O Grande Reset

Conspiração ou não, exagero ou ulrarealismo, hiperbolização ou pragmatismo, as teorias covid ou pós covid têm-nos mantido entretetidos durante a era do grande confinamento. E se andam online, por certo já as viram aparecer quase à mesma velocidade com que desaparecem. De audios no Whatsapp a uma remodelação à escala global da economia, elas existem para todos os gostos. O problema mesmo… é a realidade. Podemos assim teorizar e até conspirar que o algodão do tempo nunca enganará. O que nos remete para as especificidades do discurso de um treinador. E claro que para dissertar sobre esse campo traremos à baila um treinador que não deixa ninguém indiferente. Jorge Jesus (pois está claro!) voltou em grande depois de um período em que a Covid-19 o assolou, não só a si, como também a grande parte da estrutura encarnada. E, como tal, a ligação entre o surto que afectou o futebol do SL Benfica, e a performance foi em grande parte o assunto principal das últimas comunicações do técnico.

É aqui que estabelecemos a ponte entre as teorias da conspiração, entre as teorias que não pretendem conspirar, entre as previsões e a possível realidade. Não só aquelas com que a megainformação dos dias de hoje nos enche a mente, mas também com aquelas que foram o plano comunicacional de Jesus no regresso pós-Covid, numa ponte que forma uma analogia com o Grande Reset que alguns garantem que vem mesmo aí – redefinindo a forma como hoje vivemos. Também para Jesus, agora que, segundo o próprio, o futebol do Benfica estará livre do Coronavírus por três meses, o seu Benfica iniciará um Grande Reset. E isso, nesta semana, notou-se de duas maneiras.


Primeiro, porque são as exibições e resultados que traçam e validam o caminho comunicacional, não pudemos deixar de reparar que as duas vitórias (frente a Famalicão, para a Liga, e ao Estoril para a Taça) puderam soltar Jesus para o caminho discursivo que ele mais gosta de utilizar: o da hipérbole. E entre a hipérbole da sua apresentação, até à hipérbole depois da boa vitória frente ao Estoril, uma coisa, apenas e só, se meteu pelo meio: o Coronavírus. Obviamente, todos sabemos que há mais a explicar, como sabemos também que o próprio Jorge Jesus tem noção disso. No entanto a escolha deste enquadramento no discurso tem explicações claras e, por ventura, imperativas. Isto porque, falando no treinador de um dos três grandes portugueses, teremos de colocar a pertinente questão: até que ponto é que se pode ser totalmente honesto?

O futebol, sabemos, é um meio onde o tempo escasseia. E na falta da única coisa que o pode comprar (os resultados), a comunicação surge como veículo essencial para o obter – nem que seja por empréstimo. E Jesus, apesar do tentarem rotular como pouco hábil nesses terrenos, sabe muito bem em que clube está e a que massa associativa e adepta tem de comprar tempo. Recordamos até que os últimos dois treinadores do SL Benfica não resistiram não só aos resultados, mas também à desconfiança e descrédito que se abateu pelo Tribunal da Luz (algo que foi imensamente discutido aqui na altura). Jorge Jesus sabe tudo isso muito bem, como sabe que o tempo não escasseia somente para os treinadores. Escasseia também (cada vez mais) para uma direcção que se havia tornado quase inquestionável durante a 1.ª vinda de Jesus. .

Ora, a 2.ª vinda seria, na mente de todos os que a tornaram possível, algo parecido mas maior que a 1.ª. Apontou-se e berrou-se mais alto, levantando-se expectativas às quais a equipa, e os jogadores, não conseguiram corresponder no imediato. O que nos remete para o problema que Rui Vitória e Bruno Lage foram enfrentando (e que acabou por ceifá-los) e ao qual Jorge Jesus não foi imune (Expectativas vs Qualidade e Realidade). Algo que na altura parecia apenas um problema técnico e táctico para muitos, era afinal um problema de qualidade geral no plantel, para o qual não chegaram 100 milhões para resolver.



Mas se há algo que quem tem Jorge Jesus compra, esse é inegavelmente a qualidade de jogo. Talvez, inebriado pelas recentes conquistas, Jorge Jesus tivesse pensado que estaria imune àquilo que tombou Lage e Vitória (repetimos, o enfraquecimento gradual do plantel). Hoje, sabemos, não estava. E a dificuldade para tornar a equipa competitiva durou imensamente mais do que aquilo que todos esperavam. Mas, sublinho de novo, se há uma certeza que se pode ter com Jesus é que o futebol de qualidade vai aparecer. A dúvida é se o conseguirá fazer com a espinha-dorsal que já ceifou dois treinadores, à qual se juntam contratações que andaram, até aqui, longe de serem tidas como excelentes. Mais que ninguém, Jorge Jesus tem tudo isso em conta. E mais do que ninguém Jorge Jesus sabe como comprar tempo para que a qualidade do seu trabalho apareça. E tudo isto no verão se pareceria conjugar para dar resultado se não fossem todos estes factos e ainda um outro do qual muitos (a maioria, diria) se esqueceu também.

Em nada se belisca (como acho que já se percebeu) a qualidade de Jorge Jesus como treinador. Ele que foi, inegavelmente, o impulsionador da subida de qualidade táctica da I Liga, do detalhe nas organizações defensivas que, curiosamente, hoje tem de enfrentar. Quer isto dizer que o detalhe de que a I Liga é hoje muito mais complicada, e que o seu nível em relação aos restantes treinadores poderia não ser assim tão mais alto, todo esse (enorme) detalhe se lhe escapou também.

O que nos remete para a questão inicial: até que ponto um treinador pode ser totalmente honesto? Até que ponto é que o discurso de apresentação de Jorge Jesus poderia ser outro e ter tudo isto em conta? Até que ponto é que o Grande Reset que anunciou (depois daquela que para mim foi a melhor exibição da época) poderia ser outro? O futebol é um meio onde a honestidade, o reconhecimento de um ou outro desaire, o realismo nas apreciações, o reconhecimento das responsabilidades, é considerado fraqueza. Para dar um exemplo, há até treinadores que não falam em desvantagens na preparação de jogos, porque isso pode ser sinal de vulnerabilidade na mensagem. É um meio cruel onde outra coisa que não a demonstração de total força e assertividade é vista como um enorme buraco na armadura. Por isso, a Covid-19 (que terá feito a sua parte) tem bom arcaboiço para levar com a 1.ª volta. Isto porque nenhum treinador o tem tido para levar com o Tribunal que hoje pede a cabeça dos dirigentes, treinadores e jogadores a toda a hora, a todo o deslize. A partir de agora, Jesus comprou tempo e iniciou o Grande Reset, com a curiosidade de a equipa ter estado na Amoreira a um nível muito mais próximo do que se espera (como revela o excelente post anterior do também excelente Robert Pires). O que isso trará, não sabemos. Mas estamos curiosos – principalmente agora que o Benfica liga melhor com os seus avançados, que reage melhor à perda e que tem a linha defensiva com muito mais autoridade em todos os momentos. E serão fogachos ou é já o esqueleto da visão que JJ tem? É que isso, e sobretudo a eficácia (que o Sporting tem a rodos e que falta a Porto e Benfica), serão nucleares para o veredicto final não só do tão afamada 2.ª vinda, como do próprio campeonato.

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4 Comentários

  1. Brian, antes demais mais um excelente texto. Gosto de todos os autores, mas identifico-me mais contigo, não sei porque.

    Caso o JJ tenha descoberto como “dar a volta” a falta de qualidade do plantel, não será já demasiado tarde para se intrometer na luta pelo título? É que 11 pontos ainda são muitos jogos que o sporting tem de perder e o Benfica logicamente terá de ganhar. Mas com a confiança, qualidade que o sporting tem apresentado, a crença, e até as diferentes soluções tem para ir à procura de ganhar os jogos, não será muito difícil ao Benfica poder almejar mais que o 2 lugar? É que nem sei se uma 2 volta igual aquela que o lage fez quase que milagrosamente chegaria.

    • Alô, Diogo! Muito obrigado pela força 🙂

      Como dizes, e bem, tudo dependerá do Sporting. A ‘esperança’ para o Porto e Benfica poderá estar no facto de também o Sporting dificilmente somar os mesmos 45 pontos da 1ª volta. Se, de facto, Benfica ou Porto entrarem em modo vitorioso alguma quebra do Sporting pode abrir dúvidas. No entanto este é um cenário não muito provável, temos de admitir. Veremos como alguém capitaliza as prováveis perdas de pontos de uns de outros e como todos reagirão a momentos de desconforto para saber se pode haver mudanças. Mas para já, como todos vemos, o Sporting é um líder justíssimo e vai muito bem lançado

  2. Respeito a forma como defende a sua crença, mas deixo alguns factos para análise.
    JJ terá no final desta época somadas 10 épocas ao serviço de equipas apetrechadas para ganhar em Portugal.
    Digo mais, à exceção da época em que teve como adversário Villas Boas teve sempre ao seu dispor o melhor plantel da liga, apesar disso ganhou como sabemos todos, embora por vezes pareça que não, apenas três campeonatos.
    Sim 3 em 10.
    É isto Brian, um resultado de um treinador superior aos demais??
    Fica a questão.
    Quanto as finais da Liga Europa conseguiu duas que perdeu, lembro só que perto desse Enorme feito de JJ andou por exemplo o entretanto desaparecido Domingos que foi a uma final da Liga Europa que também perdeu com FC Porto e curiosamente chegou lá ultrapassando exatamente o Benfica de JJ nas meias finais.
    Depois para terminar, e gostava mesmo que respondesse a isto Brian..
    Não considera um paradoxo que quando se contrata um treinador tão superior aos demais seja sempre feito um investimento superior ao que se faz quando se dispõe de treinadores “menos capazes” como foi com RV ou BL?!
    Não devia ser exatamente o contrário??!
    Superlativo foi o que fez BL e até R Vitória e está época R Amorim, isto sim são treinadores acima da média.
    Fazer muito com pouco, exatamente o contrário do que está este ano e maioritariamente na sua carreira JJ.
    Quanto ao jogo de JJ?
    Saída de bola medíocre, maioritariamente o chutão logo a dividir a bola que já não se usa nem nas equipas pequenas, que já saiem com personalidade, basta ver o último jogo com R Ave.
    Posicionamento ofensivo sofrível a dificultar e muito a decisão de jogadores que já deram muitas provas mas que sim parecem ter desaprendido com JJ.
    São factos Brian, mas gostava de ter contra estes os seus argumentos.

    Obrigado

    • Olá, Emanuel!

      Se bem me recordo do que escrevi, do que tenho escrito, e do que efetivamente acho sobre JJ e o seu regresso, confesso não entender o seu ponto de discórdia comigo. Isto porque só justifico um ponto de vantagem do JJ em relação ao que se fazia em Portugal depois de AVB e VP saírem. E mesmo esse ponto de vantagem (que realmente existia do ponto de vista táctico) foi-se esfumando à medida que as organizações foram evoluindo.

      Não preciso de ir ler o que já escrevi antes pois tenho a certeza que já disse que um dos riscos de trazer um JJ inchado por uma conquista na América do Sul era esse mesmo: o de não estar tão acima como pensa que está em relação aos demais. E se lhe juntarmos o facto de que a qualidade dos jogadores também não andará nada acima dos demais, se somarmos também a contingência e a relutância em lidar com derrotas dada a excessiva soberba inicial… temos a tempestade perfeita.

      Lembro-me de neste post analisar o que JJ pretendeu a nível comunicacional (que é de resto o que tem feito): comprar tempo aos adeptos ou como quem diz a um Tribunal que já despachou dois treinadores antes dele por razões parecidas. Não me lembro de escrever algo que mereça ser confrontado com essas questões, como se fossem minha opinião.

      Abraço

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