Um Lech para Darwin

Relativizar pode nem sempre ser solução, mas a verdade é que se nos lembrarmos que daqui a 300 anos tudo o que conhecemos hoje será tido como primitivo e rudimentar, talvez a análise futebolística que hoje nos enche olhos e ouvidos arranjasse um balanço menos impiedoso e cheio de si. Não diria que o SL Benfica de Jorge Jesus precise de 300 anos para deixar de fazer coisas primitivas e rudimentares (como ficou bem patente esta quinta-feira na Polónia) mas ganhariam os adeptos e paineleiros se à ambição lhe somassem o tempo necessário a que elementos de qualidade inquestionável se possam mesclar com elementos de rendimento, por agora, extremamente duvidoso. É que se nos lembrarmos também que a juntar-se à falta de apetência defensiva de Grimaldo estão hoje Otamendi (que parece ter desaprendido todas as referências para comandar uma linha defensiva), Vertonghen (não propriamente conhecido por acabar jogos com imaculado registo defensivo) e Gilberto (mais preocupado em não ouvir Jorge Jesus do que jogar futebol) rapidamente nos lembraremos também que a ambição desmedida que faz sombra a este novo Benfica é, para já, totalmente desfasada da realidade.



E se culpas no cartório houve para Jorge Jesus na sua inebriante apresentação, o técnico não se tem cansado de meter agora água na fervura, mesmo depois de resultados e goleadas entusiasmantes e que noutras eras serviriam para lhe inchar o ego. Este ainda não é o Benfica que quero, ecoou por todo o vazio INEA Stadium quando o Lech explorou várias das incapacidades actuais dos encarnados. E se ao princípio o futuro parecia risonho para as águias foi porque, lá está, nos esquecemos de relativizar. E se à passada incrível de Luca Waldschmidt, à matreirice talentosa de Everton Cebolinha e aos serviços visionários de Taarabt, será impossível não augurar uma demolidora transição ofensiva, do lado inverso estão momentos de jogo que tirarão o sono a um técnico com dificuldades em mesclar o seu discurso entre o realista e o inatingível e que, ainda por cima, tem de ver responder a sua equipa em campo em tempo record e quase sem mácula.

Lance do 2-2 e momento da variação de flanco que foi imagem de marca do Lech neste jogo. Do lado de fora, extremos ou laterais iriam ferir um Benfica que se viu várias vezes descompensado



E talvez por fé inamovível na sua ideia, ajustar estará fora de hipótese. Sendo que as referências, por exemplo, da linha defensiva demoram tempo a construir, e que a capacidade dos cinco centrais que tem disponíveis para perceberem todos os timings e triggers que a levam a subir e a descer é deveras questionável (sendo já questionada pelo próprio Jorge Jesus) mandaria a prudência que Jesus arranjasse outra forma de se defender neste exigente início de época. Porém, com toda a experiência acumulada, como por exemplo no seu último trabalho, Jesus sabe que só jogando e errando essa mesma linha se consolidará – não fazendo assim sentido procurar fazer algo diferente daquilo que idealiza como potencial máximo. Mas tal como no início da sua aventura no Fla se nota uma inaptidão gritante que se junta às já conhecidas (mas convenientemente esquecidas na altura da euforia) dificuldades de alguns elementos do plantel.

Extremos do lado da bola tentaram sempre proteger lateral. Com todas as lacunas que foram evidentes tal não foi solução em boa parte dos casos


Não foi assim à toa que o plano do Lech Poznan se centrou em dois pontos fundamentais: nas costas da linha defensiva e no espaço exterior do bloco do Benfica. E se Jesus ainda tentou que Everton protegesse Grimaldo no momento das saídas polacas, foram demasiadas vezes que Grimaldo, Vertonghen, Otamendi&cia não conseguiram perceber o momento de subir ou o momento de descer, ficando expostos em várias situações (como no lance do 1-1, em que Ishak respondeu ao golo de penálti marcado por Pizzi). Já do outro lado, Gilberto (sempre com as orelhas a ferver) foi fustigado com as rápidas viragens de flanco que o deixavam várias vezes no um-para-um ou até um-para-dois – algo que convenhamos deixará por esta altura o brasileiro totalmente exposto.

Ainda assim não falamos de um plano totalmente perfeito por parte de Dariusz Zuraw. Isto porque à realmente impressionante rotatividade do nosso Pedro Tiba e de Moder (e à ganância de quererem estar presentes em todos os momentos ofensivos) libertou-se um espaço importantíssimo para um jogo tremido nunca escapar totalmente das asas da águia. Foi no já citado momento de transição que o Benfica deixou perfume e que poderia, com outra confiança e segurança, partir para outro tipo de exibição mais segura. Mas como Jorge Jesus sempre nos lembrou: o jogo tem quatro momentos mais um. E assim sendo nem o golo de Darwin, ao cair do pano da primeira metade, poderia sossegar um Benfica que ainda coxeia em vários momentos considerados nucleares pelo seu técnico.

Luca impressionante a ligar o jogo da águia descobriu um Gilberto com missão facilitada para cruzar. Superioridade numérica no coração da área


Não será preciso pois sublinhar que a toada da etapa complementar começou de forma semelhante, com os polacos a explorarem superioridades nos corredores, pouco preocupados com a nova vanguarda do jogo interior e corredor central, castigando o Benfica com superioridades exteriores que os seus laterais não conseguiam travar e que os seus centrais não conseguiam acompanhar. Sem surpresa surgiu o bis de Ishak que, ainda assim, acabou por ser uma benesse para a equipa de Jorge Jesus. Isto porque ao esforço assinalável do Lech seguiu-se uma quebra que permitiu levar o jogo para um registo que agradará mais a Jorge Jesus. Benfica em organização ofensiva, com o adversário mais longe de Odysseas e um ritmo que faz sobressair a técnica de Rafa (entrou por Pizzi ao intervalo), Everton e do impressionante pêndulo germânico Luca Waldschmidt. No entanto, com alguns lances para nos deixar em dúvida, o momento Bergkamp da noite pertenceu ao às vezes trapalhão, às vezes contundente Darwin Nuñez, algo que pôde repetir para sossegar as hostes já no fim da contenda e depois do Lech Poznan forçar, desalinhar de novo a defesa do Benfica e criar algum arrepio do qual Jorge Jesus fará questão de lembrar a equipa no regresso ao Seixal.

3 Comentários

  1. Pensei que só eu tinha ficado com a impressão que o Otamendi estava mais “fraco” a defender, afinal parece que não. Poderá ser apenas uma questão física?

  2. Acho incrível como o Gilberto deixa o avançado receber a bola sem encurtar os espaços ou sequer dificultar a sua receção. Tem medo de ser “comido” por ter imensas dificuldades em defender. Se há uma palavra que define a exibição do Gilberto essa palavra será medo.

    Urge a entrada do Diogo Gonçalves na equipa.

    Abraço a todos

  3. Concordo com a análise das fragilidades defensivas, porém seria também importante referirue ambos os golos seriam invalidados se houvesse VAR…

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*