O Sucker Punch e a objectividade

No que toca a um jogo de futebol, em que o resultado será aquilo que mais define o objectivismo do mesmo, é recorrente acharmos que a força que se imprime no físico tem a maior das relações entre o que acontece e o que pode acontecer no rectângulo de jogo. Contudo, são mais que muitas as provas de que uma equipa pode realmente imprimir mais força, aproximando-se assim do maior dos objectivos (o golo) e ainda assim sair por baixo ao fim dos 90 minutos. Assim a relação entre força e resultado final está, digamos, incompleta. Isto porque será impossível vencer um jogo estando-se fisicamente parado e tentar, unica e exclusivamente com os poderes da mente, ganhá-lo. A força que se imprime no corpo emocional (o mais próximo do físico e aquele que o faz mexer) é absolutamente necessária, mas não é totalmente objectivo que seja esta a forma que mais aproxima as equipas de vencer os jogos. Acima do corpo emocional, surge o corpo mental, o reino das ideias, se quisermos, que organiza a equipa para aquilo que ela pode fazer no jogo. E, ainda, acima desse surge o corpo que define que ideias poderemos ter, que abre hipóteses a umas e fecha a porta a outras. A identidade de uma equipa de futebol, e a própria identidade dos jogadores e técnicos, forma o corpo identitário. E é aí que tudo começa. Não como a ciência hoje define (que só uma acção física, que só tudo o que se passa no físico é objectivo e não subjectivo), descurando tudo o que se passa nos corpos identitário, mental, emocional que definem aquilo que se passará no físico.

Esqueçam assim poderem manifestar o que desejam estando, num desses corpos, separados desse objectivo. Não se poderá manifestar umas meias-finais da Champions League, se em algum lugar desses corpos, está a dúvida de que realmente podemos lá chegar. Assim, um FC Porto melhor do que o Liverpool durante 27 minutos – que criou inúmeras finalizações na área até ao golo de Mané – não se separou de manietar os reds, de os condicionar e de os empurrar para a sua grande-área. Com Herrera de regresso ao onze, com Otávio na direita, Brahimi na esquerda e Corona mais vagabundo (o joker que confundiu a organização defensiva de Klopp), o FC Porto, temos a certeza, conseguiu aquilo que realmente achava possível conseguir: dominar e, de alguma maneira, limpar a imagem que os resultados anteriores, no Dragão há um ano e em Anfield há uma semana, deixaram ao Mundo do futebol. E quem viu o jogo com atenção sabe que Klopp (que deixou Henderson e Bobby Firmino no banco) não ganhou para o susto quando Corona (logo nos primeiros segundos), Marega (por duas vezes e a confirmar a separação identitária e mental dos dragões com o golo), Herrera, Danilo e Pepe (a milímetros de cabeceamentos que noutros jogos são golos certos) e Brahimi (já depois do sucker punch que foi o golo de Sádio Mané) ficaram bem perto de marcar, Klopp não ganhou para o susto, dizíamos, e pode agradecer que um FC Porto centrado no corpo emocional tenha usado a força do mesmo somente para confirmar que nos corpos acima a sua separação com o real objectivo era gritante.

Durante aproximadamente meia-hora este pareceu um jogo normal no Estádio do Dragão. Pressão incrível da equipa da casa (com o meio-campo dos reds a não conseguir responder ao quinteto Corona, Brahimi, Danilo (que às vezes se posicionou à frente de Herrera), o mesmo Herrera e Otávio, e a bola a correr por todos estes, e também pelos da linha defensiva sem aquele temor da oferta, do brinde, que tantas vezes torna estes jogos, para o FC Porto, em montanhas intransponíveis. O golo – que matou a força que o FC Porto fazia emocionalmente – confirmou também que para o Liverpool essa separação não existe. Sem tanta força e tanto foco na emoção, mas com uma identidade que nunca se separou do real objectivo, uma equipa que está por baixo pôde sair daquela fortaleza marcando quatro golos e confirmando com sorrisos aquilo que interiormente sabe: que é (bem) mais forte. E isto, relembramos, não começa no físico – criando um fluxo anti-natural – em que o mesmo, condiciona os outros corpos. O fluxo normal será a identidade ditar a ideia, a mente ditar a força emocional com que essa se traz ao físico. Assim, nada na pressão portista, que se materializava fisicamente pelos lances que assinalámos, toldou o corpo mental do Liverpool. Esse nunca se separou dos golos que, novamente, lhe deram uma vantagem confortável sobre os portistas, mas a boa notícia é que, deixando de lado o objectivismo que a ciência clama que tem, o FC Porto, e outros, podem refinar o conteúdo dos outros três corpos para que injustiças como estas (que na realidade não o são, apenas o reflexo da identidade,mente e emoção das equipas) não se voltem a repetir. E a única injustiça é, realmente, vivermos num Mundo que corrompeu isso com a ideia de que é físico que tudo comanda , que só o que está no físico é objectivo, e que o resto é bola, tudo subjectivo. Mas será mesmo assim? Que importância terá aqui que este seja um filme mais que visto e revisto e que, pela enésima vez, o golo (Militão 68′) só chegue quando já não há nenhuma hipótese de concretizar o real objectivo?

FC Porto-Liverpool, 1-4 (Militão 68′; Mané 26′, Salah 65′, Firmino 77′ e Van Dijk 84′)

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