Desmontar as marcações individuais – Conte e Lukaku explicam como

O sucesso recente da Atalanta potenciou o advento das marcações e referências individuais como princípio de muitas equipas em organização defensiva, seja em campo todo ou apenas na fase I (construção) do adversário. Temos alguns exemplos mesmo na Liga NOS de algumas equipas que efetuam modificações de estrutura por forma a encaixarem individualmente nos adversários (ainda mais apetecível face ao 1-3-4-3 da moda já que se trata de um sistema numericamente simétrico).

Este regime de marcação obviamente causa alguns problemas, principalmente em equipas que gostam de assumir uma construção curta e apoiada a partir de trás: as linhas de passe livres próximas desaparecem, deixa de ser possível jogar enquadrado de frente já que o jogador vai receber sempre com pressão nas costas e sobe a incidência dos duelos individuais e situações de igualdade numérica. No entanto, uma vez que o jogo está igualmente em permanente evolução, novas estratégias vão surgindo para combater estas marcações e a adotada pelo Inter na vitória recente frente à Atalanta foi um bom exemplo, utilizando o avançado Romelu Lukaku para desmontar a rede de pressão de Gasperini, sem fugir aos princípios basilares do seu modelo.

“Durante os primeiros três meses no Inter o Conte não fazia outra coisa que não treinar-me a jogar de costas. Em todos os treinos metia o Ranocchia atrás de mim e pedia-me para ser forte nos duelos contra ele. Cada vez que perdia a bola, o exercício recomeçava.”

Lukaku, sobre os treinos com António Conte

O exemplo do Inter x Atalanta

O Inter de Conte, apesar de mortífero no momento de transição ofensiva, baseia muito do seu jogo em organização ofensiva numa construção a partir de trás com dinâmicas bem definidas: seja a saída com os 3 centrais largos, alas projetados e médios por dentro que variam entre a forma de 1+2 ou 2+1; seja com o médio mais defensivo a baixar para entre os centrais, projeção do central exterior esquerdo e o ala esquerdo (normalmente Perisic) a entrar por dentro, modificando a estrutura para um 1-3-4-3; seja com o central do meio a escolher um lado e imediatamente o central exterior virar lateral e o ala a ir em profundidade fazendo de extremo, modificando a estrutura para um 1-4-3-3/1-4-4-2 consoante a capacidade de chegada que tiver o médio-interior do lado contrário.

Ou seja, o Inter acaba por ter uma grande variedade de soluções para o que pode encontrar, mas a marcação individual (em particular da Atalanta, que é individual pura com perseguição declarada no campo todo) acabará por ajustar a todas estas dinâmicas, impedindo uma saída limpa em construção como o Inter gosta de fazer. Então como manter uma das características do modelo (chegar em jogo apoiado à frente) mas resistindo a uma pressão individual tão agressiva como a Atalanta faz?

Felizmente o Inter tem um avançado que, pelas suas capacidades condicionais, é fortíssimo a jogar de costas e a utilizar o seu físico para proteger a bola e batalhar nos duelos com a marcação mantendo-a jogável. Para além disto, é muito perspicaz a identificar os momentos em que deve alternar do seu posicionamento base em cima da linha defensiva (com objetivo de a afundar em profundidade) para movimentos de apoio. E Conta utilizou tudo isto em seu favor neste jogo: o mapa de ligações de Lukaku neste jogo mostra que ele foi solicitado diretamente por grande parte dos colegas e o próprio depois solicitava os seus médios ou os alas mais à frente.

Seja através da dinâmica do 3º jogador – importância dos médios e alas estarem alertas à identificação dos movimentos de apoio de Lukaku para, caso a bola entre para um toque de primeira, eles já se tenham soltado da marcação para receberem, enquadrarem de frente e darem sequência ao lance – ou através do jogo aéreo direto no PL – muitas vezes com o guarda-redes a repor a bola em jogo sem mandar a equipa aglutinar na zona de queda da bola, abrindo o espaço de ação do belga; mais uma vez importante os jogadores em torno estarem ativos para uma possível 2ª bola por forma a dar continuidade – a equipa conseguiu superar essa pressão asfixiante e, ou retornava à construção agora com melhores condições (e já tendo ganho alguns metros no terreno), ou acelerava para a profundidade: uma vez que estes comportamentos de Lukaku se reproduzem através de movimentos essencialmente de apoio, Lautaro ativa quase imediatamente a profundidade seja para um toque do belga ou para um médio ou ala que, recebendo de frente, o possa solicitar nessas ruturas.

Ou seja, sem mudar o que se quer ver do modelo (construir apoiado) mas chegando ao modelo de uma forma diferente, por resposta à especificidade do adversário e tal só é possível quando o modelo é aberto o suficiente (e não padronizado) para contemplar diferentes soluções.

Sobre Juan Román Riquelme 97 artigos
Analista de performance em contexto de formação e de seniores. Fanático pela sinergia: análise - treino - jogo. Contacto: riquelme.lateralesquerdo@gmail.com

3 Comentários

  1. Sempre apreciei Conte, e estou a adorar este trabalho no Inter.
    Mais: a curva de aprendizagem do Lukaku é algo absolutamente extraordinário. Um jogador que aprende como aprende, que nesta fase da carreira se predispõe a aprender e a oferecer-se para que o modelo flua melhor em prol de objectivos colectivos, é de louvar. Porem, já sabem, uma grande dose de trabalho de equipa e de sacrifício pessoal nunca estará na lista das bolinhas de ouro!

    • Engraçado como isto entronca muito com o que é a beleza de criar um modelo de jogo não é? Acaba por ser o momento em que as ideias do treinador para a resolução dos problemas do jogo encontram a predisposição do jogador para colocar as suas características à disposição do modelo desde que este as respeita e não as subverta.

      • Exacto! Até gostaria de perceber se esta é a grandes diferença para uma sempre candidata ao título Juventus! E qual a leitura que fazem de outras equipas que têm criado uma tendência de jogo (se se puder dizer assim), como a Atlanta!

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