Das Tripas… Conceição (vol. 2)

Acaba por ser uma chatice que o futebol seja o palco escolhido para a validação de certas ideias em detrimento de outras. Pelo simples facto de um desfecho validar as expectativas de uns e de invalidar as de outros (ou assim pensamos ser) surge a oportunidade de se classificarem ideias, ou escolhas, como superiores e outras como inferiores. E já ninguém se lembra bem como tudo começou, mas talvez quando alguém criou um clube e uma massa significativa o acolheu, muito provavelmente, sem saber porquê. Daí até ao o meu é melhor que o teu foi um passo – ou se quisermos uma série de vitórias ou derrotas. Mas onde é que o facto de tal clube perder ou ganhar ficou tão ligado à nossa identidade, ao nosso valor próprio, à nossa auto-estima? E será mesmo necessário que assim seja ao ponto de subvertermos lógica e senso-comum?

Ok, tudo bem. Há fanatismos e fanatismos, mas tudo numa escolha de uns em detrimento sobre outros não o será também? Mesmo em menor escala, não será também fanatismo a desvalorização das vitórias de uns em detrimento das dos outros? Pois, se a lógica imperasse, a vitória seria – no reino da superioridade vs. inferioridade – algo incontestável. Mas os subterfúgios são imensos quando a única coisa que interessa às pessoas é a validação da sua escolha, da sua ideia, ou em termos mais simples, do seu clube. Surge então a ideia de que o SL Benfica ofereceu este título ao FC Porto. Uma ideia acolhida por uma maioria de adeptos que, consegue assim, algum alívio pelo facto do seu clube ter perdido em campo. Porque o potencial deveria ter sido superior, porque há dinheiro em abundância e o rival está falido, porque os jogadores não quiseram, etc., etc., etc. E aqui poderíamos estar até os dedos me doerem. Porque neste Mundo tudo pode ser argumentável, tudo pode ser rebatido. Menos a falta de visão e quem só quer ver a árvore e não a floresta.

(Sapo Desporto) O mesmo que o FC Porto não quis o ano passado?



É por isso engraçado, muito engraçado mesmo, que um dos defeitos que apontam a Sérgio Conceição seja o de ser emocional. Como sabemos, sem emoção nada se cria, sendo que uma letargia emocional é o equivalente a uma depressão, a uma letargia física e a falta de criação. E-motion, dá a moção para as coisas girarem, para as coisas virem ao físico. É giro que lhe apontem isso como defeito, porque a larguíssima maioria das pessoas que o criticam jamais usou a sua emoção para criar metade do que desejou para a sua vida. E a carreira de Sérgio Conceição, seja como jogador, seja como treinador, fala por si. À distância ali o vemos, ou na secção dos jornais e noticiários dedicada ao clube que treina, nas antevisões a cada jogo da sua equipa, nos jogos, nas flashes e nas conferências de imprensa. E já vão anos e anos disto. Sem febres, sem dias na cama sem lhe apetecer ir ao Olival, sem tempo para depressões, para dúvidas existenciais, ou até para a família, mas ainda assim a ter que dar o seu contributo na normal vida diária acompanhando os seus. Em suma, sem letargia! Depois, tem hoje em dia que ter tudo sob controle – como se fosse possível controlar um jogo com milhares de incidências possíveis -, gerindo um grupo de egos também eles fortíssimos e direccionados – ou não teriam sequer tido a energia para sequer ter chegado ali. Convencê-los a todos de seguir um rumo uniforme deve ser facílimo. Só que não.

Em toda a reflexão sobre qualquer treinador da I Liga, isto (e muito mais) devia ser levado em conta.

Mas o que conta é que a ideia de uma maioria letárgica nas emoções, letárgica na mente, letárgica nas ideias, e que raramente cria algo, se valide. Nem que para isso se tenha que bater em alguém que, antes que tudo, teria de ser reverenciado por ter capacidades extraordinárias para desenvolver um trabalho que mesmo para além da vitória/derrota é notável. Mas o que nos interessa é saber se ganhou, saber se perdeu e saber se a nossa ideia pode ser validada pelo resultado que ele obteve. Parece-me um trabalho bem mais fácil que o dele.

Mas sim, ganhou. Ganhou porque manteve a matriz forte que o caracteriza e juntou à emoção novas ideias. Não as rendeu totalmente porque, vejamos, o seu muro que defende e o seu tanque que abalroa já foi apanhado desprevenido. Sim, a Sérgio as derrotas ficam-lhe. E não dorme até encontrar a fórmula. E quando o Benfica de Lage serpenteou, no Dragão, pelos espaços que o seu FC Porto deixou, a fórmula nunca podería ser, para ele, a de abrir mais espaços. Parece lógico, não? Mas chamam-lhe emocional. Emocionalmente (ou estratégicamente) Sérgio fechou a muralha na Luz e sai pelos erros do Benfica, controlando a .maior parte do jogo. Afinal, rezam os cientistas, é mais difícil criar do que destruir. Pois bem, whatever works, os treinadores vivem de vitórias, e o trabalho de Sérgio é ganhar, e não salvar o futebol do mal que vocês vêem nele.

Sabemos que alguém tem um emprego ou uma vida desagradável quando aparece no Correio da Manhã



Assim, a César o que é de César. Ninguém, amigos, dura em futebol se não vencer. E o subliminar da coisa é que nem sempre a tua ideia vai ganhar. E por isso a coisa vai andando devagarinho, sem grandes revoluções, e todos vão copiando coisas daqui e dali, juntando-lhes, quando podem, algo mais. Mas, no fundo, para pertencerem, têm de ganhar. E Sérgio ganhou, em 2017/2018, com uma ideia muito parecida a esta. Lage ganhou, em 2019, com uma ideia parecidíssima com a qual perdeu pouco tempo depois, e Conceição voltou a ganhar com uma ideia parecedíssima com a qual ganhou e com a qual perdeu. Quer isto dizer alguma coisa sobre ideias superiores e inferiores? Ou terei mesmo de repetir que duas ideias antagónicas já venceram e perderam, e já dançaram a dança das cadeiras por entre as loas e as críticas de sempre.

O FC Porto ganhou como, se as coisas se precipitassem em determinada altura noutra direcção, poderia ter perdido. Na retoma as coisas estavam em aberto, mas houve uma equipa que não se reencontrou emocionalmente e que já cambaleava mesmo quando ganhava (por uma margem absurda de vitórias em relação à qualidade de jogo apresentada) e outra equipa houve que se foi reencontrando mesmo estando também ela afectada pela turbulência da exigência imperativa de ganhar, ganhar, ganhar. E Conceição ganhou, ganhou! Descansará agora uns dias e daqui a 15 terá, novamente, de ganhar, ganhar, ganhar. E no meio disso terá que ouvir, ad infinitum, que a sua vitória não foi tão boa como outras. Vai ouvir, vai absorver, e vai, novamente, tornar isso em força emocional para ganhar outra vez. É que até ele já percebeu que só há uma batalha que não pode vencer: a de curar quem usa o futebol para tentar que o Mundo valide a sua ideia, o seu ego, a sua suposta superioridade. Vão sempre ter argumentos para o tentar destruir, como destruiram Lage (que voltará). Mas no fim foram eles que conduziram barcos dificílimos de controlar em condições que poucos dos que os criticaram aguentariam. Queria ver a qualidade do trabalho deles aumentar estando sempre encostados à parede e com o saco do despedimento a tapar-lhes a cabeça.

8 Comentários

  1. Não consegui passar do segundo parágrafo, infelizmente não há paciência para os linguados da Maya do LE. Andamos há um ano ou mais a levar com a palhaçada das ideias dos outros, para depois levarmos com as ideias do Laudrup-fatela. Sim, porque o Laudrup era o Michael. Olha, ficamos desta forma: cada um tem as suas convicções e é assim mesmo que está bom. Como só vi a segunda parte do jogo, afirmo de forma convicta que foi mau. É complicado jogar à bola nestas duas equipas. O Sporting, para além de jogadores sem qualidade para o que o clube propõe, precisa naturalmente de evoluir o modelo de jogo. O que existe até agora é fraco apesar de pelo menos garantirem que não levam golos de todas as maneiras e feitios. Toda a gente fala do Fábio Vieira mas, coitado, tive pena dele em várias situações. Quase saía de campo transformado num Hernâni qualquer e com um torcicolo, não fosse o seu talento para fazer diferente e muito melhor! Mérito e parabéns ao campeão e ao autor do texto que também lá andou a festejar, seguramente (não é nenhuma bojarda, é um desejo sincero). Mas com um futebol que não alegra ninguém. Do género “cantas bem mas não me alegras”. Ganhou o campeonato? Epá que maravilha! (not)

    • Porque é que o Porto há-de jogar “mais e mehor”? Este futebol chega e sobra para os Chiquinhos, Rafas, Almeidas, Ferros e demais genialidades do Xeixal (como se irá comprovar, uma vez mais, na final da Taça) . O ano passado foi uma anomalia.

      • Calma miúdo, o Ulibal também é bom. Não são os cartilheiros que vendem a miudagem, são os resultados e a sua qualidade individual. Tem o Benfica alguma culpa que o Porto tenha acordado mais tarde?

  2. Não entendi a mensagem do texto.

    Parabenizar o Conceição porque soube ganhar?
    Um tratado sobre a vida de treinador ser difícil?

    No site da “predominância do cérebro sobre o físico”, será que parabeniza o cérebro de Conceição, por ajustar o seu futebol físico com futebol ainda mais físico?

    O texto de Laudrup, penso, tenta valorizar a matriz emocional de Conceição. Lamento, mas novamente não entendo. Que Conceição não goste de perder e que trabalhe, estude e melhore até… não perder, não me parece feito tremendo. Qualquer treinador faz o mesmo. Claro, ao contrapor Conceição contra um hipotético vegetal, Conceição é um Deus.

    Eu, ao contrário de Laudrup, não consigo elogiar o lado emocional de Conceição. Porque isso seria aceitar atitudes que não devem ser toleradas – muito menos parabenizadas.

    “Estou-me a cagar para isso”. Colegas e jovens adversários de mão estendida. O boi. A recusa em comparecer na sala de imprensa quando perde. As queixas sobre os árbitros. A teoria da vitimização.
    Tudo isso é Conceição. Não é só o treinador campeão.

    Num blog sobre “a predominância do cérebro”, parece que alguém decidiu deixar de lado, hoje, a inteligência emocional.

  3. Completamente apoiado. E as conferências ridículas e as flashes intempestivas sobre pênaltis não assinalados? Tudo isso um tratado de emoção…

  4. Tudo a “bater”no autor do texto,só porque ele defende que, umas ideias por serem diferentes de outras, não são piores ou melhores. Pode até nem ser a ideia de jogo mais prazerosa de se assistir, mas não deixa de ser uma equipa organizada e difícil de bater. E isto, com o nível do plantel (e onze inicial) do FCP, é digno de se parabenizar.
    Esqueçam o resto, que ele não me pareceu avaliar personalidade, atitudes, etc (se o fizesse, quase todos os treinadores teriam telhados de vidro).
    É apenas isto: uma equipa com ideias menos agradáveis à vista mas organizada, terá mais sucesso que outra, com ideias mais agradáveis, mas menos organizada (excluindo variáveis como liderança, estabilidade, estrutura, etc).
    Pelo menos, foi o que me “chegou” ao ler o texto.

  5. É mais um texto deste autor que não faz nenhum sentido, e que não se enquadra em nada do que o Lateral Esquerdo já foi. Porque é que só quem consegue o título de campeão tem direito a ser referido no seu brilhante “controlo emocional”? Quem fica em segundo, terceiro, quarto, não tem direito a “controlo emocional”? Como é que o autor pode referir como fundamental algo que ele, na verdade, não tem nenhuma maneira de saber, ou de conhecer?

    Ao defender a teoria que o “controlo emocional” traz vitórias, está a esquecer que é a vitória que traz “controlo emocional”. Verdadeiramente corajoso por parte do autor, e isso eu diria que seria verdadeiro brilhantismo, teria sido assistir aos colapsos emocionais de Sérgio Conceição, como o episódio do estar-se a cagar ou a vergonha que fez passar a Nakajima, e nessa altura escrever sobre como o “controlo emocional” se estava a traduzir em vitórias, e se iria traduzir em títulos. Mas quem é que diria uma coisa tão parva na altura? Ninguém, porque não faria sentido nenhum.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*