Tempo Útil de Jogo

Desta vez decidi debruçar-me sobre um assunto que tem sido demasiadas vezes recorrente nos discursos dos Treinadores na nossa liga de Futebol, o tempo útil de jogo (TUJ). É um tema que vimos ser abordado ao longo da época, mas fundamentalmente nesta fase final onde o “ponto” fica mais caro e difícil de ganhar para atingir os objetivos de cada equipa. Todos sabemos o impacto que tem o alcance da manutenção ou de uma competição europeia para cada equipa a vários níveis, no entanto, as formas utilizadas e mais vistas para que os mesmos sejam atingidos é que variam muito.

“Paragens de jogo? Cada treinador faz a sua opção.” 
Rúben Amorim (Conferência de Imprensa, 21/07/2020)

Através de um estudo elaborado pelo Observatório de Futebol do CIES, juntamente com os dados facultados pelo Instat, podemos perceber o TUJ na fase inicial dos campeonatos europeus. Embora a amostra seja apenas relativa aos cerca de 3 meses iniciais, é possível tirar algumas conclusões dos dados que nos apresentam.

Só para relembrar que na época anterior, de 37 ligas analisadas, numa lista liderada pela Liga Sueca (60.4%), a Liga Portuguesa estava em último com 50.9% de TUJ (Com 5 ligas de Segunda Divisão acima de nós – Francesa, Alemã, Italiana, Inglesa e Espanhola), sendo Os Belenenses Futebol, SAD a equipa com mais (55.2%) e o C.D. Feirense com menos (45.7%) – Estará aqui uma das razões que contribuiu para a sua descida de divisão? A juntar a isso, ao ser analisada a Liga dos Campeões (2ª Liga com melhor TUJ: 60.2%), também foi possível perceber que a equipa com menor TUJ foi o F.C. Porto (52.6%), sendo que a que teve mais foi o Club Brugge (66.2%).

Nesta época a Liga Portuguesa ficou numa posição precária, no entanto, superou a Liga Checa, a Segunda Divisão Espanhola e a Liga Grega. Esta lista continua a ser liderada pela Liga Sueca (59.7%) e no fundo da tabela está a Liga Checa (50.2%).

Os resultados revelam grandes discrepâncias por área continental. Os valores mais altos registados na Europa do Norte e Ocidental refletem estilos de jogo mais abertos e uma maior disciplina dos jogadores. Entre os cinco principais campeonatos europeus, a Bundesliga Alemã (57,1%) tem o maior TUJ, enquanto a Liga Espanhola tem o menor (53,3%).

A nível de clubes, o percentual recorde de TUJ foi para os jogos da equipa sueca GIF Sundvall (63,2%). AZ Alkmaar (62,9%) e Helsingborgs (62,8%) também estão entre os três primeiros. No outro extremo estão três equipas espanholas: Alcorcón (45,8%), Getafe (45,9%) e Rayo Vallecano (46,2%). Os maiores valores para os clubes das cinco maiores ligas foram registados para o Bayern de Munique (62,0%), Olympique Lyonnais (61,5%) e PSG (60,7%).

No que diz respeito à Liga Portuguesa (51.9%), é quase que assustador o facto de percebermos que se joga pouco mais do que uma das duas partes de cada jogo. A equipa com maior TUJ foi o S.L. Benfica (57.1%) e com o menor foi o C.D. Aves (49.5%). Não posso deixar de referir que me surpreende a posição do F.C. Famalicão (49.9%) e C.D. Santa Clara (50.3%). Por outro lado, embora pareça, mas não me surpreende, o facto de Os Belenenses Futebol, SAD (54.8%) e S.C. Portimonense (53.4%) terem alguns dos valores mais elevados, pois se recordarmos a forma de jogar dos seus Treinadores de então (Silas inicialmente e Pedro Ribeiro depois, assim como António Folha respectivamente), que com mais ou menos sucesso, para mim, eram Treinadores que tinham uma visão muito positiva sobre o jogo no sentido de privilegiarem um jogo aberto e com poucas pausas.

Também uma nota de destaque para os valores apresentados pelo atual Campeão Nacional, F.C. Porto (51.2%), que também me parecem mais baixos daquilo que se esperava, pelo que juntando aos valores de outros clubes já mencionados leva-me a questionar: Será que a postura dos seus adversário têm interferência nos valores finais? Isto é, será que os adversários do F.C. Porto promovem mais pausas que o que é regular? Este é um tema para ser debatido e mais explorado, visto que os Treinadores das equipas, denominadas “Grandes”, são os que mais queixas apresentam relativamente a este assunto em particular.

Posto tudo isto, resta-nos refletir sobre as condições do atual panorama do Futebol Português, pois convém não esquecer que este é o País CAMPEÃO DA EUROPA de Futebol, pelo que o exemplo acima de tudo deve partir de nós, ou pelo menos deveria. Recordo uma frase muitas vezes mencionada pelo meu Querido Professor, José Neto: “A recompensa de um trabalho bem feito, está na oportunidade de o repetir”, por isso, se queremos voltar a festejar um título dessa magnitude, haverão certamente alterações que devem ser feitas. Mais importante do que lamentar estes dados é encontrar soluções para este problema. E não vale a pena estar à procura de culpados, porque todos os intervenientes directos podem e devem fazer mais do que têm feito para mudar este panorama.

Sugestões?

  • À Liga, em primeiro lugar, deve ser responsável por este tipo de estudo, para que os Clubes face aos resultados tomem algumas providências, pois quem tem voz na Liga são os Clubes;
  • Aos Árbitros, pode sugerir-se que deixem jogar mais, que não compactuem com aqueles que retardam o jogo, seja de que minuto for as sanções disciplinares devem surgir desde cedo se assim se justificar e, claro, o tempo de compensação deve deixar de ser o comum, se há razão para que seja superior, que assim seja. Em situações de quedas constantes no relvado, como é evidente, um Árbitro não pode nem deve julgar se é ou não uma perda de tempo forçada, pois há várias situações que do nada surgem quedas e posteriormente vimos que havia razão para tal;
  • Aos Treinadores, torna-se importante, como é óbvio, que não incentivem os seus jogadores a terem atitudes que retardem as reposições de bola, que procurem defender os seus resultados dentro daquilo que é a organização tática e técnica das suas equipas, pois aquilo que é defender com 11 jogadores atrás da linha da bola trata-se de um comportamento tático em que muitas equipas se sentem confortáveis, mas não é o mesmo que fazer anti-jogo, pelo que cabe ao Treinador adversário, goste-se ou não, de encontrar formas de contrariar essa maneira de defender;
  • Aos Jogadores, o mais evidente de todos parece-me que são as quedas constantes de alguns guarda-redes, que devem ser evitadas a todo o custo, pois não é agradável e se repararem em vários casos, quando há uma paragem que antecede um lance de bola parada defensiva, muitas vezes surge golo contra ou uma oportunidade clara, no tempo de paragem muitas vezes os jogadores baixam os níveis de concentração, pois entram em diálogos entre si ou até mesmo com adversários e acabam por não estar bem preparados para abordar esse mesmo lance. Um dia trarei esse estudo aqui;
  • Ao IFAB e às demais entidades responsáveis, penso que já surgiu a sugestão de diminuir o tempo de jogo e passando a  parar o cronómetro, à semelhança do que acontece em algumas modalidades. Parece-me uma sugestão válida, no entanto, se essa sugestão se tornasse real, tenho a convicção que no futuro a “acusação” passaria por dizer que os adversários quebrariam em demasia o ritmo de jogo quando a equipa prejudicada estaria por cima do mesmo.

Muitas outras sugestões podem ser dadas, umas mais viáveis do que outras, sendo que cada interveniente terá as suas de acordo com a função que desemprenha no Futebol, mas acima de tudo, trata-se de uma questão de mentalidade e de cultura. Se passamos a vida a elogiar o estilo inglês ou alemão e como profissionais (sejam Treinadores ou Jogadores), ambicionamos chegar a uma liga assim, convém olhar para esses exemplos e começar a tentar implementá-los nos nossos contextos.

As recomendações futuras passam por ir de encontro ao que referi nas sugestões e elaborar este estudo contemplando as 34 Jornadas e dividindo em fases, percebendo assim se o facto da aproximação do final do campeonato e a definição dos seus objetivos e classificações interfere naquilo que é o tempo útil de jogo, algo que me parece evidente, mas que sustentado em dados concretos é sempre uma mais-valia.

Mais artigos em: https://www.andreazevedocoach.net/artigos-cientificos

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Sobre Zidane 33 artigos
André Azevedo. Treinador de Futebol (UEFA B). Licenciado em Educação Física. Mestre em Ciências do Desporto (Especialização em Alto Rendimento). Experiência como Treinador-Adjunto e Principal de escalões de Formação, assim como Analista, Preparador Físico e Treinador-Adjunto no Futebol Sénior em contextos como CD Tondela, FC Paços de Ferreira e Seleção Nacional de Moçambique, respectivamente.

7 Comentários

  1. Análise interessante. A questão de Portugal ter sido campeão europeu num estilo de jogo bastante defensivo, não foi propriamente o maior exemplo de um jogar mais de posse e promotor do tempo útil de jogo.
    Fica também a dica sobre o gráfico apresentado: exceptuando gráficos de análise de volatilidade (p.e. valor diário de ações…), este tipo de gráfico em que o eixo do yy não começa do valor 0, tende a dar uma perspetiva visual enganosa, porque transmite uma diferença entre as barras desproporcional à real diferença. Por exemplo, o tamanho da barra de Portugal representa 51,9%, e a barra de Espanha 53,3%, resultando num diferença de 1,4%, contudo a barra de Espanha tem quase o dobro do tamanho da de Portugal, dando uma visão desproporcional.

    • Olá Ludwig! Antes de mais, agradeço-lhe o comentário e digo-lhe que entendo a perspectiva e é claramente uma questão de interpretação. Não creio que seja errado, entendendo a visão e aceitando que poderia também realmente ser feito dessa forma. Fica registado para uma próxima! Um Abraço

    • Olá Carlos! Deixe-me agradecer-lhe a correção, embora não aponte em qual dos contextos a palavra “torna-se” está errada, no entanto já tive a oportunidade de confirmar e realmente tratou-se de um lapso na transcrição do texto para este WebSite. Fico feliz por haverem pessoas eruditas capazes de estarem atentas ao detalhe, pois será sempre no detalhe que se fará a distinção entre os “Muito Bons” dos “Excecionais”. Parabéns! Um Abraço

  2. Boa tarde,

    primeiro deixe que lhe diga que fiquei muito satisfeito com o estudo feito. Sou também cientista de dados e aprecio tal abordagem.

    Já agora uma dica, se existir uma diferença acentuada entre o TUJ das equipas deveria utilizar a mediana e não a média.

    Gosto de futebol mas não sou estudioso da matéria mas gostaria de dizer o seguinte:

    Visto que todos sabemos que “correlação não é causalidade” o que se pretende inferir ao estudarmos o TUJ: qualidade de jogo? rendimento?

    outras constatações/questões:
    – A nossa diferença é de 3% da média, é assim tão relevante?
    – A liga espanhola que tb está abaixo da média tem das melhores equipas do mundo e as que mais tem tido sucesso nas competições europeias nos últimos 10 anos (penso eu)
    – podemos concluir que em todos os campeonatos referidos o TUJ é inferior a 60% e superior a 50%. Acho que a diferença estatística no que concerne à qualidade de jogo não é relevante. É a minha opinião, não é uma conclusão estatística.
    – Se o estudo fosse direccionado para a capacidade de investimento das equipas da liga, teríamos resultados assim tão diferentes?

    abraço,
    JH

    A

    • Olá João! Muito obrigado pelo seu feedback, no entanto permita-me que o corrija, pois eu não sou Cientista de Dados, apenas um Treinador de Futebol que gosta de olhar para os dados e tentar perceber de que forma eles nos poderão ajudar em casos práticos, pois acredito claramente que no Futebol em particular a Teoria de nada serve sem a Prática.
      Concordo claramente que correlação não é causalidade, mas, não têm necessariamente de serem dissociadas na minha opinião, pois o TUJ pode estar associado também à qualidade de jogo ou rendimento (ou falta deles). Quero com isto dizer que, o facto das equipas poderem optar por uma diminuição do TUJ pode estar relacionado com o facto de não encontrarem argumentos dentro de campo para superar os adversários recorrendo somente às dimensões do jogo (Tática, Técnica, Física e Mental).
      Penso que há também algo que nos distingue dos demais, a grande diferença de orçamentos que encontramos na nossa Liga e daí não haver tanto sucesso quanto o que gostaríamos.
      Parece-me relevante e mais importante tentar perceber como podemos superar as dificuldades a nível interno para depois nos projectarmos a outros níveis.
      Não quero dizer contudo, que a nossa Liga só não é melhor devido ao TUJ, no entanto, acredito que há uma junção de factores que contribui para isso e enquanto não começarmos a tentar melhorar gradualmente cada um deles, não iremos conseguir elevar o nível do nosso Futebol. Um Abraço

  3. Não me parece um tema assim tão relevante (diferente de interessante) – ainda que obviamente existam jogos em quase todos os campeonatos onde se joga muito pouco por razões controláveis (excesso de faltas, árbitros picuinhas, estratégias de irritação do adversário) – e achei curioso que as cinco primeiras ligas com mais tempo útil de jogo sejam todas claramente menos competitivas do que a liga portuguesa (e talvez também com ideias menos evoluídas/equilibradas tacticamente, mais focadas em atacar e marcar golos – talvez seja interessante comparar as médias de golos por jogo com o tempo útil de jogo). Ou seja, se calhar o debate é mais sobre o que os atletas fazem em campo com e sem bola, independentemente do tempo útil de jogo.

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