Muito se fala sobre o estado mental, o estado emocional e sua influência na performance. E conhecendo o cenário da Liga Portuguesa nas últimas épocas, e a luta corpo a corpo pelo ceptro entre Benfica e FC Porto, tal análise terá de subir uns patamares para ser levada a sério como diagnóstico de coisa alguma. Não recuando muito no tempo, para não perdermos o fio à meada, sabemos, por exemplo, que o Benfica de Bruno Lage encetou uma recuperação histórica a partir de janeiro de 2019, e que à medida que a exigência apertou (ainda na época que findou com os benfiquistas a festejarem no Marquês) a qualidade de jogo foi baixando, até bater no fundo ainda antes desta época acabar. Sabemos que o FC Porto de Conceição também sente essa exigência, esse peso mental, visto que ainda na primeira época de Sérgio deixou fugir uma liderança (para depois a recuperar no Estádio da Luz já quase com o gongo a soar). Algo que também aconteceu na 2.ª época de Conceição, com os dragões a perderem uma vantagem de 7 pontos, numa cambalhota que arredou inevitavelmente os portistas de novo título. Este ano, nova reviravolta épica e muitas críticas à qualidade de jogo dos principais contendentes que, cada vez mais, parecem ser afectados pela dualidade expectativa/realidade. Pouco mais sabemos como se processam o estado mental, e emocional, as dúvidas, os bloqueios, e que real efeito terá na performance. Não sabemos os efeitos, dizia, mas que los hay, los hay.
Tome-se como exemplo o Porto-Moreirense, desta segunda-feira, e a diferença exibicional entre esta equipa do FC Porto, com aquelas que deixaram pontos em Famalicão e na Vila das Aves. Olhamos para os marcadores de um expressivo 6-1, e lá encontramos Marega (já lá vamos para sublinhar um golo inédito) e Soares. Sim, agora a bola não queima, a baliza não encurta. Não há dúvidas em relação ao vencedor do campeonato, não há cenários de desilusão e as decisões não são afectadas mais pelo medo de errar do que pela certeza de facturar. O título não foge, o que gera uma descompressão que, aliada com um treinador que não deixa tirar o pé, soltou o dragão para uma exibição que coroa condignamente o novo campeão nacional.
Mas até lá a coisa sofreu uma ou outra flutuação digna de registo. Com um golo madrugador de Luis Diaz (que no papel surgiria pela esquerda mas que na realidade colou-se a Marega e a Corona na frente) a acalmar demais os jogadores, os minutos seguintes trouxeram um Moreirense protagonista numa estratégia que tanto lhe deu fôlego como o acabaria por matar na 2.ªmetade. Esticado, alto, o Moreirense tocou, circulou e descobriu algo que os mais desatentos portistas ainda não querem acreditar. E nem inspirados pela queda da fairy tale do Seixal, uma facção (não diria ainda falange) começa a pressionar para que qualquer miúdo com técnica acima da média seja, no imediato, opção. Mas Sérgio não vai na cantiga e mantém a ideia de que os jogadores terão de ser fortíssimos na interpretação de todos os momentos do jogo – e não só dos ofensivos.
E na tentativa de encontrar o meio-termo que toda a gente elogia em Alex Telles, que toda a gente encontra agora em Corona e em Otávio, a falta de reactividade de Fábio Vieira a fechar a ala direita (por onde surgiu o empate – Fábio Abreu, 20′) levou o técnico a procurar uma solução mais confortável para a sua visão de encarar o jogo (Uribe renderia o talentoso jovem aos 38′). E após largos minutos de protagonismo dos de Moreira de Cónegos – que culminaram num golo onde Diogo Leite não sabia onde estava – o FC Porto retomou o controle do jogo, chamando outra dualidade à discussão: posse/transições.
Ainda que Sérgio Conceição seja rotulado como um treinador de jogo-directo, é notória a tentativa de encontrar soluções em organização ofensiva. Assim, na retina ficarão os dois golos que Soares marcou a fechar a partida, assim como a circulação que criou golos contra Boavista e Sporting, para provar que Conceição não fugirá à posse e ao desposicionamento do adversário como forma de encontrar golos. E ainda que sejam esses os golos que ficam na retina (juntamente com o inesperadamente irrepreensível livre directo de Moussa Marega – 62′), há que lembrar que a reviravolta deste jogo surge na procura da profundidade que tão bem o maliano do FC Porto interpreta – criando o 2-1 (Otávio) e o lance que deu origem ao penálti que Alex Telles converteria para o 3-1.
Um enviesamento de análise que acaba por ser normal pelo historial portista de posse e controle, mas que o futebol moderno não deixou envelhecer bem. Hoje, como Conceição interpreta, o jogo pede competência em todos os momentos – e no seu modus operandi, e responsabilidade, Conceição não deixa cair o equilíbrio na sua ideia e modelo. Chamem-lhe casmurro, teimoso ou emocional. E que chamar a alguém que quer ver algo que ainda não ganhou nada, à força no relvado? Forçar a ideia mental de que o FC Porto pode jogar e ganhar Ligas como jogou na Youth League não tem qualquer prova dada e nada mais é que wishful thinking. Ao invés, a introdução ponderada de novos e talentosos valores numa equipa experiente, compacta e vencedora, pode ser a rampa de lançamento ideal para os mesmos poderem errar sem a pressão de serem conectados a possíveis falhanços do clube. E o que lá vem (ainda o FC Porto não acabou os festejos e já joga contra Jorge Jesus) não será propriamente um passeio no parque – a não ser para ideologias que nunca vão a jogo.
FC Porto-Moreirense, 6-1 (Luis Diaz 4′, Otávio 51′, Alex Telles g.p. 56′ e Soares 78′ e 87′; Fábio Abreu 20′)
Estava à espera do comentário do Pele do costume. (pronto, gastei a minha dose mensal de desdém, mas esse gajo é irritante com a sua permanente superioridade moral)
Foi um óptimo jogo especialmente pela dualidade primeira parte / segunda parte. É impressionante como tudo fica fácil quando não existe pressão.
Acho que o que o Conceição fez ao Fábio é fundamental para o seu crescimento. Como dizem os Brasileiros “é para ficar exxperrto” (tentativa talvez frustrada de representar o Sotaque carioca)
Esse “Pele do costume” não tem qualquer superioridade moral. É apenas um benfiquista do garrafão de tinto disfarçado de analista número 56980 de coisas do futebol. Daqui a dois meses anda a babar-se com o Jesus.