O Último Terço de Thomas

Não será alarmante de ler, nem de ouvir: o FC Porto terá duas tarefas colossais frente ao Chelsea de Thomas Tuchel. Ora e se até aqui a coisa é pouco surpreendente, muito menos surpreendente será sabermos de antemão que os dragões tudo vão fazer para tornar esta eliminatória a seu favor. Contudo, e lembrando Sérgio Conceição quando se referiu ao Sporting de Rúben Amorim, ainda que pareça fácil de perceber o que os blues querem do jogo, a análise pinta bem diferente quando se trata de os parar. Mas para ajudar, ou confundir ainda mais, teremos de trazer ao texto o que foram as duas últimas eliminatórias quer dos da Invicta, quer dos de Londres. E se os azuis-e-brancos conseguiram em grande parte dos dois jogos com a Juventus anular a organização de Andrea Pirlo (bem menos incisiva e realmente controladora que a de Tuchel), a forma como o Chelsea alcançou duas vitórias frente ao Atleti (equipa algo parecida aos dragões na forma de abordar este tipo de jogos) coloca um dilema de todo o tamanho a Sérgio Conceição.

Jorginho tem também papel fundamental numa equipa que domina por rotas seguras. Não investe de sobramaneira entrelinhas para não se descompensar e encontra na meia direita ou esquerda forma de controlar e ganhar as partidas


Todos nós já sentimos o quão fisicamente é desconfortável passar demasiado tempo na mesma posição. É algo recorrente em alguém que passa muito tempo sentado ter que esticar as pernas, estalar a coluna ou outros que tais para ter que voltar à posição base. E isso é algo que o FC Porto terá que ter em conta quando for forçado (porque o será, durante a maior parte do tempo) a sentar-se no seu último terço. Isto porque o Chelsea é uma equipa formatada (altamente formatada até) para empurrar os adversários para os últimos 30 metros do campo. E ao contrário da Juventus nem só de balões para a profundidade vive o futebol do Chelsea. Aliás, o registo que espera o FC Porto no seu meio-campo defensivo será em tudo diferente daquele que tiveram de contrapor contra a Velha Senhora. Esqueçam então, se fizerem favor, o incrível espectáculo de futebol aéreo que Pepe deu em Turim e foquem-se no olho clínico que a linha defensiva de Conceição terá de ter enquanto vê os blues de frente. Tocando, tocando, tocando sem aparente perigo mas sempre à espera de uma aberta – qual pugilista estilo Muhammad Ali que dança, dança, dança evitando os choques, enquanto o adversário se desgasta.

Por não o escolher preferencialmente não quer dizer que o FC Porto não tenha que se preocupar com o espaço mais interior. Aqui, Jorginho (sempre ele) vai encontrar Giroud. Kovacic dará futuro apoio para a bola chegar à área com perigo. Na imagem também vem visível a linha de 3 centrais que será o dilema da eliminatória

É então um Chelsea que, já o dissemos, transporta o jogo para o seu meio-campo ofensivo esticando toda a sua equipa (à excepção de Mendy obviamente) para lá. Três centrais incluídos e bem participativos na manobra ofensiva e que servem de porto seguro quer para a equipa manter a bola, quer para a recuperar onde quer mais estar: no seu meio-campo ofensivo. É a zona de conforto do Chelsea, é a ideologia de Tuchel, num modelo que, sem surpresa, faz lembrar o seu saudoso Borussia de autor. Até nas rotas, onde a escolha para penetrar recai na meia direita ou meia esquerda (poucas vezes os veremos a forçar pela zona mais central para não correrem risco excessivo) faz lembrar um Dortmund que conseguia quase sempre levar o jogo para onde mais gosta. E, desta feita, num projecto que conta com um plantel incrível, os recursos que Jorginho, Kovacic, Mount, Ziyhech, Werner e Kai Havertz emprestam são uma enorma mais valia enquanto a redonda anda como um relógio suíço a esconder-se dos adversários. Fora do bloco, fora do bloco, fora do bloco até entrar. Maioritariamente pela meia-direita, contra o Atletico, foi ver Mount a tentar combinar com Odoi. Giroud, mais expectante na procura do último toque, contrasta com um Werner que tanto pode aproximar para jogar em apoio, como pode ir na profundidade. E mesmo andando ao redor do bloco, um Chelsea sempre bastante subido conta com as aflições dos adversários e com uma pressão bastante intensa à perda para retomar o registo que mais gosta. Toque, toque, toque no meio-campo ofensivo sempre por rotas seguras… até achar a brecha.

Mudança de atitude do Atleti em Stamford Bridge quebrou durante 33 minutos o domínio que o Chelsea pretende no seu meio-campo ofensivo. Um registo no qual o FC Porto se pode apoiar para mudar o jogo para o pólo que mais lhe convém: o último terço dos blues e não o seu


Mas a chave para isso se conseguir está na linha de 3 centrais. Isto porque ter uma linha com essas unidades bem subida no terreno serve de apoio fulcral ao propósito que é manter a bola nos últimos 30 metros. É que de cada vez que a equipa recomeça a jogada, o adversário entra num dilema. Será sensato numa zona tão baixa do terreno para a organização defensiva (sim porque os três centrais dos blues estão incrivelmente subidos), será sensato, dizíamos, sair com três (ou duas) unidades para pressionar aí? Sabendo do poderio do Chelsea – fora filosofias e ideologias que nunca experimentaram campo – este é sem dúvida um dilema que não é fácil de resolver. Se não vamos, eles reiniciam e o jogo fica na mesma toada (eles jogam, nós vemos) e se vamos corremos o risco da pressão falhar e de ficarmos expostos a Werner, Giroud, Havertz, Mount… É um dilema, e muito provavelmente será o dilema que definirá a eliminatória, sendo que para o FC Porto realmente a disputar não poderá, lembramos, manter um registo totalmente igual ao que teve com o Manchester City em casa (onde foi totalmente inofensivo com bola).

Porém, mesmo que o jogo se preveja facilmente nesse registo de domínio territorial do Chelsea, o FC Porto terá de tentar espraiar-se, expandir-se, espreguiçar-se… em suma, desentorpecer-se de quando em vez para evitar a fadiga do rabo cansado que emerge sempre que um monólogo ao mesmo som (toq, toq, toq) garante a hegemonia de uma sala (ou relvado, neste caso). E terá de o fazer porque quanto mais o Chelsea se aproxima do outro último terço, mais aumenta a probabilidade de o adversário fazer errar. Tal hara-kiri contra a reza de Tuchel no último terço, é a pressão no outro último terço. E como se de um universo paralelo se tratasse, a fiabilidade alemã arraçada de britânica dá mostras de entrar em colapso. Sim, muito se falou do arraial que foi a vitória do Chelsea frente ao Atletico (num agregado de 3-0) mas se há coisa que essa eliminatória nos ensinou é que bola recuada é bola pressionada e que quanto mais pressionado o Chelsea for mais a bola fugirá ao tal último terço que tanto Tuchel ama. E com um Atletico a mudar completamente da 1.ª para a 2.ª mão nas zonas de pressão, foi ver o jogo num registo totalmente diferente até ao golo (em transição) de Ziyech. E muita da eliminatória terá, para o FC Porto, mesmo de entrar nesse registo, onde a bola recuada se pressiona, e onde o jogo vertical habitual dos campeões nacionais ganha metros para se ver também a sua pressão alta habitual (que tão bons resultados deu frente à Juve, especialmente nos primeiros minutos de cada jogo).


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