ePepeia

Corrido o chorrilho de emoções que é despertado sempre que uma equipa portuguesa elimina um colosso na sua própria casa (e em Turim, a jogar com menos um, nem foi a primeira vez), é chegada a vez de tentar perceber mais calmamente e objectivamente o que é que levou o FC Porto a sair de Turim para os quartos – que é o a mesmo que dizer, o que é que levou a Juventus a nunca conseguir superiorizar-se aos dragões. E se nesta fase dermos de barato que já poucos caem no engodo de contar passes, posse e domínio territorial como modo de invocar superioridade moral, damos conta que os azuis-e-brancos, mesmo oferecendo a construção à Juve, nunca se deixaram inferiorizar. E isto, mais do blocos baixos, médios ou altos, tem a ver com a qualidade das ações colectivas e individuais. E aí mesmo ficando à vista o estóico esforço colectivo dos dragões quando fechavam os espaços à equipa de Pirlo, não é de esquecer que não foram poucas as vezes que galgaram o comprimento para alcançar a baliza de Szczęsny.

Cuadrado foi o mais requisitado para procurar a profundidade através de cruzamentos. A muita qualidade do colombiano conseguiria revelar-se mesmo tendo sempre a companhia de Otávio e Zaidu



Mas para se entender esta toada que se estendeu pelo jogo (com a Juventus a construir e o FC Porto a tapar para sair) fazer um flashback até à mais recente eliminação dos portistas e juntando-lhe a vitória dos bianconeri frente à Lazio talvez sirva para se entender a predileção dos treinadores por quererem que o jogo se fosse mantendo nesse registo. E se observarmos o primeiro golo bracarense naquela noite fatídica e não esquecida por parte de Sérgio Conceição, talvez entendamos a excessiva atração de Pirlo por aquele jogo monocórdico de ir à ala e cruzar para as costas da defesa. E talvez se recordarmos o jogo anterior da Juventus (onde também esteve a perder e acabou por dar a volta) percebamos que Sérgio pensou poder controlar os italianos mesmo que estes atacassem vezes sem conta a profundidade da sua linha defensiva.

Bem sabemos que o futebol é cruel e que será quase um sacrilégio dizer que tanto Pirlo, como Conceição, pudessem ter os dois razão. Um vai directo para os quartos e o outro vê uma equipa com orçamento infinitamente superior ficar a ver pela TV as oito equipas mais eficientes da prova. E como tal, dar razão a Pirlo neste jogo poderá roçar a imbecilidade. Mas a verdade é que a insistência quase absurda naquele tipo de jogada que procurava as costas da defesa acabou mesmo por surtir efeito por duas vezes, numa espécie de tanto o cântaro vai à fonte.

O atrevimento do FC Porto foi essencial para os portistas conseguirem o penálti que daria vantagem. Antes disso fizeram também a bola beijar a barra.



Mesmo considerando insuficiente o futebol produzido pelos italianos, o 631 do FC Porto convidava-os a isso mesmo. O espaço para Cuadrado era evidente, e o protagonismo dado à construção da Vecchia Signora dava a Bonucci e a Arthur (nunca dentro do bloco, sempre como quarterback) o protagonismo e o tempo para poderem procurar esse espaço. E, como sabemos, um jogo de futebol é traçado estrategicamente para se ganharem as coisas que mais se precisam, descurando outros aspectos que o treinador entende não serem tão necessários. E o desenho de Sérgio Conceição era esse, o que dava o engodo da profundidade, e que tapava a possibilidade de combinações, triangulações e entendimentos pelo corredor central. Isto porque Sérgio entendeu que o seu colectivo tinha a capacidade de poder aguentar essas investidas que surgiriam para as costas da linha comandada por Pepe.

E assim o fez, com nota bastante elevada na 1.ª parte (exceptuando um cruzamento de Cuadrado logo na fase inicial). No entanto, tendo o bloco algo baixo também as recuperações aconteciam numa zona altamente perigosa. Por [essa zona] ser baixa e por estar altamente povoada pelo adversário, os dragões sentiram algumas dificuldades iniciais para se libertarem. Porém nem só de garra, de ADN’s e revoltas viveram os portistas. Com o passar dos minutos a qualidade com bola foi aumentando e àquele ímpeto inicial do adversário, o FC Porto respondeu com maior critério quando recuperava a bola. A personalidade draconiana não viveu só do grito, diga-se, reparando-se para isso na jogada a campo inteiro que origina o penálti depois convertido por Sérgio Oliveira. A juntar a isso, claro, a capacidade evidente do FC Porto em ganhar duelos, com uma Juve frustrada pela desvantagem, acabou por, ainda nos primeiros 45 minutos, mostrar um adversário algo partido e desequilibrado propício a uma estocada mais funda.

Da primeira para a segunda parte, Bonucci e Arthur juntaram-se a Cuadrado e conseguiram causar bastantes dificuldades onde o FC Porto tinha sido imperial: controle da profundidade


Mas quis o destino que o FC Porto tivesse de passar por mais adversidades, nem que fosse só para mostrar como reagir às mesmas. E aqui, antes que lembremos já as ações destemperadas de Taremi, importa lembrar que a linha defensiva sentiu dificuldades não antes vistas na eliminatória pouco após o reatamento – não sendo assim de descurar que o 2-1 pudesse também surgir com Taremi em campo. E naquilo que a expulsão do iraniano fez imensa diferença foi na capacidade do FC Porto para sair e ir à procura do golo que lhe garantiria a passagem. Mas sem tantas saídas, o desposicionamento foi menor. O que levou a Juventus a não conseguir, de novo, desposicionar tão facilmente a linha defensiva portista daí em diante.

and now for something completely different


E com os minutos a passarem, e com o FC Porto a precisar de marcar mas a não poder sofrer, o dilema de tentar o golo mesmo estando reduzido a dez pareceu importar cada vez menos na mente dos azuis-e-brancos. Não que assistissemos a uma enxurrada de futebol de ataque portista, mas sempre que o FC Porto ganhava a bola dava a sensação de que esse tal golo poderia aparecer. A isso ajudou que Sarr se fixasse na esquerda e que Corona fosse o homem mais livre naquela linha de seis que se formava quando a Juventus entrava no meio-campo portista. Com Corona e Luis Díaz, e com um Sérgio Oliveira ultrainspirado a guardar a bola, esperava-se pelo milagre ainda que não se soubesse bem como ele iria aparecer.

Chegou a ser verdadeiramente impressionante a forma como o FC Porto mesmo reduzido a dez e assente num bloco baixo se desdobrava para tentar marcar. Crença e capacidade impressionante dos dragões


Oportunidades houve para que fosse de outra maneira, como as houve para que Marchesín (incrível a sair à bola) e Pepe brilhassem (faltarão os adjectivos para qualificar uma monstruosidade de exibição para este último), mas o golo acabaria por surgir de bola parada mostrando um detalhe que garante que o dinheiro não compra tudo (aquela barreira…). E depois de tudo isto, que o FC Porto ainda tivesse que sofrer mais um susto (Rabiot, 117′) e mostrar a sua fibra até ao final só completa melhor a epope… perdão, ePepeia!