje [terça-feira] de tudo isto tivemos um lamiré: desde a bola que Soares deixa passar pelo meio das pernas a um metro de fazer golo, ao tiro ao boneco de Marega ao guarda-redes adversário, e ao tal Porto mais apoiado e tricotado da 2ª metade. Prova disso mesmo será o lance que abre o activo e que permitiu aos portistas não se sentirem filhos de um deus menor na hora de olharem para o que criaram e para o que marcaram. Então foi assim: bola longa de Sérgio Oliveira a encontrar Manafá aberto na linha; apoio de Otávio e temporização entre os dois; Uribe mostra-se no meio e aproveita a chegada de Corona que encontra Marega (que desta vez acertou na baliza!). Nada mal para quem só lança charuto e ganha segundas bolas.

Saída de bola boavisteira criou a única situação dos axadrezados, encontrando espaço na meia-esquerda da pressão portista e lançando a profundidade do ponta-de-lança



Sim, dizíamos, Sérgio Conceição não pode ir em ilusões e panaceias oferecidas por vendedores de banha-de-cobra. Para ele as ligas ganham-se num equilíbrio constante entre oportunidades criadas pela sua equipa e pela não criação de oportunidades do adversário. Se o que ele idealiza para almejar esse equilíbrio é perfeito? Porventura não o será, mas quem manda para o ar não tem o lugar, a imagem, e a responsabilidade pelos resultados do seu clube de coração, em jogo. E se notaram, também eu sublinho a falta de eficácia e de envolvimento de Marega e de Soares (e de Zé Luís, não esquecer), mas será mesmo Fábio Silva a solução? Confesso que do que já vi fico apreensivo com os ventos de mudança que obrigam a que jovens de 17 anos não só tenham já de ser opção, e de ter rendimento, como, para além disso tudo, serem já potenciais Salvadores da Pátria. E os minutos jogados, não só de Silva, como os (bastantes já) de Romário Baró demonstram que o espaço a estes jovens terá de ser contextualizado. Ou alguém acha que se Fábio Silva resolvesse esses dois problemas, Sérgio Conceição não o teria já visto em todo o tempo que já passou a vê-lo jogar?

Não resolvem, por agora, os Fábios, não o resolverá Tomás, Vitinha ou João Mário aos quais ninguém nega as brilhantes execuções e os pontos-de-vantagem que certamente trarão. Mas, volto a repetir, um campeonato disputado taco-a-taco entre os dois piores candidatos dos últimos anos será o pior cenário para a confiança emocional fazer explodir o talento da miúdagem. Bem podem ouvir o contrário de quem não está encostado à parede e de quem não tem de apresentar resultados, de quem é pago para mandar papaias para iludir adeptos, porque a única jogada disso é a sensação de poder que dá criticar alguém que está dentro de um jogo que não percebemos e ao qual não pertencemos.

Porto-Boavista, 4-0 (Marega 53′ e 84; Alex Telles 60′ g.p. e Sérgio Oliveira 70′)

1 Comentário

  1. Os remoques constantes (“a habilidade (ou falta dela)”, “estratégia (ou coisa que o valha)”, “desta vez acertou na baliza!”) desqualificam um bocadinho a prosa.

    Sarcasmo é algo distinto da acidez.

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