O último terço

O último terço todos o rezamos na 2.ª parte do Bélgica-Portugal. Muito por culpa de outro último terço não corresponder às nossas expectativas. A cada jogo deste Euro ’21 foi saltando à vista uma componente em que Portugal parecia descompensado. Fizeram-se teses sobre o assumir ou não do jogo, da (pouca) utilização do corredor central, da pressão ou falta dela, do bloco mais alto ou menos alto, do controle da profundidade. E se todas elas têm um ponto, não deverá estar errado quem diga que a equipa das quinas não conseguiu em nenhum momento do jogo aqueles pontos de vantagem que dela se esperou – e que se esperam quando o assunto são favoritismos, candidaturas ou revalidações de títulos. E se a organização defensiva deixou a desejar (como muito bem explicou o Robert Pires no seu último post, mais ainda por fazer parte da ideologia lusa manter a baliza inviolável) o outro aspecto que saltou (bastante) à vista neste Europeu foi a falta de ligação da equipa com os três da frente, bem como a falta de ligação e criação entre esse mesmo tridente.



Se bem que em teoria a inclusão de Diogo Jota, Ronaldo e Bernardo Silva não chateie ninguém, ficou patente que a utilização dos três em simultâneo arredou a equipa de conseguir mais qualquer coisa no último terço. E em teoria não chateava ninguém porque a capacidade natural para Ronaldo e Jota conseguirem golos, e a de Bernardo Silva para não perder a bola, são reconhecidas mundialmente. Mas, na realidade, para esses golos tão naturais em Jota e em Ronaldo surgirem, as condições têm de ser específicas. Não basta assim metê-los lá para dentro e os golos surgirem por si só. E o que se viu neste Euro é que a ligação entre os três, bem como o rasgo e a criação imperativas nas chegadas para finalização têm de existir e não existiram minimamente. Assim, se magnificarmos a visão com uma lupa reconheceremos facilmente que nenhum dos três é extremo, que nenhum dos três é avançado puro, que nenhum dos três é (agora) alguém que vai no um para um como fazia Luís Figo, Simão, o puto Ronaldo ou Quaresma. Dá a ideia que dois deles serviriam quase totalmente para o momento de finalização, e que um deles mantém a bola mas pouco mais do que isso consegue, ou quer, fazer neste momento da sua carreira.

Ronaldo pede a bola fora do bloco adversário, na primeira e na segunda-parte do Bélgica-Portugal. Foi notória todo o Euro a falta de ligação da equipa com o trio ofensivo, bem como a falta de ligação e fluidez dos jogadores que compuseram esse tridente. Ronaldo a assumir este papel, quase recorrentemente, demonstra a falta de soluções da equipa para se ligar ao último terço



Assim, sobra a ideia (apoiada pelos vídeos que trazem vários lances que provam a falta dessa ligação) de que Bernardo Silva é um médio que não nos podia dar desequilíbrio nem rasgo no último terço e que só um dos dois, Ronaldo ou Jota, poderia jogar de início. Mas o que vimos foi Jota a entrar pela meia esquerda pouco ou nada servido, com rendimento quase nulo e criação inexistente, e Ronaldo a tentar fazer o papel de um jogador essencial para si mesmo nesta fase da sua carreira. E foi ver CR7 entrelinhas, ou mesmo fora do bloco e a sair do espaço de finalização, para tentar criar algo do género do que Benzema criava para ele próprio na sua etapa merengue (ou do género do que Bobby Firmino pode fazer por Jota em Liverpool). Mas como o resultado foi algo descabido e pouco realmente se aproveitou dessas ações do nosso capitão, ficou-se a perder aquele Ronaldo que da meia-esquerda, e sem se preocupar com a criação, se consegue colocar nas áreas onde finaliza melhor – quer na área, quer a vir para dentro para procurar o remate, que é onde se mais se revela a sua atração pelo golo.

Deste Euro, e deste jogo com a Bélgica, sobram muitas certezas. E uma delas é claramente a de que para aumentar a eficácia das ações do tridente ofensivo, a escolha dos jogadores tem de os complementar e não de os sobrepor ou minimizar aquilo que os mesmos podem dar. E destas ideias todas juntas sobra a de que o plano foi algo inflexível a certos dogmas que se criaram com a vitória no Euro e a vitória na Liga das Nações. E a base desta ideia era a de que jogadores como Ronaldo e Jota poderiam fazer a diferença mesmo com poucos toques e presença no último terço. Algo que claramente não resultou. É que por Portugal ser campeão da Europa à entrada deste Euro e à entrada de todos os jogos que disputou, isso não faz com que escolhas não acertadas o possam ser por decreto. E se algumas delas foram sendo alteradas, a ideia de que o último terço podia funcionar desta maneira deveria ter, igualmente, seguido pelo mesmo caminho. Isto porque deu a ideia de que o discurso do é quase impossível ganhar a Portugal, ou do se a Final for Alemanha-Portugal, ganhamos, foi mais um auto-de-fé do que um auto-de-transcender o que já estava criado e fornecer a equipa com as melhores soluções para cada momento, para cada espaço. E voltando à ideia que não houve realmente nenhum ponto de vantagem de topo mundial na nossa equipa (nem a tão propalada organização defensiva), não surpreenderá então a eliminação precoce às mãos de um conjunto que deixou a impressão de ser totalmente acessível a qualquer adversário da valia de Portugal mas que apresente esses tais pontos-de-vantagem que nos faltaram. Para o demonstrar, tem a palavra a Itália – que se conseguir ser a equipa que tem sido, seguirá para as meias sem mácula.


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1 Comentário

  1. Fantástico! Adorei este artigo. É absolutamente inenarrável a incapacidade que o Fernando Santos demonstra em montar uma estrutura tática de verdadeiro ataque organizado, e de qualidade. No jogo contra a Bélgica, fomos obrigados a tal e viu-se que essa estratégia não existe com o Fernando Santos. A desorientação era evidente.

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