Juventude, Qualidade e Prontidão

é preciso encontrar o melhor equilíbrio para lançar esta gente, e é lançá-los não de acordo com aquilo que cada um quer, cada pai, cada empresário, cada adepto, mas sim de acordo com aquilo que é necessário para a equipa

Sérgio Conceição, citado pelo Expresso

A extraordinária temporada do Famalicão lançou o debate. Afinal, é possível ter resultados com jovens. Na verdade, ninguém sabe quem poderá pensar de forma diferente, se estes jovens tiverem mais rendimento que os mais velhos.

O Famalicão tem no seu 11 habitual dois jogadores do Atletico Madrid, 2 do Valência, 1 do Braga, 1 do Benfica, 1 do West Ham e 1 do Wolves. E todos entre os 20 e os 26 anos de idade. Alguns inclusive são internacionais pelos seus países de origem.

É natural e talvez até obrigatório que tais jogadores sejam substancialmente melhores que os adversários que encontram na Liga Portuguesa – Para lá de melhores do que os antigos jogadores que formaram os planteis anteriores do Famalicão, tenham eles lá a idade que tiverem. Se o Cartão do Cidadão definisse qualidade o Fernando Couto ainda seria melhor que o Perez. Por algum motivo, mesmo tão jovens têm todos contratos incrivelmente superiores a qualquer outra equipa na realidade portuguesa que não os três grandes – E mesmo assim, por certo que vários deste lote se batem (em termos contratuais) com dezenas dos jogadores nos maiores de Portugal.

Diferente seria provar o ponto do rendimento dos jovens com… uma equipa completa formada no Famalicão. Ai poderia avaliar-se.

Será que este 11 do Famalicão caso (impossível, precisamente porque têm muita qualidade) pudesse repetir toda esta temporada, mas com 4 ou 5 anos em cima, não chegaria muito mais longe do que o que obteve na presente época?

Em 2013/2014 a equipa B do Benfica venceu 20 de 42 jogos na Segunda Liga e terminou a temporada num honroso 5º lugar.

Entre o plantel estavam alguns jogadores que acabaram por não se revelar mauzinhos: Bernardo Silva (City), João Cancelo (City), Gonçalo Guedes (Valência), Bruno Gaspar (Olympiakos), Jan Oblak (Atletico), Bruno Varela (Ajax), Lindelof (Man Utd), Nelson Semedo (Barcelona), André Gomes (Everton), Ivan Cavaleiro (Fulham), Hélder Costa (Wolves) entre outros. Então, como é possível com tais nomes ter o Benfica terminado fora do pódio numa divisão secundária?

Em que lugar ficaria esta equipa se repetisse agora a 2a Liga em Portugal? e voltaria a vencer menos de metade dos jogos?

Sete pontos à frente do Benfica terminou o FC Porto, que teve entre os 11 mais utilizados os seguintes jogadores: Tozé, Pedro Moreira, Tiago Ferreira, Quinones, Agu, Ivo Rodrigues, Victor Garcia, Zé António, Leandro Silva, Kayembe e Kadu.

A média de idade do 11 azul mais utilizado tinha dois anos a mais que o dos encarnados.

Então, mas afinal os mais velhos são sempre melhores?

Claro que não! Mas perceber sobre futebol jovem, sobre como se manifesta e se potencia o talento, e saber sobre prontidão é entender o crescimento e evolução. Como o potencial se transforma em rendimento. Saber que o rendimento cresce com o número de horas em prática – No treino e no jogo. Saber que o Messi aos 20 anos é melhor que o Hassan Nader aos 30, mas que é substancialmente pior que o Messi aos 23 anos.

E num clube onde a cobrança é sempre a vitória é quem tem mais rendimento que deve ir a jogo. E o tempo (Evolução dos jovens talentos) coloca sempre os melhores no seu lugar. É preciso é deixar acontecer – Sem estragar.

Não há treinador que não coloque os melhores em campo, mas há quem não consiga discernir entre o que é potencial e o que é rendimento. Porque vemos estes jovens prodígios somarem recortes de nível bem superior a outros mais velhos tendemos desde logo a acreditar que dão mais. Mas, nada é assim tão linear – Rendimento não é ter momentos – É estar no jogo o tempo todo. Não é fazer um passe espectacular e dez errados. É fazer onze bons, mesmo que nenhum tão espetacular quanto o do colega que depois erra dez.

Em Dezembro o Pedro Bouças escreveu aqui “É para Ontem”

Aos doze ou treze anos, a marca já tem de estar presente, aos dezassete ou dezoito já é uma frustração não estar na primeira equipa, e a própria pressão de quem de fora, sem ter qualquer noção das reais competências do jovem jogador, nem do próprio processo de desenvolvimento deste, endeusa de forma precoce o jovem, tantas vezes pode trazer sentimentos de injustiça nem sempre válidos.

Vivemos numa era diferente em que felizmente, se consegue chegar mais rápido. A preparação que vem da base é melhor e por isso não é apenas bem depois dos vinte que se entra nas principais equipas, como foi o percurso natural de Luis Figo, Rui Costa, Paulo Sousa, Fernando Couto entre tantos outros).

Todavia, acelerar ainda mais, convencendo o jogador que tal é o normal e que tudo o que indicie o contrário é porque está a ficar atrasado, só o está a matar.

Por isso tantos talentos se arrastam por campeonatos periféricos, convencidos que é o mundo que contra si conspira a cada aventura mal sucedida. Afinal, nas redes sociais e no círculo de amizades garante-se que merecia muito mais…

No mesmo dia, e esse é o propósito maior do Lateral Esquerdo – Educar e Ensinar – um jovem prodígio que está hoje a rebentar no futebol de adultos em Portugal e que já mereceu inclusive alguns textos (antes e depois da estreia na primeira equipa do seu clube) respondeu ao “Lateral Esquerdo”:

“Boas ??
Depois de ler isto tinha mesmo que mandar mensagem a dar os parabéns ??
Quantas verdades disse neste texto, e que me fez identificar em muitos aspetos, coisas que vejo a acontecer comigo e com todos os outros. É exatamente isso que está a acontecer e acontece. Grande texto mais uma vez ?”

Quando se trata de jovens talentos, o ruído exterior nunca é bom ou sequer contribui para algo de positivo. Na impossibilidade de não se ter redes sociais, sempre tóxicas seja no elogio ou na crítica, há que seleccionar o correcto e não o que adoça os sentidos.

Sobre a “pressa” que posteriormente leva a decisões erradas, pergunte ao Ricardo Quaresma sobre o que poderia ter sido a sua carreira se muito jovem tivesse tido capacidade para entender que o potencial que tinha ainda não era rendimento (mais elevado que o dos colegas), mas que lá chegaria… e ultrapassaria. Em vez de atirar Barcelona ao rio.

Sobre Dejan Savicevic 91 artigos
Ricardo Galeiras Treinador, apaixonado por desporto, futebol e treino. Experiência em campeonatos nacionais na formação e atualmente ativo no futebol sénior. Colaborador na área de scouting e análise de jogo, com vários treinadores e equipas do campeonato nacional da Primeira Liga. Contacto: galeiras@gmail.com

3 Comentários

  1. Texto interessante e que merece reflexão e debate em quem manda no futebol..

    Hoje assiste-se a muitos miudos vindo das boas escolas e da formação e que mostra a qualidade que possuem, sendo estas ultimas camadas/gerações inspiradas no pos euro 2004 e no fenomeno C. Ronaldo.
    Mais distante está a geração de ouro que alimentou durante mais de 10 anos o futebol.

    Contudo, assiste-se a muita formatação a muito esforço a muita tactica nas gerações tenras. Todos este factores podem iludir a qualidade.
    Certo também será a velha máxima que o jogador na frente “explode” aos 18, consolida ao 24. Esta idade da consolidação vai avançando à medida que a posição no terreno vai recuando.

    Assiste-se no juniores e juvenis a equipas colectivamente bem alinhadas e desta forma já não se consegue vislumbrar com facilidade o “brinca na areia” que abre as defesas, pois desde cedo não lhe é permitido, dado descompensar a equipa.

    Neste sentido pergunto se é correto exigir a qualidade coletiva e tactica a miudos onde a certeza é que virão bem preparados a nivel tactico, faltando a espontaneidade e tecnica de drible que tanto nos adora enquanto adeptos?
    Vejamos outras escolas, dando por ex a francesa aqui à 10 anos atras..
    Nós éramos campeões na formação onde os franceses não se evidenciavam, para depois a partir dos 19/20 tudo se inverter e tornarem futebolistas de topo na europa. (atualmente não estão bem assim!)

    Pergunto tambem se muitos jovens jogadores, muitos até internacionais jovens, não poderiam estar em equipas como o guimaraes, braga, rio ave, setubal (um viveiro nato) ou formar outros bons planteis?!
    Aqui tenho assistido às grandes equipas comprarem cedo os que se destacam para mandar embora de portugal e com isto destrói-se a qualidade dos planteis e a competitividade em PT. O que pode ser feito para inverter este paradigma!

    Por ultimo, o passo seguinte rumo à equipa principal! Acho que atualmente faz falta competitividade na idade junior. Acho que o modelo em Portugal não serve para ninguem (jogadores, escola, família e clubes), daí que muito de positivo tenha resultado das equipas b’, mas para mim fica a duvida em muitos se são apenas esforçados e tarimbados ou se são mesmos “wonderkids”?! (lembro-mo do rochinha na uefa youth league).
    Realço muito positivamente o crescimento a nivel psicologico atraves da aprendizagem com os “maus exemplos”.. Neste aspecto pergunto o que acham do Jota/benfica?

    Para mim, com um bom treinador um excelente miudo têm de ter lugar no plantel e esperar de forma humilde (essencial) para ter minutos na equipa.
    Na linha avançada/extremos um miudo que com 15minutos na parte final dos jogos não se mostre, fico com sérias duvidas;
    Na linha defensiva é importante ir ganhando confiança com um bom lider ao lado. Creio que os 10/15 minutos são prejudiciais e a nossa imprensa não ajuda. Dá um erro e é capa de jornal pela negativa.
    Na linha media é mais difícil avaliar! pois depende de muitos fatores onde destaco a confiança e o fisico para poder mostrar a tecnica as boas decisões e conseguir manter boas performances jogo após jogo.

  2. Quão mais facilitada seria a transição para a equipa principal, se os treinadores tivessem estabilidade e uma identidade comum entre os vários escalões (equipa B, Sub-23, Juniores, Juvenis, etc). Seria também mais fácil dos jovens perceberem as decisões tomadas.

    • Não creio que esse seja o aspecto mais negativo, dado que os jogadores ao longo de uma carreira terão vários treinadores/modelos e terão de estar preparados para a adaptação. Acontece hoje em dia é que se “formata” muitos os jogadores e alguns só rendem em funções muito especificas, ao inves de antes, que um bom jogador rendia sempre e em qualquer equipa.

      Falta ainda referir um item crucial. Os emprestimos dos “grandes” de Portugal (transparencia nas prestações dos jogadores e submissão aos interesses estranhos ao jogo)!
      O famalicão têm vários emprestados de fora de PT.

      Para mim o aspecto mais importante no jovem jogador é o de “prestar provas” com regularidade e com um nivel elevado. Uma competição iberica no escalão junior seria muito bom, com uma competição de com 8/10 equipas e jogos de 15 em 15 dias, com limite de estrangeiros.
      Internamente sugeria um campeonato junior com 6/8 equipas e incluir uma/ duas “seleções distrais” com jogadores de outros clubes(extra grandes) nesta competição, dado que os “titulares da selecção principal” provem do benfica/porto/sporting.
      Atualmente o campeonato junior são 4/5 equipas e goleadas aos restantes. Como se consegue avaliar/detetar um bom jogador no meio de 9 medianos a levar goleadas? Porque não fazer uma seleção “B” para competir com estas 4/5 equipas de top em portugal no escalao junior..
      Os Planteis das equipas grandes eram limitados no numero de atletas e Os direitos destes jogadores da “seleção B/ seleção distrital” repartiam para o clube de origem e para a associação distrital, até aos 21 anos, para se investir no futebol e academias/formação escolar..
      Pois qualquer dia inverte-se o paradigma, isto é; temos condições e não temos miudos motivados a praticar futebol.
      Na generalidade os miudos estão dificeis de fazer sair de casa e apenas praticam futebol quando colocados em escolas/academias quase por imposição dos pais onde a pressão é maior e a alegria/prazer em jogar perde-se.

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