Um Dia não são Díaz

Um golo do senegalês Boulaye Dia, e outro do gaulês Coquelin foram a materialização de uma primeira metade de sonho para um Villarreal que – fruto de uma intensidade diabólica – congelou a passagem do favoritíssimo Liverpool à Final da Liga dos Campeões. Um volte-face em relação a uma primeira-mão completamente dominada pelos reds que deixou toda a gente que pensa saber de futebol a coçar a cabeça com tiques de incredulidade. De facto, quem assistiu ao jogo da ida, em Anfield, ficou com a questão do ovo e da galinha na cabeça: foi o Villarreal que não quis sair? Foi o Liverpool que não deixou? Haveria qualidade para fazer melhor na cidade dos Beatles ou, de facto, esta equipa de Klopp está numa dimensão imensamente superior ao que Juventus e Bayern puderam augurar contra este surpreendente Villarreal? E tal como a questão primária – a do ovo e da galinha – também fica difícil dar uma resposta concreta e de verdade absoluta. Isto porque a primeira metade do Villarreal no El Madrigal calou todos os críticos que no final da primeira volta anunciaram o funeral ao submarino amarelo. Por outro lado, o golo de Dia (e o de Coquelin) acabariam por não ser Díaz. Isto porque a entrada do colombiano na 2.ª parte pareceu um truque de ilusionismo e, como que por magia, tudo o que não funcionou anteriormente para os reds passou a parecer novamente aquele relógio que bate sempre os tempos certos. Algo que será sempre redutor até porque foi, primeiro, o colectivo a subir de patamar para depois o colombiano (e restantes companheiros) virarem o jogo a seu favor.

Fisicalidade dos espanhóis a condicionar imenso um Liverpool que esperava mais tempo, mais espaço. A pressão alta foi uma realidade que surpreendeu, também pela eficácia em alto número das recuperações. E mesmo quando as bolas não eram recuperadas, o encurtar de espaços do submarino condicionou imenso o habitual jogo que os reds usam para dominar todos os jogos

Mas para contarmos essa tal história do naufrágio do submarino, que parecia um foguete, temos mesmo de não ter panos quentes para um Liverpool irreconhecível na primeira-parte. Totalmente submetidos à força emocional de um povo, de uma identidade, de um clube e (porque não?) de um treinador, o almighty Liverpool falhou passes atrás de passes, enquanto via o submarino colecionar primeiras e segundas bolas. E mesmo com um bloco bastante subido (e uma pressão alta digna desse nome), aquele risco sempre iminente da saída do Liverpool acabar de rompante com aquilo tudo pareceu sempre inatingível para a tal coleção de erros forçados e não forçados daquela que é, pelo menos, uma das duas melhores equipas do planeta. Um esforço heróico que haveria de redundar em dois golos, e empate na eliminatória, mas que haveria de trazer o reverso da medalha na etapa complementar e decisiva.

Às primeiras e segundas bolas foi-lhes dada uma importância e ênfase de vida ou de morte. Um esforço sobrehumano que fez sonhar mas que não resistiria a uma quebra brutal na segunda metade. Ainda assim, foi algo notável e de vangloriar a forma como duelos atrás de duelos foram ganhos pelos de Emery.

É que não só o Liverpool teria forçosamente de trazer uma atitude diferente (pelo menos em relação à enorme quantidade de duelos que levaram o jogo para o seu meio-campo defensivo) como também o Villarreal teria de lutar contra o desgaste que seria consequência natural de uma primeira-parte de esforço olímpico. E à medida que o Liverpool foi errando menos (muito menos, também porque o encostar do Villarreal já não mordia tanto) a dúvida de que afinal este sonho seria possível começou a assolar a estratégia de Emery. Os reds já não tremiam e, pelo contrário, em poucos minutos conseguiram ser, de novo, aquela equipa de Anfield que, certa como um relógio suíço, batia de novo um tiquetaque sem percalços capaz de reduzir a pressão dos da casa a cinzas – e como o Liverpool não anda de lado a lado com medo de não partir o jogo, aqueles passes deliciosos que castigam o espaço entrelinhas alternados com a procura da profundidade tornam-se demais para qualquer adversário.

A surpreendente e enérgica estratégia do Villarreal condicionou o Liverpool – forçando-o a errar passes. Mas a mesma estratégia conseguiria também um peso no jogo que, com certeza, influenciou os erros não forçados que a equipa de Klopp cometeu na primeira parte. Uma contabilidade de passes errados (forçados e não forçados) que Klopp demorará algumas épocas para encontrar comparação possível. Foi também esta reação negativa ao que o jogo demonstrava que fez a diferença nos primeiros 45m.

E, como se fosse possível, para complicar ainda mais, Luis Díaz era solicitado e esticava jogo pela esquerda. Encarava, ia para cima. Depois, das duas uma, ou partia tudo como tanto sabe e gosta ou, mesmo perdendo a bola, fazia-o em zonas altas – dando hipótese ao célebre gegenpressing de brilhar e levar o jogo para aquela normalidade que todos esperavam depois da primeira-mão. Porém, foi bom enquanto durou um conto encantado que nos deixa sonhar que tudo é possível em futebol. Uma luta de força emocional, e até de fé, que acabou por esbarrar numa identidade e mentalidade que é realmente estratosférica e que eleva o desígnio da competitividade em futebol para um nível praticamente inatingível para a maioria das equipas. Têm agora a palavra City ou Real Madrid para nos mostrarem as dúvidas que porventura terão os reds. Algumas ficaram em campo no El Madrigal mas por lá foram ultrapassadas. Será alguém capaz de as tornar permanentes ou um Dia nunca serão Díaz?

Chegadas dos médios à área como forma de desequilibrar foram nucleares para as duas equipas. Nos dois golos do Villarreal e no golo do Liverpool que desequilibra definitivamente a eliminatória (Capoue e Fabinho)

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