Paço a Paço

Se já aqui falámos do mindset com que Rúben Amorim mudou a casa em Alvalade, esse (que poderia muito bem ser apelidade de Passo a Passo, step by step, como forma a não perder o foco no processo) desta feita terá de dar lugar a outro aspecto fundamental nesta caminhada dos leões pela Liga 20/21. Ora se por um lado a equipa transborda confiança, também a retira dos adversários que, invariavelmente, se vêm forçados a alterar os seus padrões habituais. Algo a que o competente Paços de Ferreira de Pepa não conseguiu ser imune, quando pretendeu (durante a maior parte do jogo) encaixar no desdobramento do sistema de Amorim. E quando o Sporting atacava foi notória a perseguição de Hélder Ferreira a Nuno Mendes, numa troca que no papel normalmente demonstaria o extremo pacence e o defesa leonino, no campo revelou ser o extremo Nuno e o defesa Hélder.

Paços de Pepa sem conseguir capitalizar o 523 que pontualmente formava. Três da frente não condicionaram o suficiente, e Hélder tornou-se mais um defesa. Até que ponto as alterações a que Rúben força os adversários terão efeito positivo para ele no jogo?


Foi esse um dos aspectos que demonstra a dor de cabeça que é, hoje em dia, defrontar um Sporting que, com bola, dá imensa largura sem retirar opções interiores (João Mário, Pote e Paulinho) e sem renunciar à profundidade (Tiago Tomás). E algo que poderia de alguma forma aliviar essa constante enxaqueca, acabou por não surtir efeito total na estratégia de Pepa. E nessa Luiz Carlos soltava-se para ajudar Tanque e Luther Singh a encaixar na saída-de-bola do Sporting. Contudo, esse 523, apenas condicionou parcialmente e não totalmente, porque mesmo incomodando não conseguiu retirar essa mesma saída do jogo, como não conseguiu capitalizar importantes roubos de bola naquela que é talvez a única fase do jogo onde a linha defensiva dos leões se pode apresentar descompensada.

Sistema leonino exige uma fiabilidade e um grau de excelência com bola que os adversários simplesmente não estão a conseguir ter. O risco com a mesma que terá de ser forçosamente corrido, terá também de ser suplantado por uma superação incrível sem ela. O Paços, apesar de ter feito um jogo honesto e com essas pretensões (ter bola com qualidade e ser organizado a defender), não conseguiu chegar a esse nível de excelência


E não conseguindo o Paços incomodar por aí, sujeitou-se àquilo a que uns chamam de estrelinha, outros de sorte, outros de trabalho, mas que no fundo desequilibra a balança a favor do Sporting. E se o penálti convertido por João Mário não chegasse para nova amostra na fome de golo dos leões de Rúben, a entrada na segunda metade trouxe um pontapé-de-canto superiormente aproveitado – primeiro por Feddal, e depois por Palhinha a fazer uso do primeiro desvio do marroquino. E com isto o Paços (equipa extremamente competente, lembramos) continuava sem capitalizar os três homens da frente para ganhar um ponto-de-vantagem no jogo (Feddal, Coates e Inácio continuaram com alguma liberdade para iniciar bem altos a saída), como também (apesar de não renunciar a isso) não conseguia a qualidade com bola necessária a resolver o quebra-cabeças da linha de cinco.

E se algumas vezes a conseguiu transformar em linha de quatro (atraíndo Nuno Mendes), as opções com bola nunca levaram a um desconforto total dos leões. Isto porque, na grande maioria das vezes, as opções surgiam por fora da linha defensiva. E se já é difícil desmontá-los por dentro, mais difícil se torna criar por fora. Não se interprete isto de forma demeritória para uma das boas equipas da Liga, mas o que é facto é que neste momento para se travar o Sporting esses factores que o Paços (ainda assim) tentou têm de roçar o excelente. A já falada pressão à saída, mas também uma organização ofensiva com bola mais corajosa, que não se limite a cheirar por fora, mas a forçar imenso por dentro, capitalizando as possíveis perdas que daí advirão como forma de forçar duelos e partir um jogo que quando está bem assente tem deixado grande vantagem ao Sporting. Não só pela extrema eficácia e pragmatismo, como pelo equilibrado desenho que se desdobra com fiabilidade exigindo muito mais às equipas da Liga. Muito mais bola, muito mais coragem com ela, muito mais empenho e espírito de armada sem ela. A juntar a isto… muito mais eficácia do que aquela que um bom Paços não conseguiu, pois a equipa de Pepa teve ainda assim os seus momentos de finalização. Esta foi a história de uma vitória por dois golos do Sporting frente ao 5.º classificado, a história daquele que não precisou de ser um jogo excelente do líder para ter esta diferença, porque aquilo que exige aos adversários eles não têm conseguido ter. Urge darem um Paço acima sob pena de verem, com enorme justiça, o Sporting tornar-se campeão nacional.

2 Comentários

  1. Brian, quem aproveita os deslizes todos é o sporting e não o Benfica ou o Porto ?

    É bom que o sporting ganhe o campeonato e que voltemos a ter mais uma equipa para discutir o título para vermos se Benfica e Porto abrem os olhos e vejam que não é tudo deles

    • Boas, Diogo.

      Obviamente não me ficaria bem a preferência por nenhum cenário. Mas não posso deixar de achar extremamente interessante todo o fenómeno que tem vindo a acontecer e como se reuniram condições para que a habitual luta pela hegemonia virasse secundária.

      Havendo coisas que não são mensuráveis, até que ponto é que essa habituação a um cenário pode ter ajudado? Nada disto seria possível sem aquele contágio do Rúben ao plantel, mas o foco de Porto e Benfica estar em algo que está época não existe pode ter contribuído para abrir caminho. Talvez, talvez.

      Grande abraço

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