Cyberpunk 2330: As 199 Escolhas

O ano é 2330 dC. Na sala onde decorre uma das aulas de história estão 4 alunos, escolhidos especificamente para ali estarem porque manifestaram apetência, interesse, desejo sobre vários tópicos dos séculos XX e XXI. Tópicos largamente ultrapassados mas que podem oferecer pistas em relação à situação em que o planeta Terra se encontra nessa altura. Não porque alguma teoria, conceito ou sistema medieval os possa ajudar, mas porque olhando para civilizações anteriores se encontram mindsets universais que estagnam sociedades. Assim, não seria a gritante desigualdade económica (onde uma elite cria uma economia artificial que gera dinheiro a partir de juros) que salvaria a Terra do futuro. Pelo contrário, esse, em 2330 era já um assunto ultrapassado e em relação ao qual os quatro alunos não conseguiam conter o espanto. Como é que uma sociedade que se dizia evoluída deixa que grande parte da sua populaçao viva em constante falta e em constante dívida gerando riqueza para um grupo?, questionavam.

Não seria também a distribuição (ou falta dela) da energia que alimentava os meios de transporte ou os meios de comunicação da altura que lhes despertava interesse, pois na sua civilização nada ficaria sem energia, à qual todos têm acesso gratuitamente pela simples razão de que se as àrvores e flores não pagam pelo sol e pela chuva, porque razão haveria alguém de se ter apropriado de um meio e necessidade comum para taxar e enriquecer? Tudo isso, em 2330, está largamente ultrapassado, como estão as barreiras físicas que tantos estorvos causaram em séculos passados. Isto pelo reconhecimento de que a humanidade básica não é física. Isto é, não é a característica física que define o ser humano. E foi a descoberta de que na sua essência o ser humano não é físico, não é emocional, não é mental e não tem qualquer tipo de identidade pré-definida no seu core, que levou ao romper das barreiras físicas para o salto quântico que foi reconhecer que o estado puro dos humanos é um quadro transparente – mas que no Mundo físico eles escolhem papéis, vestem a pele, a identidade, que desejam para compreender e experienciar o Mundo desse prisma, desse ponto de vantagem.

Nada em 2330 é duradouro. Nenhuma condição é inevitável pelo reconhecimento de que a identidade velha pode ser substituída pela nova. E que toda a estagnação das velhas ideias, das emoções mais carregadas e das maleitas físicas, é deixada para trás quando se escolhe o novo, o mais, o que vamos ser e não o que fomos. Visto e revisto está o efeito que as escolha das identidades, ideias tem nas emoções, e o efeito que essas têm no físico. Escusado será dizer que, sabendo disso, o medo não tem lugar. Tudo é experimentação e castelos de areia que podem ser desfeitos para dar lugar a algo melhor. Mas estes quatro curiosos quiseram saber como era viver no tempo em que o medo imperava e em que o desconhecimento da relação identidade/mente/emoção/físico impedia as pessoas de fugir à 2.ª Lei da Termodinâmica (um espaço fechado implode). Sim, as identidades da altura eram criadas baseadas em sistemas fechados. És como és e morres assim era quase a catchphrase da altura, sendo que a resistência à mudança foi identificada pelos quatro como a causa de todo o conflito. Isto porque o orgulho e o querer alimentar a ilusão de que há seres especiais e com direitos especiais fomentou a criação de ideias e sistemas que essas gerações tomaram como imutáveis. E no dia que esses quatro aprenderam essa lição houve estupefação em 2330. Uma sociedade que precisava de queimar os seus recursos, que precisava de poluir os seus mares, que deixava uma enorme fatia dos seus irmãos morrerem à fome… uma sociedade, dizia, que demorou tempo a acordar para a verdade de que jamais uma ideia será somente um circuito fechado sem direito a expansão, principalmente quando essa mete em causa o bem-estar de quem vive no planeta. E foi transcendendo essa mentira e encontrando um equilíbrio que as coisas começaram a mudar.


E revisitando o início do século XXI os quatro depararam-se com um marco importante em relação a essa mudança. Sabendo que ela não aconteceu drasticamente mas sim em pequenos incrementos, em várias áreas da sociedade, aqui e acolá, foi um estranho acontecimento no ano 2000 que lhes captou a atenção. Iludidos pelo físico e pelos números, o scouting das melhores equipas da NFL escolheu, no draft desse ano, 199(!!!) jogadores antes do jogador que marcaria a geração seguinte ter sido pescado pelos New England Patriots. Para muitos o melhor de sempre, para muito o melhor da sua geração, Tom Brady foi o objecto do estudo daquele dia porque décadas mais tarde, o foco do scouting viraria do físico para a identidade, muito por causa de histórias como a de Tom Brady.

Franzino, fraco, lento, e com um braço assim-assim, foi como vários dos relatórios de scouting da altura descreveram Brady. Mas então como é que o californiano Thomas Edward Patrick Brady Jr. se haveria de tornar a lenda que em 2021 ninguém questiona? E a resposta surge porque, já o dissemos, o scouting medieval não conseguia identificar reações a novos cenários. Não existia medição mental ou emocional e tudo era um tiro no escuro, sendo que nesse mesmo draft, em 2000, foram escolhidos seis quarterbacks antes de Brady. Todos eles mais atléticos, todos eles com melhores números, todos eles com melhores perspectivas. Mas, um por um, todos eles falharam. E falharam porque a reação à NFL apanhou-os (a eles e a todas as organizações) de surpresa. A identidade dos seis, ao contrário da do lento e fraco Brady, não conseguia agir com os melhores. Conseguia apenas reagir e… mal. A falta de apetência naquele círculo tornou-os mais lentos, mais fracos, menos ágeis, enquanto que Brady espalhava todo o seu conforto naquele habitat. E esse conforto permitir-lhe-ia agir, criar, ver tudo antes dos outros naqueles cenários específicos que geraram burnouts aos outros seis.

Ainda assim o fenómeno de Brady foi visto como especial. E esse foi um erro que os quatro alunos identificaram, graças à tecnologia com que cresceram. Tecnologia essa que, claro está, nasceu das ideias da altura. Ideias que fluem e que não estagnam (tal como a interminável fonte de energia gratuita à qual têm acesso). E foi aplicando essa ideia de transcendência que, décadas mais tarde, o jogador não-apto não receberia guia-de-marcha no imediato. Depois de exaustivos testes seriam identificados os bloqueios na identidade, na mente e nas emoções que afectariam a performance física. Após o diagnóstico os jogadores seriam acompanhados num processo que os faria transcender as dúvidas, os medos, as emoções que os bloqueavam no terreno de jogo, podendo aí ser livres para libertar a sua criatividade agindo e não reagindo. O que tornou os desportos muito mais imprevisíveis, muito mais abertos e muito menos dependente de sistemas fechados criados por treinadores com medo de perder jogos. Algo que melhorou também a economia dos clubes e o mercado de transferências pelo facto de um jogador que não rendesse ter agora meios para identificar e transcender a sua psicologia, ao invés de ser abandonado como algo imprestável. Foi o desporto, com todos os seus recursos, que começou a expansão que levaria a 2330, onde o erro passou a não fazer parte da identidade humana, onde a doença e a lesão deixou de ser definitiva. Com a ajuda dos fenómenos desportivos, o melhor e pior, o mau e o bom, o definitivo, o absoluto passaram a deixar, gradualmente, de ser parte do vocabulário e consciência para passarem a ser ações que poderiam ser refutadas pela escolha de outras melhores, naquela que seria considerada como a Era da Transcendência, que levou à nova Idade de Ouro. E pensar que em 2021 haja alguém que ache que o seu é o único e melhor caminho. Daqui a 3 séculos alguém saberá o que é o tiki-taka ou o catenaccio? Experimente-se olhar para o futebol de 1930, para se ter uma ideia do ridículo que é hoje alguém defender algo como super-evoluído ou indiscutível. Mas essa será uma conversa para outro dia… ou século.

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