Picanha com Red Bull: A história de um dedo do meio que acabou em calcanhar

Se já estão fartos de thrillers com golos nos descontos, e se tudo isso já é um pouco banal, talvez a história de um avançado que custou 20 milhões no verão, que somou aparições nada eficazes, que só caiu no goto dos simpatizantes quando uma engraçada senhora o apelidou de Picanha, que descarregou a frustração com um dedo do meio que percorreu o país do futebol, mas que transcendeu tudo isso com um só gesto… talvez, dizia, talvez essa história seja do vosso interesse. Esta que, na realidade, é a história de como um golo tudo pode mudar na vida de um avançado e, até, na vida de um clube. Ainda para mais, sendo um daqueles golos que não dá tempo a grandes contra-respostas e que apura um Benfica, que se encontrava eliminado na Liga dos Campeões, para nova tentativa, desta feita, na Liga Europa.



Um Benfica que até fez bem cedo, em Salzburgo, os golos que precisava (dois de diferença) para carimbar a passagem à Europa League. Mas, lá está, havendo tempo de resposta para os adversários haverá sempre, para esta segunda versão do Benfica de Roger Schmidt, um delay entre o que se deseja e o que se tem. Porém, este jogo, apesar de um ou outro período atribulado (que até poderiam custar a permanência no futebol europeu desta época), o Benfica sai de Salzburgo mais estável. Não só pelo golo da passagem ao cair do pano (daqueles que dá sempre um boost anímico especial) mas por outra exibição com melhorias no entendimento em organização ofensiva e no condicionamento às saídas do adversário assim como na reação à perda.

Este será o caminho encontrado por Roger Schmidt para sair de uma fase turbulenta: Futebol apoiado, de pé-para-pé, com uma circulação pouco rápida mas controladora e a evitar (pelo menos nesta fase) muitos daqueles passes interiores que constavam do manual da época passada. É um Benfica, não se duvide, mais sólido mas também ainda longe da fluidez transacta em todos os momentos do jogo. Ainda assim, não se tenha dúvidas também, este foi um jogo que, em boa parte, rectificou aquilo que se passou no Estádio da Luz na 1.ª jornada. Um jogo em que uns meros minutos de pesadelo mancharam um resto de partida totalmente dominada pelos encarnados que, mesmo jogando com dez elementos, mostraram que esta vitória – estando o Benfica a um nível médio – seria bem possível. E é por esse médio nível, não se embandeire em arco, que anda o Benfica neste momento. Como um lesionado já com tempo de campo mas ainda a pensar no trauma que passou, desconfiado demais ainda para tentar passes interiores, posteriores recepções que orientem os jogadores para enfrentarem de frente as linhas defensivas, afundando as mesmas para depois as ferirem de morte com cruzamentos atrasados. Não, ainda não é esse Benfica. Mas esse, o da tal bitola da época passada e que agora faz (alguns) adeptos(?) atirarem garrafas ao treinador, foi construído em cima de vitórias. De vitórias claras. Este, em fase de reabilitação, quer encontrar-se na segurança das posses mais longas, mais pausadas, e dos entendimentos sempre pelo lado direito, onde Di Maria e Aursnes têm carregado a equipa e criado para Rafa marcar após várias tentativas. Tem sido assim e, convenhamos, é o melhor que se arranja, por agora. Convirá é não descarregar em Schmidt a falta de paciência, pois já sabemos o que ele consegue fazer com uma equipa confiante. Resta saber se o técnico alemão conseguirá, aos poucos, apagar a dúvida e conferir certezas. Aos jogadores, e aos adeptos.

Benfica mais activo (e reactivo) sem bola gerou várias ocasiões na contra-pressão. Lado direito, mais uma vez, a ser preponderante, num Benfica que mostra sinais de retoma na fluidez, circulação e criação de oportunidades.


Dizíamos nós que o Benfica entende-se melhor pelo lado direito pois, não tendo lateral-esquerda (apenas um defesa-esquerdo adaptado chamado Morato) e tendo dois rapazes que raramente perdem a bola e, ainda por cima conseguem criar algo com ela, ajuda à atração por esse lado. Dizíamos também que essa criação tem sido várias vezes (vezes demais) desperdiçada por Rafa. Contudo, ainda assim, Rafa tem molhado o bico, algo que não foi excepção nesta noite (45’+1, já depois de Di Maria ter feito o primeiro de… canto directo). E com os golos, e com a tranquilidade de um resultado que apurava as águias, a criação aumentou, a fluidez também e até roubos de bola no meio-campo contrário se avistaram (com Aursnes e João Neves ainda a níveis de época passada). O que faz crer, mesmo com Rafa, Kökçü e Di Maria em campo, que é possível aumentar a intensidade para condicionar a bola. E se nos lembramos bem (não me canso de o repetir em todas as crónicas) não foi com jogadores muito diferentes (ok, Gonçalo Ramos é excelente nesse momento mas já não explica tudo), não foi com monstros atléticos dizia, que o Benfica fazia, constantemente, um manto protector à sua linha média e defensiva, cobrindo a bola em boa parte do tempo.

A jogada no golo do Salzburgo poderia ser uma oportunidade para o Benfica recuperar alto. Algum atraso e falta de organização deixaram a saída desenrolar e o bloco foi forçado a recuar. Aí, a falta de agressividade e autoridade a cair na bola deixaram, mais uma vez, o Salzburgo encontrar as costas da pressão. Saídas adversárias e circulações têm de ser vistas, a todo o tempo, como oportunidades para transições, e o Benfica, que não havia estado mal nesses momentos específicos, tirou folga entre os 52 e os 55 minutos, nunca caíndo realmente sobre a bola – e sofrendo um golo que poderia dar muitos dissabores.


Não, ainda não se vê esse Benfica. E para o provar basta a mostra de um padrão que se foi repetindo entre a oportunidade de golo, aos 52′, e o golo do Salzburgo aos 55′. Linha de pressão avançada batida, adversários de frente para a linha média, ficando depois com facilidade de frente para a linha defensiva também. E o Benfica sempre a chegar atrasado e sem real autoridade. Todos estes são sintomas de oportunidade iminente, pois é isto que todas as equipas procuram. E só não o acham, frequentemente, quando a organização defensiva não relaxa. E observando esse lance denota-se a quebra (e algum desinteresse também) numa pressão e condicionamento que segura jogos. Um relaxamento que podia ser fatal não mostrasse Arthur Cabral (no culminar da boa reação encarnada ao golo sofrido) o dedo do meio a tudo isso.

Salzburgo-Benfica, 1-3 (Sucic 56′; Di Maria 32′, Rafa 45’+1 e Arthur Cabral 90’+2)

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