Este futuro não é para sonhadores

In the February 16 issue of Newsweek (on newsstands February 9), "We Are All Socialists Now," Newsweek Editor Jon Meacham and Evan Thomas observe that the America of 2009 has become a more socialist country, and the shift began not under a Democrat but a Republican. Plus: how the United States is turning European; the draw of gangs in L.A.; the blackberry president; why Americans don't hate the rich; and an interview with the Prime Minister of Pakistan. (PRNewsFoto/NEWSWEEK) (Newscom TagID: prnphotos078747) [Photo via Newscom]

Muito provavelmente alguém, em cada década, imaginou que o seu sistema se tornaria hegemónico. E por sistema entenda-se um sistema ideológico que permita ter o Mundo físico debaixo de controle. A regra é simples: se entendermos o Mundo, podemos controlá-lo; e se o controlamos podemos colocar os nossos medos numa gaveta bem funda, bem longe da mente linear, onde eles não nos podem atemorizar. O sonho já vai longo e podia ser explicado por ideologias sociais ou políticas (se quisermos) mas como a dualidade se mete em tudo – e é de futebol que aqui falamos – não deverá ser difícil entender que a um sistema ideológico rapidamente outro lhe fará oposição – dada a naturalidade da procura da hegemonia por parte de duas (ou mais) elites. Assim nascem ciclos e assim (um pouco ao pontapé) nasce a evolução. E, aparte de apegos estéticos, é mesmo esta tensão e este desejo pelo protagonismo numa determinada área, que faz com que se evoluam sistemas. O que não faz, por muito que se continue a desejar e a sonhar, é que um sistema de ideias de 1920, 1960, 1980 ou de 2010, prevaleça no tempo e no espaço. Isto porque a única certeza que poderemos ter é mesmo a efemeridade, e não-durabilidade, das coisas no espaço físico (mas também) mental.

Obviamente que esta realidade gerará no criador uma espécie de inconformismo. Talvez até o mesmo inconformismo que o levou à criação da ideia. Mas quando a vê parar no tempo, o reflexo, acto contínuo, é a de arranjar um, ou vários, bodes expiatórios. Aceitasse ele, entretanto, que a falência de uma ideia no plano físico não é um erro do plano físico mas sim um desajuste da ideia em relação à nova realidade, e talvez o caminho da (sua) evolução fosse mais rápido e menos atribulado. Não se metesse o ego pelo caminho (e com ele o medo de não ser validado ou reconhecido pela competência) e talvez o apego a um sistema de ideias não fosse assim tão importante para o criador. Talvez a forma de arranjar a nova ideia que se ajusta à realidade fosse o mais importante – algo impossível de acontecer quando ainda estamos apegados e em modo scapegoat ao velho sistema que nos deu sucesso temporário.



Ninguém noutra década adivinharia o futebol de hoje em dia. Como alguém que aparecesse com um smartphone em 1980 não encontraria correspondência directa com os presentes da altura, o caminho evolucionário faz-se passo a passo, ou seja, terá de pegar forçosamente de algo da época e fazê-lo evoluir à medida da consciência geral e vigente. Do mesmo modo que o tiki-taka de hoje é uma evolução em relação a tempos passados, também o catenaccio evoluiu para se defender do hegemónico tiki-taka que, por sua vez, havia evoluído para atacar a hegemonia das equipas que se fechavam mais que abriam. Esta é uma velha batalha que no futuro se eclipsará quando se reconhecerem pontos de verdade nos dois. Já hoje, até, surgem novas correntes que não apoiam num só pólo, e que são capazes de reconhecer valências nos dois. E dados os quatro momentos do jogo corrido, e a necessidade de destapar para criar com a necessidade de tapar para impedir a criação, será natural que o jogo comece a deixar de prestar atenção a um só pólo e a focar-se na globalidade. Afinal de contas já vai velha a história (quase tão velha como os vendedores da banha da cobra) da Fonte da Juventude, ou do Santo-Graal, eternos prometedores de sucesso infinito. A perfeição é o próximo passo (e assim sucessivamente). E o próximo passo dá-se forçosamente sem medo da imperfeição, sem medo da derrota, sem medo do julgamento, sabendo que os roteiros à Hollywood não perduram no tempo, nem servem para futebol.



Alguém que repare nestas diferenças subtis já reparou nas dificuldades que, por exemplo, Pep Guardiola e José Mourinho encontram hoje para se afirmarem. Já reparou que por mais alguns anos (esperamos nós) que Messi e Ronaldo desafiem a Lei, os dias começam a estar contados. Assim como já repararam que por mais que Porto e Benfica bradem por hegemonia, a necessidade de reinvenção está sempre presente. E isto serve para dois pólos. Dois pólos que têm defensores de um lado e de outro, defensores esses que garantem que um deles é que é a Verdade absoluta, que um deles é que é o Bem, e que um deles é que é o Mal. E, no entanto, estão sempre os dois condenados ao declínio, dadas as forças que sempre se lhes opõem – ou então, estarão sempre condenados à transcendência e à reinvenção para não ficarem (tão sujeitos) a essas forças.

Fora dos lugares-comuns surge hoje, Jurgen Klopp e o seu Liverpool. Não o conotariam com posse, não o conotariam com autocarros, não o veriam encostado a um canto da sala a perder a energia para defender uma ideia. Não o encontrarão a sonhar que cada ataque seu dá um golo e que a sua defesa não pode dar casas. Primeiro porque sabe que há um lado de princípios e valores priceless e que essas ideias estão dependentes desses para se tornarem hegemónicas. Vezes sem conta se tentaram reproduzir (para não dizer plagiar ou imitar) ideias sem o mesmo sucesso das originais, mas às quais faltam esses valores, essa energia, essa vibração, essa base por detrás. Não é seguro que a melhor ideia (se ela existisse) ganhasse sempre, é até possível que a melhor ideia perca para um grupo de rapazes com vibração competitiva superior (chamemos-lhe assim porque alguém de certeza vai entender), daí que essa procura pelo elevar dessa vibração seja preocupação constante em todos os All or Nothing que podemos encontrar na Amazon Prime (inclusive o do Manchester City).



Assim, a próxima batalha constante dos treinadores (como se já fossem poucas) não se travará tanto nos quadros tácticos (mesmo não os deixando de parte, obviamente) mas sim na mente dos jogadores, tentando perceber se os seus corpos de identidade, mentais ou emocionais lhes permitem estar a um alto nível físico para desempenharem não só a dificílima função de quebrarem redes tácticas (com e sem bola), como também libertarem a criatividade para lá do que vêem os ideológos que parecem ter um comando de PlayStation na mão sempre que analisam o jogo. Um trabalho que se começa agora a fazer (ainda que com o seu quê de arcaico) mas com um longo caminho a percorrer na remoção de dúvidas ideológicas e mentais que afectam a emoção e físico dos jogadores. E já que elogiámos Jurgen Klopp ao longo do texto, fica a pergunta do porquê da derrota contra o Atletico Madrid na última edição da Champions League. Não era uma ideia superior? Não eram jogadores e treinador superiores? Não considerou toda a análise o resultado como sendo uma injustiça, sendo que uma equipa rematou 35 vezes (12 enquadrados com a baliza) só marcando dois golos? O que fez com que naquele jogo específico, com aquela contingência e importância específica, a melhor equipa, os melhores jogadores e o melhor treinador não tenham conseguido o melhor grau de eficácia? Criticar o Atletico pelo estilo ou cor do cabelo, é não querer saber a resposta que fará evoluir a análise para outro patamar. Jogo específico provocará reações (ou dúvidas) específicas. Poderão ter essas bastante influência no momento da finalização? Sendo um redondo sim, a resposta leva-nos até outra questão: como usar esse conhecimento para aumentar a taxa de sucesso?

Já és nosso Patrono? Já somos mais de 400 ❤️?⚽️
Por 1$ mês acesso a conteúdo exclusivo:

7 Comentários

  1. Acho que percebi o sentido do texto e não posso deixar de concordar com a perspectiva dialéctica, mas tenho que ressalvar duas “notas”:

    – Não sendo um especialista em epistemologia ou filosofia e/ou a história da ciência/conhecimento, tenho para mim que mais que uma constante evolução, o conhecimento não se desenvolve linearmente (“saber” em cima de “saber”, como uma casa que se constrói com tijolos sobrepostos) mas antes com processos revolucionários, por vezes violentos, que abalam e destroem as fundações do conhecimento acumulado e lhe abrem novas estruturas onde nasce novo conhecimento. Assim, o “Tiki Taka” foi revolucionário, como antes os Hungaros, ou o Catenaccio que obrigaram e conduziram a novas avenidas do conhecimento táctico do jogo, com implicações em todos os níveis do pensamento teórico e prático sobre o futebol, seja na componente técnica, no treino, no jogo, na preparação, na análise do mesmo;

    – Sobre os documentários do “All or nothing” e a prevalência da “Vibração”, pergunto-me se não será decorrente de opções editoriais. Não vemos nada do treino táctico ou das ideias de jogo de Mourinho no documentário sobre os Spurs. Ouvimos falar de emoção e estórias sobre a sua relação pessoal com os jogadores e as reacções deste, mas nada ouvimos do trabalho técnico-táctico que é feito. E como falamos dos melhores treinadores, só posso considerar que tal foi deliberado, por opção editorial.

    • Alô, JMJ

      Sim, concordo com os dois pontos que apresentas.

      Sobre a evolução compreendo duas hipóteses de a mesma acontecer. Sendo o salto revolucionário uma delas (e até a mais evoluída daí ter dito no texto que a outra acontece mais a pontapé sendo criada pelos dissabores e necessidade de mudança).

      Concordo também com o argumento das opções editoriais, sem esquecer que a tal base de sentimento está constantemente a ser pedida pelos treinadores em todos os documentários.

      Grande abraço

  2. Melhor texto de sempre!! Incrível como as pessoas não entendem que, na vida, quando surge uma tendência, logo surge um movimento que o contraria, e como é assim que a humanidade evolui. Parabéns!!

      • Sim. Dá. Especialmente para tentar expor que todas as teses e antíteses que andam por aí são tão falíveis e duradouras como a próxima.

        Mas também não é objetivo do texto criar uma área cinzenta e dizer: esta é que é. Achei um exercício interessante escrever sobre a permanência, ou falta dela, dos sistemas (não só em futebol).

        Abraço

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*