Top é o novo low

Perseguimos sensações. Aliás, perseguimos algumas sensações. Somos picuínhas e escolhemos que sensações ter. Só, à medida de cada um, são aceites as boas. Assim, tudo o que provocar sensações negativas, ou baixas, é de evitar. Tudo isto, obviamente, vem de encontro ao que já explicámos aqui: o físico provoca reações que podem condicionar as emoções, a mente e as ideias. Num Mundo perfeito o flow seria ao contrário. Jamais a nossa identidade seria afectada pelo mundo físico, mas como construímos identidades falíveis – que tentam condicionar o físico para não sentirmos emoções negativas – a vida passa a ser, somente, evitar coisas más e sentir coisas boas. Como então curar aquilo que não se quer ver? Não vemos, não sentimos. Reprimimos.

Ora, no futebol não será diferente. É, até, uma das maiores dificuldades da análise futebolística não cair na dualidade bom e mau e procurar ideias objectivas. Isto porque quando caímos na tentação do bem vs mal imediatamente acontece que todas as nossas ideias têm um propósito: fugir ao mal, fugir ao errado. E isto, senhores, é agir com medo. É bloquear a criatividade condicionando as ideias àquilo que é, para nós, bom. E quando se actua pelo medo (quantas ações num jogo serão mais pelo medo de perder do que pela certeza de ganhar?) toda a nossa identidade, mente e emoção fica condicionada. Aqui, chegamos ao ponto onde a análise ao Benfica de Bruno Lage tem sido, pelo menos, incompleta.

O que foi uma vantagem ao princípio tornou-se uma ameaça no fim: Benfica procura espaço entre-linhas



Já o ouvimos bastantes vezes. “É um problema emocional”, garantem-nos. Mas a facilidade com que o ouvimos raramente se transforma na facilidade de compreender o que é realmente um problema emocional. Não temos, ainda, conhecimento suficiente para curar problemas emocionais, pela simples razão de que fomos treinados para reagir ao que acontece no físico. É o físico, lembramos, que tem controlado as nossas reações, sendo que as nossas ações ficarão limitadas ao que acontece matriculado como positivo ou negativo. Mas de onde nasce, afinal, um emoção? Muitos dirão que de um acontecimento. Mas e se for de uma ideia? E se as emoções negativas nascerem de ideias incompletas ou, pelo menos, desajustadas à realidade?

Foi assim, partindo de uma ideia que se ajustava totalmente à realidade, que Bruno Lage começou a subir ao céu. O problema, que hoje surge à vista de todos, é que as ideias não são intemporais e, esquecendo aquela que foi a sua melhor ideia, o Benfica de Bruno Lage coxeia hoje em qualquer campo e em qualquer ação do jogo. Ainda, o problema é que na corrente análise futebolística omite-se um ponto bastante importante. É que como os modelos, os planos e as estratégias podem catapultar o rendimento dos jogadores, também o contrário acontece. E na mente do Benfica de Rui Vitória estava presente a ideia de que a valia dos jogadores era bastante superior aos resultados. Bruno Lage, partindo de um princípio simplista mas totalmente de acordo com a realidade do futebol português da altura, pautou o jogo da equipa com uma verticalidade difícil de parar. Assim, quando o espaço abria, o passe vertical era automaticamente accionado, na maioria das vezes para o espaço central. A tentativa de deixar jogadores de frente para a última linha dos adversários, ou ainda mais longe, de frente para o guarda-redes adversário (onde um Seferovic extremamente confiante foi nuclear) obteve acolhimento imediato por uma equipa frustrada por um jogo que deixava os jogadores fora da sua zona de conforto. Foi vermelho sobre azul, confirmado pelos muitos espaços interiores aproveitados pelo Benfica na vitória frente ao FC Porto no Dragão. Jogo-interior fortíssimo dos encarnados que activou conexões que ainda hoje se tentam como a união onde os extremos se tocam (Pizzi e Rafa) que ainda em Portimão criou um excelente golo. Já defensivamente faz também imensa diferença o momento mental dos jogadores. Faz diferença o espírito de armada colectiva, faz diferença o saber que se vai ganhar o duelo ou não estar com medo de o perder. Os posicionamentos e ideias são praticamente os mesmos. Mas sem confiança não plano, modelo ou estratégia que resista. Todos compreenderão que a intensidade competitiva ou falta dela validam ou anulam ideias e que a vitalidade mental cria a vitalidade física que é ponto-chave em qualquer modelo ou estratégia.

Ao contrário de hoje, os pontapés-de-canto defensivos eram um ponto forte do Benfica. O golo de Gonçalo na Luz foi a única excepção nos primeiros 6 meses de Lage



Mas à medida que a responsabilidade e a pressão crescia, a certeza de ganhar foi-se trocando pelo medo de perder. E isso afecta a identidade, como afecta as ideias, como afecta as emoções dos jogadores. E os sinais estavam lá, como foi possível ver em Alvalade, nos Arcos ou em Frankfurt. E um aspecto importante que pode comprovar a teoria de que as emoções afectam os modelos, são os golos sofridos de canto por Bruno Lage. Em lado nenhum se lembrará que na sua primeira metade ao comando das águias o SL Benfica só sofreu um golo vindo de um pontapé-de-canto do adversário (Gonçalo Paciência na vitória por 4-2 frente ao Eintracht Frankfurt, no Estádio da Luz). Hoje, com o mesmíssimo posicionamento (zona com duas alturas ou linhas) o Benfica viu subir o número de golos sofridos nessas ações para números inacreditáveis. Ao mesmo tempo – sendo o jogo na Luz frente ao FC Porto o melhor exemplo disso – o SL Benfica não tem hoje o mesmo espaço para jogar que tinha há um ano. Sendo que a facilidade com que o plano de Lage encontrava gente entrelinhas foi substituída por uma hora de ponta iniciada por Uribe e Danilo num jogo que provocou a dúvida ao modelo, à ideia e até à gestão desportiva do clube – sendo que os tantos e tantos jovens não estiveram à altura da responsabilidade nesse jogo, ficando em baixo de uma equipa reconstruída nesse defeso.

Provocou dúvida nos adeptos também. E esse é um aspecto fulcral, pois vendo os seus deixando de acreditar, as sensações de déjà vu em relação ao outro lado da moeda da onda encarnada condicionam os jogadores. E aqui voltamos à ideia: como um modelo pode aumentar e até hiperbolizar o rendimento dos jogadores, também a ausência de dúvidas e de ‘ses’ na cabeça dos jogadores pode hiperbolizar um modelo. Hoje, o Benfica é uma equipa com dúvidas que joga contra adversários mais bem preparados defensivamente (fecham com mestria o espaço central) e ofensivamente (aproveitando o facto do Benfica se partir controlam melhor o jogo com bola que o próprio Benfica) e que teria de mudar imenso no seu plano para retomar a série vitoriosa. Mas, sendo justos, é bastante difícil mudar aquilo que, voltando ao início do texto, nos provoca boas sensações. Ainda para mais quando no final da primeira volta o Benfica, mantendo o mesmo registo, poderia chegar aos 96(!) pontos. Nem todos, nem mesmo vocês ou nós, evitariam isso. E aceitar isso permitiria discutir este caso com a tolerância que se exige. Mas procuramos sensações boas… e queremo-las à força. Boa sorte com isso.

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8 Comentários

  1. Eu acrescentaria mais 2/3 aspectos ao texto, no qual realço estas duas frases:

    “Assim, quando o espaço abria, o passe vertical era automaticamente accionado, na maioria das vezes para o espaço central.” …. “quando se actua pelo medo (quantas ações num jogo serão mais pelo medo de perder do que pela certeza de ganhar?) toda a nossa identidade, mente e emoção fica condicionada2

    De facto a falta de confiança explica muita coisa, nomeadamente os duelos e ressaltos perdidos e tambem as ofertas defensivas de quase um golo por jogo, desde Janeiro.

    Mas eu acrescento algo e pode-se justificar no video do golo falhado do esferovite. Vejam o recetor da bola e quantidade de jogadores do benfica em progressão, sem bola e dar linha e oportunidade de passe, em várias zonas do campo??

    Atualmente isso não acontece, vê-se muitos jogadores a pedir a bola no pé e poucos a jogar sem bola, a pedir passe/desmarcação ou a criar a ilusão no adversario. Gabriel, taarabt e pizzi, quando fazem o passe param no campo!!! Estes três jogadores só jogam com bola no pé e não oferecem progressão nem desmarcação.

    Outro aspecto importante (talvez o maior) é que quando o lage pegou, a equipa do rvitoria estava de rastos, onde a pressão alta do adversario tornou o benfica vulgar. Foi esta pressão alta do adversario (mesmo um qualquer, muito inferior que ousava faze-lo) que o lage explorou na verticalidade e velocidade, pois o adversario permite.

    Contudo, nada é estático no tempo e os adversario perante a avalanche ofensiva recuam e fecham o bloco. O adversario tambem joga e os tecnicos têm muita qualidade.. Aqui está outro problema que o Lage não têm corrigido e continua numa matriz que assentava noutro tipo de jogo e de jogadores, onde fica demasiado exposto defensivamente fruto de mau posicionamento de alguns jogadores.. Num ataque continuado contra o bloco baixo, creio que deveria ser o extremo a procurar a linha com cruzamentos atrasados e
    e o lateral a fechar o meio campo interior. O benfica procura a linha com o lateral, oferecendo o corredor todo.

    Por ultimo e aqui sim, gostaria de ver uma analise melhor da vossa parte. As bolas paradas. O que se passou de este ano de um momento para outro?? as defensivas dão golo ao adversario e as atacantes não existem!

    • Dois excelentes comentários. Começa bem esta caixa de comentários.

      A questão das bolas paradas já foi abordada num post anterior feito pelo Zidane. Se queres a minha opinião sendo que o posicionamento é o mesmo, noto um sentimento de inferioridade na abordagem aos lances. Sempre que treino bola parada levo em conta que a atitude e confiança são nucleares na abordagem. Obviamente há pormenores que a falta de apetência (caso do Weigl no último canto ou do Ferro em vários) fazem os jogadores ‘escolherem’ não cumprir o ‘livro’ ou a regra pedida pelo treinador. Apetência, abordagem, atitude podem esconder um posicionamento deficiente (não escolheria o posicionamento do FCP por exemplo) ou a falta destas podem complicar um posicionamento eficaz.

    • “Outro aspecto importante (talvez o maior) é que quando o lage pegou, a equipa do rvitoria estava de rastos, onde a pressão alta do adversario tornou o benfica vulgar. Foi esta pressão alta do adversario (mesmo um qualquer, muito inferior que ousava faze-lo) que o lage explorou na verticalidade e velocidade, pois o adversario permite.” Certo, porque essa também era a estratégia do Rui Vitoria, entregar o jogo ao adversário e jogar em bloco baixo para defensivamente estar seguro á espera do erro do adversário para marcar na transição rápida ou contra ataque. O Benfica de Rui Vitoria era um Benfica mais pragmático era outra ideia de jogo. O Lage quer um Benfica diferente, “mandão” que assuma o controlo do jogo desde o inicio mas também pode mudar a estratégia e jogar em bloco mais baixo, dar bola ao adversário e matar o jogo na transição ofensiva, no contra ataque e sinceramente até era um Benfica que neste momento fazia mais sentido porque quem joga com Pizzi e Gabriel que perdem uma media de 20 bolas por jogo e joga sem uma referencia entre-linhas não pode querer uma equipa que assuma o jogo com posse, é contraditório ás suas ideias de jogo. Para mim mais culpado que o Lage é a direcção do Benfica que não deu na pré epoca aquilo que o treinador pediu, um plantel curto mas com dois jogadores de igual qualidade por cada posição para cada um lutar saudavelmente pelo seu lugar no 11. Nem um plantel curto nem dois jogadores de igual qualidade lhe foi dado ao treinador, aliás deram lhe exactamente o oposto disso.

  2. Excelente analise. Certo que há também culpa do treinador da leitura errada que faz muitas vezes ao jogo demonstrando muitas vezes incapacidade de melhorar o jogo da equipa durante o decorrer da partida, muitas substituições feitas na fezada. No fundo o descontrolo emocional e a insegurança dos jogadores passou também para o treinador que deveria ser o elemento mais cerebral do jogo quando mais ninguém o é. Continuo a dizer que o Lage é um treinador com muita qualidade e vai ser um dos grandes treinadores portugueses. Quanto ao momento que o Benfica está a viver levantam-se algumas questões: Luis Felipe Vieira deu ao Lage aquilo que ele pediu na pré epoca? Lage referiu muitas vezes durante a pré epoca que queria um plantel curto e com dois jogadores de igual qualidade por cada posição para que assim existisse uma saudável competição por cada posição. Foram lhe dados esses jogadores por cada posição? Não, longe disso. Foi lhe dado um plantel curto? Não. Foi lhe dado um guarda redes para competir com Ody que o Lage tanto pediu na pre epoca? Não. As contratações limitaram-se a preencher a vaga deixada por dois números 10 Jonas e Felix (dois criativos que se destacavam no jogo entre linhas e na criatividade) por dois avançados Vinicios e RDT (dois jogadores que procuram a finalização) e em Janeiro veio Weigl mais por negocio de ocasião do que por necessidade do Lage. No fundo quando o futebol do Lage na época passada enchia de orgulho os olhos dos benfiquistas e da estrutura benfiquista, Lage já tinha identificado falhas no jogo e no plantel. Quando Lage exigiu vários jogadores para varias posições quando “apenas” tinha saido Jonas e Felix com certeza que os dirigentes benfiquistas e também muitos sócios olharam para isso como algo desnecessário quando praticamente a mesma equipa tinha arrasado os adversários na segunda metade da época que acabava de terminar. Lage esteve sempre certo na pré epoca. Lembro me que os primeiros sinais de adeptos benfiquistas descontentes com o Lage foi quando ele pediu um “numero 1” para a baliza quando havia Ody, hoje Ody continua a ficar estático na linha de baliza quando as bolas pingam na sua pequena área (com Ederson podia levar tudo á frente mas a pequena área era dele!!). Agora ao próximo treinador vão lhe dar os jogadores que não deram ao Lage? Vão lhe dar um plantel curto que não deram ao Lage? Se tivessem feito aquilo que o treinador pediu hoje estariamos a questionar quem será o treinador do Benfica na proxima época? O que fez por exemplo JJ na sua segunda época no Benfica? Fez melhor que Lage? Não, fez pior. Hoje em dia os benfiquistas dão a mesma tolerância que se deu a JJ quando perdeu 3 campeonatos seguidos para o FCP? Não, Lage ainda nem acabou a segunda época que até pode ainda ser campeão e ganhar uma taça e já teu selo de marcha. Isto acontece porque na altura que JJ treinava o Benfica, ganhar o campeonato para os benfiquistas era um sonho, uma festa, hoje em dia deixou de ser um sonho para ser uma obrigação. Lembro-me das palavras do Mourinho quando estava no Inter de Milão na antevisão da final da Champions contra o Barça, onde disse que para o eles (Inter) ganhar a Champions era um sonho e para o Barça era uma obrigação e por esse aspecto já levava vantagem sobre o Barça na preparação e moralização dos seus jogadores na final. Hoje em dia o Benfica começa a época com a “obrigação” de ser campeão, erradamente. Cumps.

    • O Lage tambem tem culpa. Mesmo nao tenha tido os jogadores que pediu, podia fazer bem melhor que o que tem feito.
      E nao me parece que o Lage tenha pedido defesas na pré-epoca. Como se pode ter iniciada a epoca so com um central de nivel e valido? E porque ter insistido toda a epoca em Ferro?
      E que pensar da insistencia em Dyego Sousa?

  3. “Provocou dúvida nos adeptos também.” Sem dúvida, mas não concordo com as explicações que levam a que haja dúvidas nos adeptos. O que é apontado como explicação, e eu até concordo no essencial, explica a quebra de rendimento da equipa, não do “acreditar” dos adeptos. Para mim, isso é explicado pelo registo horrível nos últimos meses (muito empolado por causa da paragem). Claro que nunca se vai sair disto, parece a história do ovo ou da galinha: é a falta de confiança dos adeptos que “puxa” a equipa para baixo ou é a equipa que, através dos resultados negativos, “puxa” os adeptos para baixo?

    Sobre a falta de adaptabilidade do modelo do Lage, acho que esse é o principal problema, agarrou-se a uma ideia e vai morrer com ela, mesmo que essa ideia não esteja a funcionar. Por exemplo, vocês que acompanham mais campeonatos e com mais atenção, haverá alguma equipa que aproveite tão mal a largura como o Benfica?

    • e num programa na rtp que apareceu um tipo a dizer que o Benfica so´circulava em U e pelos corredores laterais ahahahahah

  4. Então… a tese do texto é a de que a prestação do Benfica foi minada pela dúvida sobre o modelo que se instalou após a derrota caseira com o Porto? Após a qual o Benfica ganhou 16 jogos consecutivos na Liga?…

    Boa sorte com isso.

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