Um ponto chamado eficácia

Falando esta semana sobre a equipa de Sérgio Conceição, só haverá um tema que poderá arredar a conversa sobre a sólida prestação do FC Porto, na fase-de-grupos desta edição da Champions, para segundo plano. E (com recurso a vídeos) já lá iremos, a um assunto que merece amplo destaque. No entanto, o elefante na sala merece também atenção. Isto porque, olhando para a classificação final salta à vista o empate pontual com o FC Barcelona – que é o mesmo que perguntar imediatamente, o que faltou para os portistas garantirem o primeiro lugar do grupo? E essa é uma conversa tão antiga como o próprio jogo, e transversal, em algum momento, a todas as equipas. Essa é a conversa sobre a ineficácia. Um sintoma que todos sabem apontar e enaltecer, mas que poucos, muito poucos, sabem como resolver. Obviamente, eu não serei a excepção à regra e não terei nestas linhas a panaceia para uma maleita intemporal. Contudo, isso não pode impedir que quem, a algum nível, participa no jogo queira saber mais sobre algo que define, sem escrúpulos e com dose elevada de crueldade, a prestação das (suas) equipas.

Sobre a ineficácia do FC Porto de Sérgio Conceição já se falou, então, demasiadas vezes. Sinal de que já é um padrão recorrente, mas sinal também de que a equipa cria imensas oportunidades. E como o que já é chavão indica, pior era se não se criassem oportunidades. E assim o é, terá de se concordar. Contudo, este tem sido um sintoma que impede o FC Porto de Conceição de chegar a um nível de excelência. Não que seja fácil, e que a solução esteja aos olhos de toda a gente, ou que haja inaptidão do clube e da equipa técnica, mas é um facto que quando o nível sobe, mesmo não perdendo a equipa a competitividade que a caracteriza, os níveis de eficácia descem. São inúmeros os exemplos que confirmam esse facto, sendo que os mais recentes serão os da eliminação contra o Inter na época passada, e os confrontos com o Barcelona nesta fase-de-grupos. E se fugirmos à subjectividade sobre controle e domínio dos jogos (questões onde haverá argumentos com bola e sem bola para todos os gostos), se fugirmos a todas as questões subjectivas, dizia, o FC Porto criou nesses encontros mais oportunidades do que o adversário. Casos (e oportunidades) flagrantes puderam ser observadas, especialmente, nos jogos em que o FC Porto recebeu essas equipas – isto para não termos de recordar vários outros encontros contra equipas de alto nível em que os registos (e os resultados) foram parecidos.

Usando o Porto-Shakhtar para comentar eficácia, ou falta dela, observamos que comparativamente aos jogos referidos no texto, nem sempre as finalizações foram conseguidas em situações de golo iminente. Contudo, a diferença passou por uma maior tranquilidade e certeza não só no momento da finalização, como no momento do último passe. Algo que faltou nos vídeos abaixo – que documentam oportunidades nos dois jogos contra o Barcelona.



Não será então descabido dizer que esse padrão é bastante mais evidente contra equipas que estão num patamar mais alto do que um FC Porto (que como os outros grandes) está limitado às realidades da Liga Portuguesa. Se bem que nas épocas de menor sucesso interno, esse padrão também desperta em jogos com equipas do mesmo patamar (Benfica e Sporting) ou equipas de um patamar abaixo, é nos jogos contra os Chelseas, Liverpool, Inter, Atléticos, que o padrão mais se acentua. Porém, observando que em certas fases de épocas que acabariam por ser menos conseguidas, esse mesmo [padrão] surge também em jogos mais acessíveis, constatamos que essa ineficácia não surge pelo facto de existirem adversários tidos como inferiores ou superiores para os dragões. Haverá é jogos (e momentos) que provocam diferentes reações, já para não falar da recorrência dos casos – que pela repetição constante não ajuda os jogadores a transcenderem esse medo cénico do falhanço.

Jogos contra melhores equipas, e intérpretes top, colocam dificuldades como a execução em menor tempo e espaço mas também provocam reações de desconfiança que podem prejudicar a performance. Nas oportunidades criadas pelo FC Porto nos jogos com o Barça de Xavi, poderemos notar que no detalhe as decisões (não só na finalização mas como no último passe) não foram as mais claras e fluidas – algo que prejudicou imensamente o registo dos portistas nas contas finais do grupo e algo que esteve longe de acontecer contra o Antuérpia e com o Shakhtar (jogos que renderam bastantes golos).

Sim, no meu entender, a abordagem e entendimento que cada jogador tem do jogo (e dos momentos) em questão poderá influenciar o desempenho e a eficácia. Já é algo sobejamente conhecido, e nada inovador, a ideia de que o estado mental influencia a performance. Sendo que o que seria inovador seria transcender os padrões que certos jogos (e momentos) provocam nos jogadores. Contudo, o que temos à nossa disposição, quando analisamos estes jogos (muitas das vezes a partir do sofá) são o visionamento totalmente físico dos lances. Os gestos técnicos são o que salta mais à vista, mas esses poderão ser consequência das tais reações que o jogo provoca. Isto porque não parece haver um problema físico ou técnico que provoque estas situações neste tipo de jogos, nem parece haver falta de aptidões para concretizar as oportunidades em golo. A diferença para jogos como os desta quarta-feira (contra o Shakhtar) em relação aos dois jogos contra o Barcelona, parece ser claramente a tranquilidade e confiança ou, se quisermos, a certeza no acto. E se bem que nesse tipo de jogos o tempo e espaço encurta, pela quantidade e qualidade do número de oportunidades criadas, o problema não parece ser de inaptidão técnica – ainda que certas destas oportunidades sejam, claramente, conseguidas já num esforço superior a outros jogos.

O Barcelona-Porto teve menos oportunidades e, como tal, o efeito emergência aumentou. Ainda assim, houve melhores momentos (especialmente na 1.ª metade) onde uma equipa mais ligada ao jogo do que o Barça reagiu primeiro (como no golo de Pepê). Contudo, outra vez nos detalhes, as ações anteriores à finalização, assim como a mesma, padeceu de novo de melhor preparação e melhores decisões.



Mesmo não querendo tornar a conversa em algo pouco factual ou até esotérico, devo dizer que, como no dia-a-dia da vida corriqueira, certos padrões emergem sem que, a olho nu, possamos fazer alguma coisa para os controlar. Todos temos, em determinados situações, padrões recorrentes que emergem pela situação em si. Ninguém, numa emergência, se comportará como se nada de grave se passasse. É a noção da situação que faz emergir o padrão – que está guardado no subconsciente à espera de uma situação que o despolete. O que imediatamente faz perguntar: qual é a noção que o FC Porto tem de si próprio e do jogo em questão? E qual a diferença entre a noção que se tem do jogo com o Shakhtar e a noção que se tem do jogo com o Barcelona?

Convirá recordar que as reações que podem provocar finalizações menos eficazes se estendem a outras ações no campo. Passes mal medidos ou de destino incerto também fizeram parte dos destinos desses jogos (sendo que a ação de Romário Baró fica intimamente ligada ao resultado). Este foi um aspecto em que o FC Porto melhorou imenso desde a chegada de Sérgio Conceição, mas que nesta época tem assolado de alguma forma os dragões. Os habituais brindes de outras eras em jogos grandes na Champions foram vistos também nestes dois jogos, e desde a Supertaça contra o Benfica os passes com destino errado têm de alguma forma afectado a equipa.



E Sérgio Conceição, sempre bastante avisado para estes aspectos, garantirá (e sublinhará, como sempre o faz) que todos os jogos são preparados da mesma forma. E isso parece ser verdade, dada a competitividade apresentada pela equipa e pela constante luta por todos os objectivos que persegue. No que pode controlar, Conceição fá-lo com mestria. Mas o que não pode controlar são mesmo as reações que o jogo provoca. Pode influenciá-las, pode sugerir noções (ele que foi um jogador do nível das equipas que fazem emergir este padrão no FC Porto actual), mas não pode controlar o que emerge do subconsciente de jogadores que têm noções diferentes das suas. E isto faz-nos perguntar, a um nível geral, e deixando de falar somente do FC Porto, de que forma se transcendem estes padrões em futebol? Casos como o de Rafa, por exemplo, em que um jogador tecnicamente evoluído (bastante até) tem bloqueios e decisões pouco evoluídas na cara do golo e na hora de finalizar, são abordados de que maneira? É que olhando para jogadores que marcam golos em catadupa, e que aparecem nos momentos mais difíceis, notamos poucas dúvidas no seu discurso, sendo que podemos (pelo menos especular) que não são tão afectados por reações do subconsciente, sendo que não reagem, apenas agem. Ou seja, o acto não é afectado por uma noção negativa que se tem do jogo ou do momento. É afectado pela certeza inerente à auto-estima do jogador, à noção que tem de si próprio e do jogo. E no FC Porto (e não só, lembre-se), no que concerne à finalização, parece haver uma noção de si mesmo em jogos contra o Shakhtar e em jogos com o Barcelona.

Algo que não é uma crítica porque é um facto bastante normal, sendo que a noção de emergência é algo que afecta a maioria das pessoas. E a noção de emergência contra equipas com alto grau de eficácia é sempre imensamente maior, algo que não é ajudado pela pouca frequência com que se encontram essas equipas durante a época – sendo que quantas mais vezes se jogar a esse nível maior é o grau de habituação e a maior a probabilidade de não se achar cada oportunidade criada como algo épico ou de carácter permanente. E isso é algo que treinos ou trabalho psicológico podem ajudar a resolver, mas só a experiência de ver os padrões e de se transcenderem as noções negativas individuais e colectivas pode dar avanços a uma situação que perdura. Algo que terá de ser dividido e resolvido em 4 fases: identidade (noção individual que cada jogador tem de si próprio), mentalidade (noção que a individualidade de cada um pode ter em cada jogo ou situação específica do mesmo), emoção (emoções causadas pelas noções anteriores, que darão a moção para actos físicos) e físico (ações físicas no jogo que são influenciadas pela percepção que cada um tem de si mesmo e do jogo em si). Influenciando estes quatro campos de maneira positiva poderá mudar as reações e, por consequência, dar maior grau de certeza às ações físicas. Algo que não é simples, mas que se o fosse ninguém se limitaria à simples constatação dos sintomas e ofereceria soluções. Sim, o FC Porto tem este padrão. Outras equipas, e jogadores, têm-no também. É uma questão de experimentar diferentes soluções até o transcender, como tudo o resto.

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