Fama e proveito… só com eficácia

Enquanto nos entretemos a fazer comparações entre o Benfica da época passada e o Benfica de agora, Roger Schmidt vai conseguindo, nas provas domésticas, o mais importante: vitórias. Algo que nos remete para a importância dessas constantes comparações. Sendo que elas não surgem por acaso (haverá sempre uma bitola pela qual os clubes que jogam para ganhar campeonatos se regem), a verdade é que é inegável que a qualidade de jogo baixou, mas ainda assim os encarnados mantêm-se na luta pelo campeonato, algo que afasta cenários de crise. Com vitórias importantes (ainda que magras e pouco convincentes) frente aos três principais rivais nessa luta, o Benfica vai também levando a sua avante noutros jogos em que o grau de dificuldade é elevado – como este frente ao Famalicão de João Pedro Sousa. Mas, olhando para o jogo, ficará inegável referir algo que até já Schmidt admitiu (embora continue a usar a época passada como comparação): este Benfica tem uma abordagem (completamente) diferente.

Saída de bola onde António Silva mostra um caminho interior que dá mais fluidez ao jogo do Benfica. Um futebol que envolve mais riscos e que Schmidt tem acautelado por falta de condições para pressionar mais alto, manter essa mesma pressão e proteger a linha defensiva. Evitar partir o jogo parece ser a ordem por agora, embora fique na retina esta ação do jovem central como que a dar sensação de déjà vu em relação à época transacta.



Algo que ainda assim não é só desta época. Também depois da derrota frente ao FC Porto, na Luz, e depois da eliminação frente ao Inter, as águias mudaram o seu registo totalmente dominador para algo mais pragmático. E, correndo o risco de chover novamente no molhado, a primeira alteração que salta à vista é o facto de o Benfica não conseguir ser regular na pressão aquando das saídas do adversário. E mesmo quando é forçado a baixar (muitas mais vezes que nos melhores momentos da 1.ª época de Roger Schmidt) a bola não está constantemente coberta. Assim sendo, este é um Benfica com um bloco que recuou para uma altura média. Também, a responsabilidade dos roubos e condicionamentos recai muito mais nessa zona, com João Neves a ser o mais interventivo nesse processo. E com a linha avançada sem conseguir aqueles forcings necessários para o controle a tempo inteiro do jogo, a linha defensiva fica muito mais descoberta. Com bola, são menos frequentes os passes interiores e as posteriores associações que colocavam gente na cara do golo. Foram substituídos por uma circulação mais lenta, apoiada e por fora do bloco, que previne transições adversárias e que faz o trabalho de proteção à linha defensiva que, outrora, a pressão adiantada fazia. Tudo pormenores que foram vistos neste Benfica-Famalicão que, mesmo com todas as mudanças que vamos vendo no Benfica, teve resultado de bom momento. Três bolas a zero para as águias e mais argumentos a favor da nova roupagem que Schmidt conferiu à equipa.

Famalicão aproveitou algum espaço nas saídas para aparecer num jogo onde o seu bloco-baixo deu demasiada liberdade ao Benfica na 1.ª parte. Imagens que mostram bastantes diferenças no posicionamento e ritmo das águias em relação ao que já foi visto com Schmidt ao leme.



Algo que terá muitíssimo a ver com o excelente adversário, cheio de talento e organização, que é este Famalicão. Porém, o problema dos famalicences é o mesmo de todas as equipas menos cotadas e talentosas que tentam conquistar a Luz (ou o Dragão, ou Alvalade). Um dilema que encerra indefinições na estratégia a adoptar. E no caso do Famalicão – que já havia dado boa réplica na Luz para a Taça -, João Pedro Sousa ficou-se, na primeira metade, por uma estratégia mais conservadora e de menos risco. Algo que visava certamente aproveitar algumas destas mudanças no novo Benfica de Schmidt, com recurso a um bloco médio para aí, no miolo, condicionar a tal circulação mais lenta e apoiada dos encarnados. Algo que, na verdade, não foi conseguido, sendo que os momentos de protagonismo para o Fama nos primeiros 45 minutos remetiam-se às saídas de bola que, agora, o Benfica não consegue condicionar como o fazia no passado.

O Benfica desta época não se esforça tanto por cobrir a bola e proteger a sua linha defensiva. O passe longo de Zaydou encontrou demasiado espaço entre os centrais e uma linha defensiva despreparada para a situação. Valeu Trubin e a falta de eficácia descrita no texto.

Algo que é agora fácil apontar para quem não teve a responsabilidade de escolher. É um facto sem intenção de crítica fácil dizer que a abordagem não resultou e deveria ter sido outra. Isto porque o Benfica, mesmo sem jogar a um ritmo diabólico, estava demasiado perto da baliza do adversário, enquanto que o Famalicão esteve sempre demasiado longe da de Trubin (tirando alguns fogachos de Chiquinho). E no meio desse domínio, algo consentido, o Benfica teria sempre tempo com bola para o nível superior dos seus jogadores vir ao de cima. Rafa, bem cedo, poderia ter encontrado o golo (5′), como Artur, aos 14′, que falhou por centímetros um cabeceamento que emendaria um livre cruzado bastante venenoso. Situações que certamente não foram do agrado de João Pedro Sousa que, apesar de ver algumas das suas saídas finalizarem jogadas ou levarem o Famalicão para o meio-campo adversário, o caudal da sua organização simplesmente não era suficiente. E mesmo quando o Famalicão esticava, haveria sempre o risco do talento e simplicidade dos jogadores do Benfica emergir. Talento, simplicidade e, claro está, eficácia. Essa que haveria de ser uma palavra-chave neste encontro.

Com o Famalicão a dividir o jogo e muito mais subido que na primeira metade, Rafa emergiu como o catalisador dos encarnados para a reação a essa mudança de João Pedro Sousa. Também João Neves e Kökçü foram simples e eficazes a procurar o espaço por onde Rafa poderia acelerar.



Uma importância que começou a ganhar forma na brilhante jogada do primeiro golo (Arthur 32′), onde a forma como João Neves e Rafa ganham a frente aos adversários comprova todo o dilema que assombra um treinador como João Pedro Sousa quando a sua equipa pisa a Luz. Se fica baixo, dá tempo para o talento emergir, se divide o jogo abrirá espaços que jogadores de outro nível como Neves e Rafa aproveitarão para criar situações. Um dilema que João Pedro encarou de frente, voltando para a etapa complementar de forma arrojada para tentar, e conseguir, dividir um jogo que lhe fugiu das mãos na 1.ª parte. Mais subido e pressionante, mais criador, o Famalicão empancou finalmente na tal palavra-chave deste encontro, a palavra que equilibra agora este Benfica menos exuberante e mais pragmático: Eficácia! E foi com o Famalicão subido e a criar situações (que tal como no jogo da Taça não haveria de concretizar) que Rafa e Musa selaram as aspirações de uma estratégia que nunca será certa se não houver aquele grau de certeza na finalização. Não me interpretem mal, o Famalicão nunca falhou na organização e talento, mas – como em quase todas as equipas que defrontam um grande – o trabalho parece estar muito mais focado na divisão do jogo, parecendo haver demasiadas dúvidas na concretização das situações. E essa é uma lição que se paga caro quando do outro lado há talento para fazer o cordame abanar mesmo em jogos divididos, e mesmo quando se está mais recuado no terreno. Aí, emerge Rafa como esticador e ponto de vantagem desta equipa (por mais golos que falhe e menos saídas que condicione, Rafa será sempre o impulsionador e diferenciador desta equipa) e emerge Schmidt que com eficácia terá sempre razão – jogue de que forma jogar, ainda que sobrem dúvidas sobre esta forma de encarar jogos por parte do alemão. Um assunto que só o será se, na hora da verdade, o Benfica não marcar mais golos do que o seu adversário. Ainda assim, parece estar sempre no fio daquela navalha que é a concessão de várias oportunidades ao adversário. Contudo, para voltar à forma fluída que é a génese do seu futebol, convirá ir apoiado em vitórias. 2024 trará novos capítulos e novas respostas para esta season 2 que deixou o gegenpressing de lado.

Postura mais pressionante e subida do Famalicão na 2.ª metade valeu várias situações que poderiam ter valido o risco do espaço deixado atrás da linha de pressão para Rafa cavalgar. Algo que a taxa de eficácia poderia ter validado mas que embateu em Trubin e em finalizações perdulárias que fizeram lembrar o embate para a Taça.



Benfica-Famalicão, 3-0 (Arthur 32′, Rafa 85′ e Musa 89′)

1 Comentário

  1. Uma pergunta….
    Este mesmo Benfica carece especialmente de jogadores para as laterais defensivas, apostando agora que no mercado de inverno essas carencias sejam suprimidas…Este mesmo Benfica, mesmo com Bah na lateral direita e Bernat ou um lateral esquerdo mais à medida, fazendo possivel o arrastamendo de Aursnes para junto de João Neves, porque não apostar em Kokcu para fazer de João Mário…..permitindo assim que Di Maria e Rafa se mantivessem no 11 e aumentando a reaçao à perda e tb o raio de ação de um jogador como Kokcu mais vertical e lesto na decisão, do que João Mario mais cerebral e pragmatico?

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