Divisão multiplicada

Não conheço todas as línguas do Mundo. Nem uma ínfima parte, por sinal. Das poucas a que me dediquei, encontro em duas delas palavras que formam conceitos únicos. O caso mais flagrante para nós portugueses será o mediatizado conceito de saudade, por exemplo. Em inglês, língua que quanto mais conheço mais percebo o porquê de ser universalmente entendida, cativa-me o conceito de oneness. Não é bem unidade (unity), ou união (union) e parece-me expressar o ‘ser um com algo’ que tanto nos faz falta entender neste conturbado momento que vivemos.

Falta controlo. Perdemo-lo. Este não é um jogo que estamos habituados a jogar, porque as regras parecem ser outras. De repente não podemos fugir, escapar, à realidade de que, afinal, somos mesmo um só. Sim, as nossas acções afinal têm consequências no todo. Estão interligadas. E todos os anos de escapismo que passámos a desviar-nos dessa realidade, nos são agora lembradas de uma forma pandémica, onde afinal a melhor decisão para o individual é a melhor decisão para o todo.

Talvez por isso a melhor forma de lidar com isto não seja a procura do que havia antes. A procura do ‘era bom que tudo voltasse a ser como antes’ não é, nem poderá ser a solução até porque, foi o estado anterior que criou condições para que o estado actual fosse este. As anteriores prioridades e falta delas criaram os espaços por onde o vírus se espalha. E o simples facto de termos ignorado a saúde e os seus profissionais em detrimento de escapismos, coloca agora dificuldades que não permitem uma solução mais rápida e equilibrada em todas as nações. E por muito que se venda a ideia de que ‘lá não é como cá’, nenhuma nação estava preparada para este flagelo e todas actuaram em reação a um problema que não tem solução única.

Mas enquanto a consciência global parece dar alguns sinais de retoma, com actos de caridade e gratidão, a necessidade de controlo continua a deixar-nos inquietos, preocupados e, sobretudo, hostis uns com os outros. É o caminho perfeito para a dualidade do certo e errado florescer e nos dividir cada vez mais. A cada comportamento errado lá surge o justiceiro da rede social a imperar e cavar mais o fosso entre pessoas certas e erradas, burras e inteligentes, as que num mundo ‘perfeito’ seriam atiradas para o inferno enquanto os paladinos ficariam com o Mundo só para eles e para as suas ‘perfeições’ exteriores ao jeito de mais um bitaite no Twitter. Devo lembrar-vos que foi assim que tudo começou. Que foi isso que nos levou até aqui e que nenhum problema é resolvido no mesmo estado de consciência que o criou. Ou na versão mais conhecida, a definição de loucura é esperar que algo mude continuando a fazer as mesmas coisas.

Isto porque por aqui somos treinadores de futebol. E por norma não é esse o método que seguimos. A oneness de uma equipa não se consegue com divisões entre burros, cepos e inteligentes e criativos. Isso pode servir no café, no tasco, no facebook ou twitter, mas ninguém vingará a sério numa equipa criando essa divisão. Para todo o comportamento (mesmo aquele que não está ainda dentro do padrão que se quer) há a responsabilidade de perceber a sua essência. Há a responsabilidade de perceber que a limitação surge de sentimentos e ideias baixas e que o ser que actua nelas pode muito bem actuar noutras se tiver mais acompanhamento, mais informação, atenção e… misericórdia. Sim, a misericórdia é componente essencial no crescimento. Perceber que antes de tudo isto também muitos de nós não o julgavamos ser possível. Era mais um H1N1, mais um H5N1, ou outro surto que nunca nos tocou à porta. Também nós nos enganámos, também nós ‘espertos’ não previmos isto, e também os burros que foram para a praia deixaram de o ser quando perceberam finalmente a gravidade do problema. Servirá para todos o crescimento que, ainda assim, se registou no acolhimento da ideia de que ficar em casa era essencial. Uns chegámos lá mais rápido, outros mais lentos, outros ainda não chegaram. Mas estando todos no mesmo barco torna-se essencial perceber que se foi o medo, a ignorância e o desconhecimento que criaram o problema, então não serão estas a resolvê-lo. Tenham misericórdia (encontrando o potencial de todos em perceber a real mensagem) e não caiam no velho truque de despejar frustrações em quem vai mais abaixo na escadaria de como lidar com isto. Um velho truque que nos faz ganhar de novo a sensação de controlo (tentar forçar os outros dá aquela pontinha de superioridade, não?) mas que não ajuda em nada a que saíamos daqui com o menor número de baixas. Estamos todos nisto. E um colectivo não avança a deixar os membros para trás. Lembrem-se da ignorância de dezembro e do conhecimento de março quando forem bater no vizinho do lado. Expliquem-lhe como vos explicaram, tentem que eles percebam como vocês perceberam. Havemos de sair disto todos, como equipa! Esse seria o melhor cenário possível. Lutem por ele… não lutando, entendendo.

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