Fará a negação um campeão?

Para efeitos de objectividade deveremos responder à pergunta do título com a maior rapidez possível: Não. A negação não faz campeões. E a explicação para tal facto está intimamente ligada a um Moreirense-Benfica que confirmou o estado de negação em que se encontra o futebol do SL Benfica: sem ritmo, imposição do modelo, ligação e soluções com bola, aproveitamento das oportunidades criadas. Algo que poderá soar a falso alarme, a exagero, a agendas próprias para destabilizar e tudo o resto que mantenha o estado de negação. Contudo, parece evidente que ouvir-se Roger Schmidt na antevisão do encontro e visualizar-se o mesmo, um dia depois, soa a enorme contradição. Mas chegados aqui, convém fazer um parêntesis: esta é uma ferramenta que vários treinadores do Benfica (e não só, mas especialmente) usam para tentar trazer de volta a onda encarnada – que, como sabemos, é factor crucial nas caminhadas triunfantes do clube. Não se pode levar a mal que Schmidt o faça, como não se tem que condenar Jorge Jesus, Rui Vitória ou Bruno Lage por também o terem tentado fazer. A saber, uma caminhada triunfal num clube grande português faz-se de mãos dadas com os adeptos, criando uma onda de confiança inabalável que os pequenos percalços não param. Viu-se, por exemplo, na época passada a mais recente forma dessa onda. Porém, ao contrário do dilema do ovo e da galinha, nesta história é fácil encontrar o que nasce primeiro. E não é a onda. É a qualidade de jogo.

Notas Sofascore

Pois bem, o exercício de Schmidt pode assim tornar-se infrutífero visto que perdeu o maior ingrediente que forma essa onda. Essa aglomera-se quando a qualidade de jogo é alta e cativa, fazendo os adeptos ficarem orgulhosos da dedicação a tal causa. Raramente, em Portugal, ela surge antes e galvaniza a equipa. É sempre um ponto de vantagem no jogo das equipas que faz os adeptos sonharem em ter a melhor equipa, em estabelecerem uma hegemonia, em pensarem positivo e em estarem incondicionalmente com essa equipa. Leram bem: com essa equipa. E quando a qualidade de jogo desaparece, por norma os resultados desaparecem com ela. Aqui convém voltar à génese do que criou os bons resultados, não sem antes tentar aglutinar as massas para blindar a equipa de influências negativas. É por isso que soa a contradição o discurso de Schmidt. Porque a julgar pela maioria dos jogos da época, com especial ênfase nesta deslocação a Moreira de Cónegos, a equipa perdeu, primeiro do que tudo, o ritmo com que impunha o seu jogo. Não é uma explicação nova, mas repete-se (como se repetiu no último post relativamente aos encarnados) para reforçar a ideia de que o mais importante neste momento não é tentar convencer os adeptos a criar uma onda. O principal a fazer neste momento é devolver o ritmo e intensidade a uma equipa que deixa os adversários jogarem tempo a mais. E Schmidt, a ter ainda algum capital, tem-no por ter conseguido anteriormente criar esse ritmo, essa génese, essa ligação que a onda deseja.

À falta do ritmo que condiciona adversários e faz(ia) pender o jogo para o lado dos encarnados, o Benfica também somou erros em circulação que permitiram ao Moreirense soltar-se e demonstrar que o seu lugar na tabela não surge por acaso. Florentino foi um dos que mais esteve em destaque nesse aspecto, não surpreendendo por isso a sua saída ao intervalo.

Tudo bem, admita-se, é mais fácil apontar, e falar sobre, do que resolver. As causas para essa perda de ritmo (chamemos-lhe assim para condensar o principal problema) serão variadas e nada fáceis de resolver. É inegável que a equipa foi perdendo qualidade (e especialmente competitividade) no seu plantel e que esta versão, sabemos agora, dificilmente igualaria a qualidade de jogo da anterior. Mas há uma característica que pode dar esperança a quem quiser reavivar o ritmo. É que a anterior equipa do SL Benfica não era uma equipa especialmente física, uma equipa onde os jogadores fossem definidos como intensos ou animais competitivos. E ainda assim, conseguiu sê-lo. Conseguiu ser um conjunto que, não primando pela fisicalidade e intensidade, conseguia um ritmo extraordinário com e sem bola. Por isso, em teoria, não haverá razões para que esta equipa não o consiga ser de novo ou, pelo menos, não haverá razões para não conseguir um ritmo que condicione realmente o jogo ao adversário – especialmente na Liga Portuguesa. E as razões para acreditar nisto estão algo explícitas na crónica do jogo frente ao Inter de Milão, onde o exemplo da 2.ª parte contra o FC Porto na Supertaça, demonstra que mesmo neste plantel se pode encontrar ritmo para controlar uma equipa reconhecidamente intensa, como os azuis-e-brancos.

A intenção do Benfica parece passar por controlar o jogo com bola, em velocidade mais reduzida e que lhe permite encontrar de novo associações entre os jogadores. Aquando do fim do pressing do Moreirense, os encarnados conseguiram estabelecer-se no meio-campo ofensivo e replicar, ainda que a menor velocidade, algumas das ligações da época anterior. Ainda assim, em menor número e velocidade do que no ano transacto. De referir que a entrada de Kökçü trouxe o tal último passe e meia distância mas não trouxe a regularidade nas ações que só um ritmo (muito) mais alto dará.


Mas como demonstra boa parte deste Moreirense-Benfica essa não parece ser a prioridade. E se atentarmos ao primeiro quarto-de-hora, onde Trubin viu um par de golos iminentes à sua frente, rapidamente nos apercebemos que a intenção é totalmente a contrária, parecendo passar por um acalmar, um adormecer do jogo, para depois, com bola, as águias se estabelecerem no meio-campo ofensivo. Algo que até se conseguiu depois do período mais efusivo de um Moreirense competente e algo talentoso (sendo Alanzinho o expoente máximo dessa criatividade). Mas precisará o Benfica de correr o risco de estar a perder por dois golos à meia-hora (no pior cenário) para lentamente ir impondo a sua circulação até o adversário baixar linhas? É que até aí, sem ritmo na pressão e contra-pressão, desapareceu aquela fluidez dos passes que entravam e deixavam jogadores de frente para a linha defensiva adversária e da mobilidade que oferecia aos cruzamentos curtos soluções em várias posições (quem não se lembra de quantos golos João Mário marcou respondendo a cruzamentos atrasados?). Pois bem, tudo isso se perdeu em detrimento de uma equipa amorfa, desconfiada de si própria e do adversário, e onde a certeza foi trocada por uma dúvida que imobiliza. E assim sendo (exceptuando a situação flagrante que Florentino desperdiçou na primeira-parte) sobra um par de fogachos na segunda (remate perigoso de Di Maria e golo anulado a João Mário) para se contar a história do jogo.

À semelhança de Taremi, no Famalicão-FC Porto, Di Maria apareceu em zonas mais recuadas, ajudando à construção. São notórias as tentativas de Schmidt compensar o que falta em termos de posicionamento, mas há um certo antagonismo e dissonância cognitiva entre as escolhas dos onzes e aquilo que a equipa parece precisar.

Uma partida onde, novamente, o Benfica jogou sem laterais de raiz (permanecendo a lógica da continuidade sem pensar nas características do jogo) e onde Schmidt usou o intervalo para trocar o meio-campo, fazendo entrar Chiquinho e Kökçü para renderem Florentino (que esteve algo desastrado) e João Neves. Uma intenção que se poderá compreender em parte pelas características (especialmente com bola) dos que entraram, sendo que Kökçü aportaria ainda último passe e meia-distância (coisas que o talentoso João Neves (ainda) não oferece). Teorias que esbarram sempre na explicação encontrada por este autor que, na sua limitação, vê a forma pouco determinada do jogo sem bola das equipas como essencial e determinante. É que sem isso, sem esse condicionamento, sem esse forcing, sem esse manto protector que cobre constantemente a bola e protege a linha defensiva com as linhas mais adiantadas, tudo o resto surgirá a conta-gotas, ou não surgirá sequer.

Moreirense-Benfica, 0-0

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