Desconforto Clássico

Há algo nos rescaldos dos jogos, especialmente nos clássicos, que pode incomodar os treinadores. É que a visão que normalmente sai dessas apreciações está altamente condicionada por duas coisas: A expectativa e a necessidade de encontrar um bom e um mau, um melhor e um pior. Assim, antes, depois e durante os clássicos, é difícil fugir-se à tendência marcada maioritariamente pelos adeptos. Aquela que quer (ou exige) que o seu clube replique o melhor que a sua equipa tem feito nas outras semanas contra os maiores rivais. E não se enganem, os treinadores também querem isso, mas a prática coloca outras dificuldades que os obrigam a aceitar as coisas como são e a partirem daí para as tornarem melhores. E isso aconteceu num jogo que foi classificado pela generalidade das análises como ‘mau’, mas que viu as duas equipas passarem por momentos de desconforto para, ainda assim, poderem a espaços mostrar aquilo que as faz altamente competitivas.

Já sabemos que qualquer adepto não só deseja a vitória no campeonato como também deseja algo que acabe de vez com as dúvidas sobre quem é realmente mais forte. Deseja ardentemente não só uma vitória mas também uma hegemonia. E esse desejo é, cada vez mais em Portugal, uma ilusão. Ainda assim esse adepto vai olhar para o jogo e vai exigir que a sua equipa domine e controle um adversário de igual valia. O problema nas suas assumpções é que as mesmas falham em reconhecer a qualidade ou competitividade do adversário, exigindo que a ideia funcione em pleno porque, na sua mente, o adversário é inferior. E é por isso que somos diariamente inundados por futilidades nas redes sociais sempre que o assunto é futebol. E todas elas nascem de um desejo que, na maioria das vezes, é uma ilusão. Até porque de momento não se consegue vislumbrar qual dos 3 grandes é o mais forte, o que joga melhor ou até o mais eficaz. E o Sporting-Porto prova-o de várias maneiras.

Uma imagem que mostra várias chaves do jogo. FC Porto soltou (e deixou) várias vezes três elementos na frente para causar desconforto à linha de 3 centrais do Sporting. Quando a bola não lhes chegou (ou eles não a recuperaram) existiu bastante desequilíbrio. A imagem mostra também a variação de flanco que se tornou impossível para os centrais portistas acompanharem. A partir do momento que a bola chega a Porro, Nuno Santos já havia sido muito mais lesto que Mbemba, Pepe e João Mário (Marcano saiu à bola).

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O clássico prova esse equilíbrio principalmente pelos desconfortos que criou nas duas equipas. Um jogo que já vinha de uma contingência difícil (viagens, lesões, cansaço acumulado) juntou a estratégia para baralhar ainda mais as equipas. E com a intensidade máxima – apanágio dos dois treinadores – a marcar a toada, os duelos sucederam-se fazendo com que à vista desarmada o clássico pareça um mau jogo. Mas não o foi, longe disso.

E não o foi porque o futebol é mais que um ideal utópico que nasça do valor estético. Este foi um jogo que pela contingência se tornou dificílimo para as duas equipas e nenhum treinador (especialmente os das redes sociais) iria a tempo de o tornar diferente. Restou aceitá-lo e jogá-lo para se ganhar. E isso ninguém poderá apontar às duas equipas, aos dois treinadores.

Sérgio, que tem saído por baixo nos últimos confrontos, alterou para criar desconforto. E o que à partida parecia ser para ganhar presença a meio-campo (inclusão de Corona atrás de Taremi) tornou-se numa maneira de colocar em xeque a linha defensiva dos leões. E enquanto o jogo fluiu e os portistas encontraram ligação, a bola andou mais no meio-campo defensivo do Sporting. Ainda que sem criar grande perigo, o FC Porto tomou a iniciativa e o Sporting fez o que faz sem receio e com grande qualidade: fecha com mestria e tenta sair com qualidade. E foi quando as ligações do FC Porto começaram a falhar que o desequilíbrio tomou conta da equipa. Muito desacerto nos passes na zona do miolo soltaram o leão para o golo e para uma hipotética vantagem segura que Diogo Costa negou. E ainda que alguns fogachos fossem validando a estratégia de Sérgio Conceição (Corona podia ter feito o empate logo após o 1-0), era notório o desconforto portista e a perigosidade de ver a desvantagem no marcador crescer para números impossíveis de virar.

FC Porto a errar passes fáceis com muita frequência. Bolas ganhas dos leões com um único destinatário: Nuno Santos. Leões poderiam ter construído vantagem mais confortável na 1.ª parte

Assim, ainda que os cartões possam justificar as saídas de Marcano e Bruno Costa, mais justifica a exibição sem sentido, rasgo ou talento que os dois conseguiram. As entradas (principalmente a de Sérgio Oliveira) e um intervalo resolveram o desequilíbrio, mas pela frente havia ainda um enorme Sporting para remontar.

E ficará mais fácil para se entenderem o jogo e a Liga que qualquer portista reconheça a dificuldade de bater um Sporting muito equilibrado defensivamente, e muito assertivo e eficaz ofensivamente. E em vantagem, foi ver o campeão moldar-se ao que o jogo pedia e tornar a bola que o FC Porto tinha em inócua, enquanto se espreitavam maneiras de aumentar a vantagem. Uma organização defensiva dificílima de furar e que só um rasgo de talento pode derrubar.

Engraçado é que Conceição tenha referido a importância do sexto momento na sua antevisão ao jogo, e tenham sido dois dos seus jogadores mais talentosos a encontrarem a forma de furar uma organização que tem sido imperial. Não só Luis Díaz – fulgurante e imparável no seu território mais perigoso – mas também Corona que teve a visão de perceber que o seu colega ficaria numa posição onde é verdadeiramente eficaz, à qual lhe juntou a arte de colocar a bola no sítio certo – num lance em que a maioria dos jogadores jogaria dois metros ao lado, o mexicano fabricou meio golo numa variação de flanco que tantos problemas deu ao FC Porto quando foi usada pelo Sporting.

Sporting muito desconfortável na fase em que gere a maioria dos seus jogos. 1.ª fase de construção não fluiu e o FC Porto poderia ter retirado grande vantagem disso

Um golo que não teve a arrogância de querer colocar justiça em coisa alguma (porque isso não existe) mas que demonstrou a fresta por onde a qualidade do FC Porto apareceu. Como já havia aparecido a do Sporting (que é bastante e que nem teve o seu melhor jogador), o equilíbrio fica patente e, assim sendo, a pretensão aqui nunca será arranjar um vencedor moral mas sim valorizar duas equipas que numa contingência assustadoramente adversa arranjaram formas para vencer mas acabaram empatadas. Lembramos de novo o desequilíbrio do FC Porto na 1ª metade, como lembramos as várias perdas de bola na 1ª fase de construção do Sporting, lembramos a falta de espaço para se jogar, os duelos e os muitos cartões a limitar ações. Lembramos as lesões, as viagens, os minutos nas pernas e a pressão de não se poder falhar na mente. E lembramos o que muito de bom se viu das duas equipas (Nuno Santos, Pedro Porro, Díaz, Diogo Costa…) e uma resiliência que não mereceria considerações tão negativas. É que um treinador não se pode desligar do jogo como um adepto só porque o mesmo não está a ser do seu agrado ou como ele esperou. As dificuldades pelas quais passaram as duas estratégias e a forma como se foram levantando as duas equipas (erguendo-se pelas suas valências) proporcionaram um jogo extremamente interessante para quem aceita o futebol pelo que ele é e não pelo que idealmente poderia ser. E o que a maioria das visões sobre o jogo demonstra é que se gosta de um certo tipo de futebol, de um certo tipo de desfecho, e não do jogo como um todo. E para isso já deveríamos estar vacinados.

Discernimento, inteligência e execução de Corona bastante importantes para colocar rapidamente Díaz no seu lugar de eleição. O colombiano fica nos holofotes pelo belíssimo golo, algo só possível pela rapidez e coragem do mexicano a ler o lance e a colocar a bola no sítio certo.

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