
Hoje, venho falar-lhe de uma história de amor. Um amor interrompido, de forma abrupta, e sem sinal ou data de retoma. O amor entre o jogador e o jogo. O amor mais belo e que a todos nos une. No futebol jovem, desde há um ano, sobram balizas e falta a essência: o golo, o festejo, a vitória. E o que ficou? E os que ficaram e, mesmo com a erosão do tempo, vão resistindo à mais fácil das soluções: o abandono.
“A adaptação dos microciclos é uma constante e o trabalho em especificidade não é muito fácil de tolerar pelos jogadores. Impera, de forma exponencial, a parte lúdica e o jogo puro e duro”. Foi isto que começou por me explicar um grande amigo, dos melhores que o futebol me deu, e que hoje treina – ou tenta treinar – uma das mais importantes e históricas equipas do País, no escalão de sub-19 (juniores).
Estamos, então, a viver uma realidade paralela que parece reproduzida de uma daquelas fábulas que nos contaram em criança e que são ensinamentos de uma vida. Talvez a mais popular seja uma que, julgo, todos conhecerão: a lenda da cigarra e da formiga, cuja moral da história demonstra a importância do trabalho e da determinação da formiga, que trabalhou no verão para juntar no inverno e com isso recolheu dividendos, por oposição ao relaxamento da cigarra, que só queria cantar ao sol de veraneio.
Transpondo este conto para a realidade que se vive, atualmente, no futebol jovem, subsiste uma questão. Quando será que saberemos que termina o verão e começa o inverno. Onde está o objetivo nesta linha de horizonte, sem fim?
E responde-me o meu amigo, “nesta fase tenho tentado passar aos jogadores uma mensagem muito simples, assente em duas características/atributos fundamentais: uma é a resiliência, para que consigamos manter os padrões das categorias específicas (física, técnica, tática e psíquica) e a outra é a superação, para continuarmos a fazer este caminho, mesmo sem o propósito da competição.”
Concluí que o futebol jovem já foi rasgo, virtuosismo, adaptabilidade, magia e fair-play. Hoje, são precisos muito menos atributos para se sobreviver num futebol sem a adrenalina da competição. Hoje, o que se pede às direções, staff e jogadores do futebol de formação, é apenas que continuem a caminhar. Mesmo que sem um sentido ou um horizonte temporal previamente definidos. Muitos já desistiram. Quantos mais se lhes seguirão?
Fixado nesta ideia de caminho sem um propósito e no paradoxo que ela contém, penso no meu amigo, que treina há mais de uma década e agora não pode competir, inserido no melhor e maior clube que a sua carreira de treino lhe trouxe. E nos miúdos, muitos deles no último ano de futebol jovem. Como será o futuro?
E riposta o mister, “é inevitável, isto veio provocar o corte no trajeto de muitos jogadores… se há um ponto convergente a todos aqueles que estão ligados ao desporto, é a convicção de que se torna urgente a retoma da “normalidade” na formação.”
Enquanto essa normalidade não volta, sou eu que lhe peço, caro leitor: se puder, fique em casa.
Por mais golos e menos campos em que sobram as balizas e falta a emoção. Ajude-nos a retomar esta história de amor há tanto, demasiado tempo, interrompida.
Muito bom.
Lembro um grande treinador que conseguia manter os padrões dos microciclos de forma também muito específica, em categorias muito bem definidas, “para que”, “então”, o paradoxo da época fizesse sentido. Como? Nos treinos de macrociclo. Um bocadinho como a Branca de Neve e os 7 Anões, ou aquelas histórias de guerra e paz nalguns dramas da Grécia Antiga.
Ainda, não fique em casa. Faça a sua vida normal, se o deixarem.
E não faça caso de textos vazios de conteúdo e conselhos disparatados …