3+2, a estrutura comum das melhores equipas do futebol mundial

O futebol é feito de ideias, inovadoras ou renovadas, que conseguem marcar gerações e eras do futebol por se tornarem tendencias. Sejam sistemas (3-4-3, 4-4-2, 4-3-3), perfis de jogadores (extremo de linha vs pé trocado, central líbero ou forte com bola) ou mesmo ideias e estilos de jogo (controlo da posse desde a construção, pressão campo inteiro), todas elas começaram como inovações, e rapidamente acabaram por se tornar tendencias por causa do sucesso que foram tendo. Quem não se lembra das míticas equipas de Sachhi, Cruyff, Tele Santana, Ferguson, Mourinho ou Guardiola, e de como todos estes treinadores, de maneiras diferentes, trouxeram nuances e ideias diferentes ao jogo que foram adaptadas por milhares de treinadores pelo mundo fora.

Hoje em dia diz-se que um sistema de 3 defesas centrais está “na moda”. Não gosto muito deste termo, porque acredito que ninguém ao mais alto nível escolhe um sistema porque os outros o estão a fazer, mas sim porque são analisadas e criadas vantagens a partir de um sistema que tem tido sucesso nos últimos anos. É curioso que, numa altura onde muita gente, onde me incluo, defende que muito mais importante que os sistemas são as dinâmicas e comportamentos da equipa com e sem bola, exista um sistema que parece condicionar por completo a abordagem ao jogo dos adversários. No último Europeu, 14 das 24 equipas utilizaram um sistema de 3 centrais pelo menos uma vez, algo notório da influência e aposta nestes sistemas. Já há alguns anos que reflito sobre esta tendência, e analiso ao detalhe as equipas mais dominadoras do futebol mundial, e cheguei a algumas conclusões e reflexões que achei pertinente partilhar.

A mais importante é que, ao contrário do que se pensava há muitos anos, a mudança para um sistema de 3/5 defesas parece-me muito mais a pensar no momento ofensivo do que no defensivo. A maioria das equipas já deixava apenas 3 jogadores atrás quando atacava, deixando os dois centrais mais o lateral contrário, ou dois centrais mais o médio defensivo, por exemplo. A evolução do futebol, e das suas regras, fez com que o momento de construção tenha ganho muita importância nos últimos anos, onde as equipas procuram construir da melhor maneira com o menor número e jogadores possíveis, de forma a poderem ocupar os espaços mais adiantados com mais gente. É aqui, numa fase mais adiantada do momento com bola, que tenho visto o padrão mais frequente nas melhores equipas do mundo, joguem elas num sistema que parte com 3, 4 ou 5 defesas: atacar em 3+2, isto é, com uma linha defensiva de 3, com dois médios à sua frente. Dentro das inúmeras variações de sistemas e dinâmicas que existem, identifiquei este padrão nos últimos 5 campeões da Premier League, liga onde se encontram os melhores treinadores do Mundo, no campeão europeu (Chelsea), Italiano (Inter), português (Sporting) e espanhol (Atlético Madrid) e também na mais recente campeã europeia de seleções, a Italia.

Antes de aprofundar sobre estas equipas, e as suas diferenças e semelhanças, quero refletir sobre este posicionamento, que conheço bem e é utilizado no clube onde trabalho, e quais as vantagens que identifico nos diferentes momentos do jogo para se ter tornado uma tendência tão grande no futebol atual, posicionamento esse que até se tornou famoso na tática WM (a disposição do 3-2-2-3 lembra essas letras), adoptada pela primeira vez na década de 1920 (!) e que se tornou popular através do Arsenal desse período e, mais tarde, pela seleção húngara da década de 50.

  1. Distâncias da equipa com bola: com uma linha defensiva mais aberta, mais fechada, com os médios em alturas diferentes ou na mesma linha, a disposição do 3+2 permite ocupar os 3 (ou 5) corredores verticais, dando diferentes linhas de passe e condicionando o posicionamento de quem defende, podendo a equipa com bola explorar a profundidade do campo e a largura nunca estando demasiado distante de um colega de equipa.
  2. Criação de vantagens numéricas, mas também posicionais: com o desenvolvimento do papel do guarda-redes na construção, mesmo que uma equipa tente espelhar o posicionamento de 3+2 (com 4-3-3 torna-se um encaixe perfeito), a verdade é que o guarda-redes é um homem extra, e permite que a equipa tenha sempre os outros 5 jogadores em zonas mais avançadas, algo que com 4 defesas normalmente podia não acontecer, onde um dos médios baixaria para apoiar caso a ligação com o 6 estivesse fechada, deixando apenas 4 homens na frente. Torna-se assim mais “fácil” ter homens mais adiantados, sabendo que a equipa estará equilibrada e ao mesmo tempo muito ligada para progredir no terreno.
  3. Preparação para o momento da perda: a nível pessoal, considero um dos fatores mais importantes. Ter 3 defesas centrais (e móveis) com dois médios à sua frente permite não só um equilíbrio constante, como uma reação à perda que pode ser agressiva e muito subida no terreno sem perder homens em zonas centrais. As melhores equipas do mundo dominam a bola durante mais tempo, jogam mais subidas, e ter uma reação forte ao momento da perda de bola é essencial para controlar o jogo e asfixiar os adversários.

Passando então para alguns exemplos, trago o Chelsea de Conte (16/17), o Liverpool de Klopp (desde 2015 mas atingiu o topo em 2019), City de Guardiola (desde 2016) e a Italia de Mancini, cada uma com variações muito interessantes na maneira de atacar, e que mostra que, independentemente das características dos jogadores e do modelo, a base do 3+2 pode ser vista em diferentes sistemas e filosofias de jogo:

A equipa de Conte, tal como as outras, revolucionou de certa maneira a Premier League, mas eu diria até que foi o início desta nova vaga de sistemas de 3/5 defesas, alinhando num puro 5-4-1 a defender e depois no ataque a lançar os dois alas para a última linha e deixando os defesas e os dois médios centro (Fabregas e Kante) mais recuados.

O Liverpool de Klopp acabou por ter mais impacto no seu estilo de jogo muito pressionante e vertical do que pelas nuances em si, que dependem muito das características individuais dos seus médios e dos laterais. A defender a equipa atua num 4-3-3 típico, mas a verdade é que no ataque a equipa acaba por beneficiar e explorar a verticalidade dos seus laterais, Robertson e Alexander Arnold, juntando Fabinho quase sempre aos centrais (não entre eles), e os médios mais utilizados (Henderson e Wijnaldum) a equilibrarem:

Guardiola tem sido inovador na reutilização de ideias do passado e na maneira como as implementa de forma brilhante no futebol moderno, garantindo um lugar no pódio de melhor treinador de sempre. No City, Pep continuou a partir do seu 4-3-3 habitual, mas a verdade é que ao longo dos anos temos visto muitas nuances e variações da equipa quando tem bola. Uma menos utilizada, mas que decidi destacar, foi há 3 épocas, quando alinhava com Fernandinho a partir do centro da defesa, Laporte como defesa esquerdo, e depois avançava o médio brasileiro para perto de Gundogan, deixando os dois laterais perto de Otamendi. Com bola, o City junta os seus dois interiores na linha avançada, com De Bruyne e David Silva muito subidos e com diferentes tipos de movimentos para ganhar espaço no último terço:

Para terminar, o exemplo mais recente, e provavelmente o que temos visto mais nos últimos 2 anos, trago a Italia de Mancini. Partindo de um 4-3-3 / 4-2-3-1, e passando para um 3-4-3/3-2-5, os italianos utilizavam dois laterais de características diferentes para se moldar quando tinham bola. Spinazzola, ofensivo, vertical e muito capaz de fazer o corredor todo, subia pela esquerda empurrando Insigne para zonas interiores, enquanto Di Lorenzo fechava como central pelo lado direito, com Barella, um dos médios, a entrar na linha avançada. Jorginho e Verratti eram os apoios próximos e que, com muita qualidade, controlavam os espaços e a bola em zonas centrais.

Sobre RobertPires 84 artigos
Rodrigo Carvalho. 26 anos, treinador adjunto-analista nos San Diego Loyal, EUA. @rodrigoccc97 no Twitter.

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