Resultados processados

O futebol vive em dois mundos diferentes. Processo vs. Resultado é uma dualidade cada vez mais debatida nos nossos tempos. Pela necessidade (artificial?) de resultados, é normal que o processo perca influência no foco, no objectivo, porque a absoluta necessidade de vencer, de conquistar objectivos, tornou-se a medida, o avaliador-mor, do trabalho de todos nós. Mas, ainda assim, os treinadores de futebol não esquecem o processo. Mesmo constantemente pressionados pelos resultados, a enorme maioria vê na ideia o motor que os poderá levar ao sucesso. E se olharmos para o FC Porto desta época poderemos ver resultados oscilantes, e um objectivo a uma distância cada vez mais fora do ponto-de-mira, contudo poderemos ver também como o processo está presente e como todas as oscilações da equipa são a luta de Sérgio Conceição para devolver estabilidade a um plantel em (constante) renovação.

Não tanto pelas saídas desta época mas pelo saldo de saídas, entradas de várias épocas, o Porto de Conceição viveu num constante estado de renovação que, nesta época, atingiu os resultados desportivos (e o processo) como nunca antes desde que Sérgio assumiu o leme do futebol do clube. O pouco poder de compra, as constantes saídas a custo-zero, a venda dos melhores por preços muito abaixo do que o Benfica consegue pelos seus melhores, obrigaram Sérgio a não prescindir, nunca, do seu melhor jogador: o processo. Já o sabemos, jogue quem jogar no FC Porto, há uma atitude (que contempla intensidade, boa agressividade, empenho total) que não pode faltar. Isso porque é essa que vai preencher as lacunas que os sucessivos mercados têm criado no Dragão. E quando se começa uma época a perder na Supertaça com o maior rival, vindos de uma época onde a perseguição ao Benfica foi uma constante sem deixar margem de manobra, os dragões de Conceição viveram, e vivem, entre a espada e a parede. E é por isso que, mesmo com um futebol e uma qualidade de jogo muito superiores ao que se viu com o Estoril em casa, os portistas tornaram a deixar cair pontos por terra nesta recepção ao Rio Ave.

Muitos erros não forçados do Rio Ave mas também um pressing bastante consistente dos azuis-e-brancos que voltaram a um registo de pressão mais adiantada neste jogo – com o intuito claro de não deixar uma criar uma equipa com bastante qualidade a construir desde trás. O Dragão pode agora ver uma equipa que tanto pode fazer uma pressão mais recuada, como um pressing mais alto. Ambas eficazes para condicionar imenso o adversário.



Não se enganem, se formos julgar pelo processo, o FC Porto teria todas as razões para não ficar abalado mesmo depois deste empate. É que se olharmos para a qualidade de jogo, essa ficou muito perto daquela que é exigida a quem quer ser campeão nacional – coisa que raramente se viu nos dragões este ano para a Liga. E se nos remetermos somente ao período em que Sérgio conferiu nova roupagem à equipa (falamos obviamente da abertura dos alas e da opção por Pepê como terceiro médio/segundo avançado), então este foi mesmo o melhor jogo da época portista no campeonato. Isto porque a equipa ligou o jogo de forma inspirada e fluida em organização ofensiva, o que ainda, a meu ver, não tinha acontecido depois desta mudança. E como tenho vindo a escrever, esta nova configuração azul-e-branca havia sido especialmente eficaz em transição ofensiva (podendo oferecer, a espaços, bola aos adversários para assim os poder desorganizar) conseguindo, nesse momento, uma ligação bastante efectiva pela rapidez de processos entre os quatro da frente que formam três repentistas atrás de um avançado que está en racha. Mas o que ainda não se havia visto (tirando a segunda-parte em Faro, onde em vantagem o FC Porto controlou) foi essa mobilidade, essa rapidez e efectividade de processos em organização ofensiva.

Momentos de organização ofensiva (mais directa ou mais elaborada), transição defensiva e organização defensiva do FC Porto. Um vídeo que explica, em boa parte, o insucesso do Rio Ave em construir e criar oportunidades.



Uma melhoria que, mesmo retirando as temíveis transições ofensivas portistas da equação, foi criando situações. Tudo também, claro está, pelo condicionamento às saídas do Rio Ave (que podiam ter acabado com o jogo bem cedo) e por uma fortíssima reação à perda – que contrastou com a atitude do Benfica, por exemplo, que na recepção ao mesmo adversário concedeu várias oportunidades de golo. Não, o FC Porto não deixou o Rio Ave criar (à excepção de uma boa situação que traremos aqui em vídeo), mas com isso ganhou e perdeu coisas. Com a demora do golo em aparecer (por esta altura o leitor já saberá que o FC Porto viu dois golos serem anulados e um penálti revertido pelo VAR) o Rio Ave afundou cada vez mais e teve, no intervalo, hipótese para unir o grupo em torno da causa da organização defensiva. Foi, por isso, uma equipa de uma só missão no segundo-tempo, enquanto que o FC Porto foi acusando o peso de imensas cenários negativos que os seus jogadores iam imaginando. Em primeiro, a injustiça que penetrou pela mente quando a exibição não se refletia no resultado, em segundo, a ameaça dos minutos passarem cada vez mais rápido e essa exibição não estar em crescendo (à medida que o tempo ia passando e o Rio Ave estabilizou em organização defensiva, o Porto teve mais dificuldades em criar) e, em terceiro e não menos importante, a distância pontual a querer aumentar para números que poderão ser incomportáveis para o objectivo principal. E esta, a terceira, está como pano de fundo em todas as músicas que os dragões têm tocado desde a passada época. Correndo atrás, o FC Porto está sempre a tentar desligar da mente a sensação de que pode perder o campeonato em cada jogo. E por isso Sérgio agarrou-se o máximo possível a esta boa exibição e ao crescendo do processo em organização ofensiva, pois também eu tinha dificuldades em perceber como viria alguém do banco para melhorar ou para retomar o ritmo da primeira-parte. E as substituições deram razão: Porque Toni Martínez é pouco (para não dizer pouquíssimo) efectivo com bola, porque Ivan Jaime terá sempre muitas dificuldades para criar a partir da linha (é como Pepê um terceiro médio/segundo avançado) e porque a Gonçalo Borges pesou-lhe em demasia a responsabilidade de criar no 1×1. Assim, de boas indicações no processo (que viverão para outros jogos) o FC Porto passou a jogar com a música de um resultado negativo como pano-de-fundo, e que influenciou todas as decisões, todas as ações, todas as ideias no período final desta partida.

O Rio Ave vinha preparado para ferir o FC Porto fazendo uso da organização ofensiva. E se juntarmos este aos vídeos acima, perceberemos o porquê de o FC Porto ter feito uma pressão sem contemplações à saída rioavista. Com espaço e subidos, os centrais constroem bem e em poucos toques poderão deixar o adversário desequilibrado. Valeu a recuperação de Nico quando a linha defensiva portista já se encontrava algo exposta. Ainda assim, na transição seguinte, o Rio Ave criou a sua única oportunidade clara – algo que demonstra quão efectiva e importante foram o posicionamento, pressão e contra-pressão do FC Porto.

Sem surpresa, o FC Porto ia esbracejando, com frustração, enquanto que o Rio Ave ia estabilizando no objectivo que criou ao intervalo: defender o nulo. Mas findo o jogo, será agora uma questão de ver o copo meio-vazio ou meio-cheio. É que o processo está lá. E não tendo o FC Porto hipóteses de ter tido esta estabilidade exibicional ao decorrer da época, terá agora de viver, com paciência, as dores de crescimento desta nova configuração. O plano já lá está e está demonstrado que pode funcionar, mas a música de fundo tem de ser a certeza e não a dúvida, e por consequência, a frustração e impotência que tem imperado quando o resultado não está a favor. Foi assim a jogar de forma pouco fluida contra o Estoril, foi assim fazendo uma bela exibição (na maior parte do tempo) contra o Rio Ave. E essa é, parece-me, a lição que o FC Porto terá de aprender até final da época. O foco neste processo que está em crescendo e o desapegar de um resultado que lhe tem colhido a estabilidade emocional. E em fevereiro, a uma distância de 7 pontos para o Benfica (oito possíveis para o Sporting) o que vier a mais desse crescendo exibicional será lucro. Não é apagar o desejo pelas conquistas, é colocar esse mesmo desejo na aprimoração do processo, na reação com estabilidade emocional e certeza a todo e qualquer momento, em todo e qualquer resultado, em todo e qualquer cenário e em todo e qualquer lugar. Só assim o FC Porto retirará o melhor para si desta época e o guardará também para a seguinte sem deitar qualquer toalha ao chão (veja-se o caso do Sporting que soube levar o murro do 4.º lugar no queixo e seguir com o processo em frente para a época seguinte). No futebol não há garantias de invencibilidade, de invulnerabilidade, e ao ver os jogadores do FC Porto a caírem nessa esparrela, esbracejando frustradamente quando as coisas não correm de feição, deixa a nu que (com qualidade exibicional ou sem ela) têm jogado com mais medo de perder (e medo da reação posterior a essa derrota) do que com certeza de ganhar. E sendo que ganhar nunca é certo, resta o foco no processo (que está lá e está em crescendo) para dar essa garantia e essa estabilidade emocional que tem faltado. Talvez ainda se vá a tempo, quem sabe?

Salto qualitativo da organização ofensiva portista desde que Sérgio Conceição retocou o sistema. No primeiro vídeo emerge Nico González, e no segundo sobressai Pepê. Chegada à área e jogo-interior do espanhol no vídeo acima (que na 2ª jogada mostra bastantes semelhanças com o Benfica da época passada – jogo interior, exterior e finalização depois de cruzamento atrasado) e a velocidade estonteante do brasileiro a carregar o jogo em organização, no clipe abaixo. Momentos que, apesar da perda de pontos, o FC Porto deverá guardar nos aspectos positivos do jogo.

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