Três golos, três histórias

Em cada jornada, as histórias dos golos dos três grandes deixam ao descoberto as dificuldades dos pequenos em criar um plano efectivo para travar o seu maior poderio. A enésima prova é a de que os jogos de domingo (Farense-Porto) e segunda-feira (Estrela-Benfica e Sporting-Casa Pia) trazem-nos também a enésima história sobre mantas-curtas. Mas, antes de partirmos para uma análise que se quer feita de forma neutra, há que acalmar as hostes e perceber-se que essa terá de ser feita tendo sempre em conta a diferença (abissal) de qualidade que existe entre Farense e FC Porto, entre Estrela e Benfica e entre Sporting e Casa Pia. Todas as opções tomadas têm em conta reduzir essas enormes diferenças e, por isso mesmo, em alguma parte dos jogos essas virão ao de cima. Não há panaceias. Há sim uma enorme astúcia e um enorme brainstorming para tentar esbater distâncias entre Mundos completamente distintos. Umas vezes resulta, outras não. Mas contra os grandes há imensas formas de perder e pouquíssimas para ganhar – sendo que nos rescaldos, demasiadas vezes, parece ser o contrário, tal é a indiferença com que se reage a tamanhas diferenças. Isto quando se tem em conta, sequer, as equipas de menor valia.

Evanilsão também na transição

Foi a partir desse pressuposto que José Mota organizou o seu Farense para defrontar um FC Porto em crescendo de objectividade e que ganhou, nas últimas jornadas, uma nova forma de atacar o adversário. Assim, se esperavam um Farense de linha de seis em riste, esqueçam, pois na maior parte do tempo Mota não abdicou da sua maior valência: a transição ofensiva. E para a ter, da forma que lhe tem dado eficácia e uma 1.ª volta tranquila, o experiente treinador sabia que não podia remeter os seus alas para espaços muito recuados. E foi a jogar na maior parte do tempo, com linha de quatro, que o Farense causou dificuldades ao FC Porto, bem patentes numa bola que bateu no poste de Diogo Costa e no penálti azarado de Matheus Oliveira. Um embate táctico que resultava em espaço para um FC Porto com mais espaço do que o costume em organização ofensiva (que ainda assim não foi muito, pois o Farense soube aumentar a linha quando devia). Mas foi em transição ofensiva (a tal fortíssima nova arma dos dragões) que os portistas haveriam de chegar ao golo – castigando a falta de eficácia dos algarvios. Recuperação alta de Evanilson e possibilidades reduzidas para o Farense fechar. É a importância das transições que tornam o comum jogo de xadrez dos nossos tempos em drag races que a maior qualidade não desperdiça.

Numa época atribulada o FC Porto perdeu algumas valências das épocas passadas mas, com esta nova versão, tem recuperado (transição ofensiva e bolas paradas) e a organização (com Pepê como acelerador) encontra agora confiança para começar a carburar – como já se viu num jogo de maior controle na 2.ª parte. Ainda há muitas arestas a limar, mas o FC Porto trabalha agora sobre vitórias e a confiança sobe para ajudar a decisões com maior clareza. Algo que se nota imenso numa transição ofensiva temível e que não se via desde os tempos de Jesualdo Ferreira – uma valência extremamente útil para desorganizar adversários de outra maneira, concedendo bola, forçando o erro e aproveitando espaço.

Estrela nada Amadora forçou Benfica profissional na verticalidade

Não falamos, assim, de jogos em que os ditos pequenos passaram os jogos condicionados somente a defender. É uma parte importante, obviamente, e essa está cada vez mais trabalhada com argúcia. É agora em outros aspectos que equipas como o Estrela precisam de evoluir para deixarem de sair destas partidas só com o tal bom jogo e essa palmada nas costas. E ao Estrela faltou muito menos do que o resultado indica para o resultado final ter sido bastante diferente. Tal como o Farense (e, se olharmos para outras jornadas várias, outras equipas) faltou ao Estrela último terço para augurar outro controle. Já o sabemos, a única medida real do jogo é o golo. E assente numa organização defensiva com uma linha defensiva bastante alta e com uma linha média a saber quando aumentar o espaço entre-linhas e quando fencurtá-lo, a estratégia de Sérgio Vieira travou, na maior parte dos primeiros 45 minutos, um Benfica que ficou bloqueado sem profundidade e que viu os da casa (à medida que o Estrela ia fazendo uso do seu meio-campo para roubar bolas) criarem oportunidades para mais do que a curta vantagem que conseguiram. E, talvez, o controle do jogo que obtiveram (bem real) subisse para outro patamar que não permitisse ao Benfica (ou ao FC Porto no jogo com o Farense) virar, em pouco tempo, o jogo a seu favor. E se os portistas o conseguiram em transição, coube ao Benfica forçar o jogo mais directo para descoordenar uma linha defensiva que ia expondo várias carências no ataque encarnado, num jogo em que a primeira metade lembrou o empate das águias em Guimarães na passada época. Foi assim, com mais verticalidade, que o plano de Schmidt fez esquecer os longos minutos em que não ganhou as costas da defensiva tricolor e em que não conseguiu encontrar espaço entrelinhas que lhe permitisse ficar de frente para essa mesma linha.

Com o jogo-interior a não funcionar (uma das diferenças em relação à época passada e que retira fluidez) e a profundidade a ficar estancada na estratégia do Estrela, foi no jogo-directo que o Benfica encontrou a solução para virar o jogo o seu favor. Simplicidade na abordagem, ganho da 2.ª bola e libertar de espaço para Rafa, sem que o meio-campo do Estrela (que trabalhou imenso e bem) pudesse intervir. E depois de passar por enormes dificuldades (também defensivas) o Benfica lançou-se para um jogo de maior competência na 2.ª parte fazendo uso, na primeira, de algo não tão habitual no jogo de Schmidt. Algo que revela inteligência, numa era onde nenhum recurso se pode recusar. E com tanta informação, tanta teoria e tanta possibilidade, a sensibilidade de saber quando fazer o quê é agora um dos recursos mais importantes. E o Benfica soube fazê-lo para virar o jogo.

Rúben joga à sueca com Ás de tru(i)nfo

De todos estes embates, o único em que a estratégia da equipa menos cotada falhou redondamente acabou por ser o Sporting-Casa Pia, onde os gansos – mesmo apesar da meia oportunidade criada enquanto o jogo estava em aberto – nunca conseguiram aquela qualidade necessária em organização defensiva para travar o maior poderio do adversário. À semelhança do Estrela, o Casa Pia fez uso de uma linha defensiva bastante adiantada, mas a pressão na bola não teve o vapor necessário para a proteger. E com sucessivas bolas descobertas, o fabuloso ataque à profundidade do Sporting encontrou na primeira meia-hora espaço para criar um jogo onde a real diferença de orçamentos encontrou real correspondência no resultado. Jornada após jornada os pequenos tentam esbater essa diferença, conseguindo estancá-la até por muito mais tempo que o esperado. Mas, algumas vezes, na tentativa de criar um ponto de vantagem nas suas estratégias, as equipas com menores recursos acabam por se expôr de maneira irremediável e irreversível. É o Mundo cruel do futebol onde o risco de querer algo mais depende em demasia da inspiração do grande que se defronta. E no caso deste Sporting-Casa Pia, os leões foram demasiado tudo para um Casa Pia que nos faz voltar a uma conversa que, pela crescente competência das organizações defensivas em Portugal, já estava meio esquecida. Falamos das bolas cobertas e bolas descobertas que entrou no léxico das análises quando havia imensas situações onde o controle da profundidade ficava exposto. E, nesta segunda-feira, essa conversa volta a ser tema porque contra o Sporting não se pode, sequer, querer controlar profundidade. Tem mesmo de se atacar também, como avançados leoninos o fazem (especialmente aquele rapaz nórdico que faz lembrar um XC90 com motor V8). Um desiderato difícil, mas que poderia ter a ajuda da pressão mais adiantada na bola – algo que não aconteceu e que tornou o plano numa via sacra. Acontece a quem se dá à coragem de andar nisto e não merece escória e mal-dizer, mas sim a compreensão de quem sabe é tarefa inglória fugir ao erro neste tipo de jogos. E, por vezes, a vários e imensos erros. Faz parte, sendo que a reação a essas inevitabilidades é agora o mais importante.

O à-vontade com que Hjulmand recebe entre as linhas de ataque e meio-campo do Casa-Pia traçou o destino dos gansos neste lance. Falta de pressão ou condicionamento para cobrir a bola, tornou impossível a uma linha defensiva, que também não reagiu em conformidade, recuperar espaço para avançados embalados desde trás. Com a bola descoberta por tanto tempo (o dinamarquês recebe e vira-se de frente passando alguns segundos com a bola e ainda armando o passe sem oposição) retirar esses metros (antes de Pote) teria obrigatoriamente de ser feito.



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