Zona é liberdade: predominância do cérebro no momento sem bola

17 anos….desde que o Chelsea, de José Mourinho, entrou para a historia do futebol inglês após a conquista do campeonato depois de 50 longos anos. Uma equipa que se destacava pela sua eficiência defensiva ou melhor pela sua inteligência no momento de defender a sua baliza. Ricardo Carvalho e John Terry no eixo da defesa facilitavam a tarefa. Um plantel construído pelo então jovem Mourinho, trazendo com ele os portugueses Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho e Tiago, aos quais acabaram por se juntar Drogba, Robben e Petr Cech.

E porquê falar deste Chelsea 17 anos depois? Este artigo tem como objetivo desmentir uma ideia que hoje parece estar a tornar-se enraizada. Ideia que crê só ser possível ter um bloco agressivo e pressionante se o mesmo orientar a sua referencia ao homem, tendo como primeira referencia posicional o adversário, marcando o mesmo, acompanhando os seus movimentos de perto. Importante acrescentar que “marcação ao homem “ é um conceito diferente de “marcação individual”. A marcação ao homem procura “marcar” o adversário que se encontra no nosso raio de ação, não o acompanhando no campo todo .

Hoje em dia podemos observar um ressuscitar desse conceito. A Atalanta de Gasperini, o Leeds de Bielsa,o Milan de Pioli…fazem-o de forma total seja a 30 metros da baliza como a 80. Existem também varias equipas que só adotam este conceito em bloco alto procurando principalmente condicionar a saída de bola da equipa adversária.

Mas será esta a forma mais inteligente e eficaz de condicionar o adversário? Será impossível ter um bloco agressivo tendo em conta outras referencias para além do adversário ?

Pense comigo….se o futebol é um jogo de espaços onde não é possível marcar o campo todo; onde existe sempre um espaço impossível de defender, o que é que será mais adaptado à especificidade do futebol ?

Defender os espaços valiosos! E qual é o espaço mais valioso? A zona da bola, o espaço onde está a bola tem sempre que ser aquele que orienta todo o processo, o que permite, por isso, que a equipa consiga funcionar como um todo, como um bloco com princípios e identidade. Vários princípios que hoje já são populares como o princípio de basculação defensiva, que permite reduzir o espaço à largura e dá-nos a possibilidade de ter superioridade numérica junto à bola, o principio de deslocamento das linhas que obriga o bloco a manter distancias curtas entre si e vários outros que só são possíveis se a primeira referencia for o espaço. Posto isto qualquer marcação ao adversário não deve passar de uma ação circunstancial.

Esta importância dada ao espaço proporciona uma resposta à questão lançada ! A referência que nos permite condicionar o adversário de forma mais inteligente é a do espaço ao qual nos consente a criação de “zonas pressionantes”. Mediante o posicionamento da bola, os jogadores têm de identificar quais as zonas mais importantes a serem ocupadas e reduzir os espaços em função de referenciais coletivos, com a finalidade de criar condições/superioridades para recuperar a bola. Para concluir este ponto, fundamental é de salientar que este conceito viabiliza manter a iniciativa do jogo, seja com bola como sem ela – “levamos o adversário para onde queremos “!

Video -> The Coaches’ Voice en español

“Na prática, são coisas completamente diferentes! Defender zonalmente e fazer um pressing zonal são duas coisas completamente diferentes! Uma coisa é defender à zona onde, pelo posicionamento em campo e pela adaptação posicional de todos os jogadores em função da posição da bola quando esta está em posse do adversário, tem-se como objectivo encurtar espaços, criar dificuldades e esperar pelo erro. Defender zonalmente, mas de uma forma pressionante, significa, da mesma forma, um bom jogo posicional, mas com uma iniciativa no sentido de intensificar ao máximo as dificuldades do adversário e de tentar recuperar a bola o mais rapidamente possível. De uma forma muito sumária, e quando falamos em futebol de alto nível, eu diria que homem-a-homem não existe, zonal existe mas não me convence e zona pressionante é o futebol de hoje e o futebol de amanhã”.

(Mourinho citado por Amieiro,anexo 11)

Para ilustrar este conceito vou utilizar o Chelsea de José Mourinho, a equipa campeã inglesa em 2004/2005, com o recorde de menos golos sofridos (15) numa época de Premier league ,batendo igualmente o recorde de jogos sem sofrer golos(24).

IDENTIDADE: Falar da identidade de uma equipa, é abordar a mesma como um todo, algo que identifica e guia todo o processo. Por isso, neste ponto não falaremos somente da organização defensiva mas de todo o processo.

O modelo de jogo deste Chelsea era guiado pela principal intenção de ter a iniciativa do jogo em todos os momentos,manipular o adversário. Guardiola diz que a bola é melhor ferramenta para manipular o adversário ,pois bem este Chelsea de Mourinho manipulava o adversário unicamente com a utilização inteligente dos espaços.

Para demonstrar tudo o que foi até aqui dito, vejamos esta resposta do treinador português quando questionado sobre sua recente contratação Tiago

”Esteve bem mas cansado. Jogamos de forma muito especifica e demonstrou uma inadaptação fisiológica ao nosso ritmo ,mas isso não significa que chegou mal preparado fisicamente,apenas chegou inadaptado”Mourinho citado Oliveira,2006)

Esta resposta demonstra a presença de uma identidade muito vincada, muito especifica, única e exigente. Exigente porque pro-ativa no sentido em que a ocupação do espaços em função da posição da bola necessita uma constante adaptação posicional e por isso uma concentração máxima relativa.

Princípios (macro):Neste ponto vamos adotar uma analise mais especifica ao momento sem bola,os princípios dão vida a identidade,sendo que a identidade passa por uma utilização inteligente dos espaços ,a principal referencia da equipa sem bola é o espaço. A conquista desse espaço passava por uma estrutura em 4-1-4-1 ou por vezes em 4-4-2..

Como já vimos ,a utilização do espaço passa obrigatoriamente por uma hierarquização!A equipa de José Mourinho valorizava imenso o espaço ao redor da zona da bola,por que era nesse espaço que graças a uma coordenação perfeita do bloco conseguia criar a tal zona pressionante,para o conseguir ,o comportamento passava constantemente por um encurtamento coletivo da distancia para com a zona da bola ,conseguindo assim diminuir tempo e espaço ao portador.

Hoje em dia, grande parte das equipas que utilizam uma marcação zonal praticam uma pressão em largura, o que leva o adversário para o espaço menos valioso, corredor lateral,e aí sim são criadas as zonas pressionantes. Os”Blues” não adotavam esse comportamento, pelo contrario praticavam um comportamento, que eu chamaria de pressão em profundidade, cujo objetivo não passava por levar o adversário para corredor lateral ,mas sim de encaminha-lo para um espaço onde a equipa esteja em condições (coberturas) de criar zonas fechadas.

Para concluir este ponto, este Chelsea desmontou um preconceito existente ainda hoje no futebol:”só é possível ter iniciativa do jogo em bloco alto” .A equipa do “Special One” mesmo ao valorizar pouco o espaço de construção do adversário conseguia ter um comportamento extremamente agressivo e pro-ativo. Como ? Com superioridade territorial perto da zona da bola e com um constante movimento para corresponder ao da bola e nunca do adversário !

Sub Princípios(meso e micro): Neste ponto centraremos a nossa analise nos sub-princípios que são responsáveis pela sustentabilidade dos princípios macro.

Como já aqui referenciado um dos princípios macro passava por reduzir espaços em função da zona da bola. Este principio só é possível com um bloco coordenado que tenha capacidade de ajustar posicionamentos/trajetórias/perfilaçao… se o bloco não se ajustar constantemente à zona da bola não existira condições para pressionar e por essa razão a equipa londrina baseava o seu encurtamento com “triângulos de pressão”. A existência destes triângulos permitia ter um homem a pressionar o portador da bola utilizando o seu corpo para fechar o maior espaço possível e dois homens muito perto em cobertura fechando o espaço de fora do colega. Estes triângulos surgiam perfeitamente partindo da estrutura 4-1-4-1 com Makelele sendo peça fulcral para cobertura tendo em conta que era a linha média quem tinha a responsabilidade de criar zonas pressionantes .

O conceito de pressão em profundidade estimula-vá a linha média a criar zonas pressionantes!Linha média composta por 1 médio em cobertura + 4 médios (2 em largura e 2 no corredor central),os médios laterais tinham um papel fundamental na criação de zonas fechadas pois tinham a função de encurtar terreno ,partindo do corredor lateral e movimentando-se com uma trajetória curvada impediam que o adversário consegui-se sair pelo corredor lateral .

Já aqui falei varias vezes de manipular o adversário sem bola, o papel do avançado neste Chelsea era exatamente esse. Apesar de ter um comportamento bastante passivo tinha como função impedir que os centrais adversários conseguissem rodar, jogar e assim sendo tornar-se-ia a zona pressionante ineficaz. O seu comportamento passivo e bastante posicional entre os centrais permitia isso e impedia que a linha adversaria subi-se e abafa-se uma possível transição ofensiva do Chelsea.

Todos os jogadores têm liberdade para sair em pressão a zona da bola, contando que tenham uma sub-estrutura capaz de assegurar-lhes cobertura(1+2). Sem nunca esquecer que esta cobertura só existe se o bloco não se posicionar em função do adversário mas sim do espaço e do colega.

Para terminar esta analise gostaria de convidar o leitor a um exercício ,deixarei no fim deste artigo um curto vídeo da organização defensiva do Chelsea pré José Mourinho,com Ranieiri como treinador principal ,tire as suas conclusões ….

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