Um Hamache!

Arejada, larga e cosmopolita, é a Avenida da Boavista a do cartão-postal e a que, provavelmente, o Benfica pensou visitar nesta segunda-feira aquando da visita ao Bessa. No entanto, as alterações estratégicas de Vasco Seabra (Boavista apresentou linha de cinco unidades na defesa e não se coibiu de pressionar com três unidades na frente) as alterações estratégicas, diziamos, forçaram o SL Benfica a conhecer a íngreme, estreita e inclinada Rua da Boavista. E quando aos 76′, o lateral Hamache selou o resultado final em 3-0, o trocadilho com ‘amasso’ passou a fazer-se sozinho, naquele que foi o primeiro dissabor doméstico depois da 2.ª vinda de Jesus.

Na mente dos adeptos, a grande ilusão da permanência, de um estado de coisas que se prolongue infinitamente no tempo, é bem capaz de ser o erro mais comum nas apreciações, no fabricar de expectativas e na derrocada de cenários. À partida para o jogo do Bessa, o Benfica voava alto nas antevisões, ajudado, claro está, pelas derrocadas sucessivas do maior rival dos últimos anos. Mas qual self-fulfilling prophecy, Jorge Jesus lembrou que o que tem acontecido ao FC Porto podia muito bem acontecer a Benfica e a Sporting no decorrer de uma longa maratona. Isto porque com anos e anos de futebol ao mais alto nível, Jorge Jesus não pode pensar como um adepto. E ainda que às vezes goste de meter gasolina na euforia, os sinais que esta nova equipa lhe tem dado não são os suficientes para meter as mãos no fogo e declarar o arrasamento total que dela os adeptos esperam.

Darwin foi a solução procurada para explorar a profundidade sendo que entradas vindas ainda mais de trás poderiam oferecer mais eficácia. Everton, Luca e Pizzi não têm essas características.



E o cair na realidade fez-se com dedo de alguém que tinha a corda na garganta. Talvez por isso Vasco Seabra tenha tido Einstein em conta e não esperasse resultados diferentes sem fazer coisas diferentes. Foi assim, com o livro da estratégia na mente, que Vasco desenhou o jogo para encontrar as dificuldades encarnadas. E foram elas: muito erro na saída-de-bola (erros esses forçados pelo trio da frente boavisteiro), e muita hesitação e dúvida na organização ofensiva (criada pelo híbrido 541 e 523 que Seabra desenhou em organização defensiva para aproveitar como desse mais jeito aos axadrezados). Não surpreendeu pois que sobrasse pouco para aproveitar às águias, sendo que o plano mais evidente para combater as já referidas lacunas passasse por tentar aproveitar as costas de uma linha defensiva muito preenchida mas também muito subida no terreno – factor que se tornou fundamental para que o Boavista nunca deixasse de procurar a vitória, ao mesmo tempo que se defendia e neutralizava os ataques do Benfica.

O Boavista vai sair de uma posição extremamente difícil para chegar ao 2.º golo. As tabelas sucessivas vão encontrar espaço nuclear que Gabriel poderia ter tapado, não fosse ele surpreendido pela qualidade com que o Boavista saiu da teia encarnada

Pouco sucesso teve então o jogo-directo que se apoiou mais em Darwin do que devia (ele que ainda introduziu a bola na baliza, depois de um bom trabalho entretanto anulado por 118cms em fora-de-jogo). A chave talvez pudessem ser entradas de zonas mais atrasadas (com Luca, Pizzi e Everton a serem ineficazes nesse aspecto e com Taarabt a não poder fazê-lo por não poder ser lançador e lançado). No meio da indefinição e dúvida do Benfica emergiu então um Boavistão sob a batuta de Angel Gomes (que ganhou e bateu o penálti que fez o primeiro e ainda assistiu Elis para o segundo). A perder por dois, e na retoma, Jorge Jesus deu um desenho mais arrojado tornando um 442 em algo capaz de, finalmente, prender o Boavista às cordas. Porém, as entradas de Rafa, Weigl, Seferovic e, depois, Cervi e Diogo Gonçalves (alterações que visavam sobretudo maior critério na saída e maior verticalidade no meio-campo ofensivo) nunca tiveram o condão de prender totalmente um Boavista que mesmo em organização defensiva deixava Paulinho à espreita nas transições. E se em algumas saídas o peso na área ficou curto, aos 76′ – já com o Benfica em pleno desacreditar – a subida à área do lateral-esquerdo Hamache deu a estocada final. Isto num fim-de-semana em que Boavista e Paços de Ferreira fazem acreditar que a competitividade na Liga poderá, e deverá, ser maior. E ainda que os dissabores que possam causar às maiores massas adeptas façam correr muita tinta e muito devaneio, este é o caminho para se corrigirem erros que só se vêem na Europa. Tendo uma Liga onde esses erros são castigados é meio caminho para eles serem corrigidos antes dos insucessos europeus que tanta expectativa matam. Que o diga o Benfica que nas últimas épocas tem visto contestações ao nível das melhores hipérboles por ficar aquém na Europa. E não havendo boas alturas para perder (um mal que ainda assim deixa o Benfica a cinco pontos do FC Porto) será bom Jesus tomar nota de erros que equipas como o Rangers costumam aproveitar.

4 Comentários

  1. Por norma, gosto de ver as equipas de JJ defender (não estou a falar no número de golos sofridos, mas do processo que permite muitas vezes que com menos pareçam mais), mas neste caso parece-me haver um falhanço em toda a linha e o argumento de ser uma linha de quatro composta por jogadores novos parece-me insuficiente para explicar tal descalabro. Até admito que o facto de serem novos (sem rotinas, entenda-se) pode prejudicar os mecanismos e a articulação entre os jogadores, mas a atitude de “somos quatro e estamos aqui à espera que venham e depois logo se vê” é demasiado amadora. É a minha opinião. A pergunta que coloco é: o que mudariam na abordagem e essa mudança envolveria a troca de quantos jogadores do quarteto defensivo?

  2. Interessante também o posicionamento do Chidozie algo solto da sua posição de central do meio aquando da saída de bola do Benfica. Ao longo dos 90m a sua posição média foi tão alta como a do Show, libertando Reisinho para o apoio aos da frente. E Reisinho – atenção ao miúdo – interceptou algumas ligações encarnadas, libertando depois com critério. Grande jogo do Boavista na primeira parte. Na segunda teve mais dificuldades, mas sem perder segurança e sem deixar de ameaçar.

    Raro ver uma equipa defrontar um grande, ver-se a ganhar por 2-0 e ir em busca de mais golos. Isto para uma equipa que parecia ter um ADN Lito Vidigal….

  3. Sem dúvida alguma, temos que elogiar a exibição do Boavista que soube aproveitar a má forma do Benfica.

    Quando falo em má forma, refiro-me a forma física e psicológica. Física porque claramente, o Boavista sabia que o Benfica a jogar de 3 em 3 dias ía estar muitíssimo desgastado, ou seja, levaram o jogo para o campo da fisicalidade (por vezes excessiva) e ganharam cada duelo. A forma psicológica começou a sentir-se após o golo (bem) anulado. Os jogadores sentiam que o jogo estava difícil, o próprio Jesus sentiu isso e não colocou tanta pressão a partir do banco, o Gabriel começa a falhar passes, os defesas começam a complicar com a bola, os avançados Darwin e Waldschmidt não conseguiam vir ajudar à construção sempre muito pressionados, o Everton estava de rastos (já devia ter ficado no banco contra o Standard – recordar que o jogador não teve férias e joga sempre pela seleção) e o Benfica não conseguia explorar sequer as costas da defesa do Boavista por falta de pernas. O próprio Darwin pareceu mais lento que o costume e o Waldschmidt não fez 1 único movimento de ruptura.

    E com isto, surge 1 penalty cometido pelo extremo esquerdo, completamente fora da sua posição num momento de desconcentração total.

    Quando o Benfica reage e tenta ter bola, surge um segundo golo numa jogada toda ao primeiro toque, porque simplesmente os jogadores do Benfica não conseguiam acompanhar o ritmo dos jogadores do Boavista, que pressionaram intensamente durante maior parte do jogo.

    O Jesus desde logo se apercebeu que a equipa não estava a ter pedalada para um jogo com aquela intensidade, o no final fez mea culpa dizendo que “devia ter mexido mais”.

    Passou muito por isto. O Benfica sendo uma equipa altamente pressionante e que joga num ritmo elevado, sente dificuldades para recuperar de jogo para jogo porque exigem muito do físico dos jogadores. O Jesus apercebeu-se disso, tarde, mas apercebeu-se. Ou seja, perdemos este jogo no campo físico da questão.

    Não entendi como é que ele não viu o Everton a arrastar-se em campo nos últimos minutos dos últimos 2 jogos. Como é que não viu um Rafa em excelente forma física conseguir mudar o jogo a cada toque que dá na bola e deixá-lo no banco. Um Waldschmidt a precisar de descanso, que já contra o Standard desceu de rendimento e sendo ele um jogador com problemas com lesões no passado, não perceber que se encontrava em risco. Não viu que os nossos centrais têm mais de 30 anos e são os mais utilizados no plantel. O próprio Darwin desceu de rendimento porque já não “morde calcanhares” como fez noutros jogos. Já para não falar de que Taarabt nos últimos dois jogos pareceu sempre demasiado relaxado, assim como Gabriel que falhou passes constantemente.

    Acredito que contra o Rangers hajam mudanças profundas do meio campo para a frente. Quanto aos defesas, é dar-lhes mais folga que o habitual.

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