Reação-ação, talento.

Nota: este artigo foi escrito no último dia de 2023, ainda antes de ser anunciada a transferência de Rodrigo Gomes para o Wolves na próxima temporada.

A entrar em 2024, no futebol debate-se cada vez mais a questão iniciativa-reação. Na preparação e abordagem aos jogos, na filosofia de treino, na competição interna, no mercado, na maneira de encarar os desafios dentro e fora do campo. Dentro das diferentes perspectivas neste debate, e da visão de cada um, ouve-se bastante que quem tem mais posses/dinheiro/qualidade deve ter iniciativa, e que é justo e sensato que do lado contrário se viva mais na reação, com menos riscos (sempre algo questionável) e preparado para todos os cenários que o adversário possa apresentar.

Seja numa visão coletiva ou individual do jogo, acredito que o equilíbrio, como quase sempre, está no meio. Quem apenas se sente confortável a reagir terá dificuldades a reagir a problemas, e do lado contrário o mesmo também será verdade. Ora, se este debate é famoso para avaliar equipas e treinadores, acho-o também indicado quando falamos de jogadores. Jogadores talentosos, jogadores trabalhadores, jogadores físicos, jogadores técnicos, jogadores defensivos ou ofensivos. Principalmente nos dias de hoje, o jogador mais completo em todas estas vertentes irá, provavelmente, ter mais sucesso do que um “especialista incompleto”.

Citando o livro que mais gostei de ler em 2023 (Range, de David Epstein): “Em vez de perguntares se alguém é corajoso, pergunta antes quando é que o são. Ao colocares alguém no contexto certo, é mais provável que trabalhem mais e que sejam vistos como corajosos para quem está de fora”. Ao analisar o Estoril Praia de Vasco Seabra e as diferenças para as jornadas iniciais ou até da época passada, não há como ignorar o contexto que está a retirar o melhor de jogadores como Tiago Araújo, Mateus Fernandes, Holsgreave, Guitane ou Rodrigo Gomes (entre outros). É sobre este último que me vou debruçar no que resta deste artigo, e no qual pensei ao escrever esta (longa) introdução.

Se há uns anos perguntassem sobre Rodrigo Gomes, falava-se de um miúdo irreverente, um extremo por natureza que atacava o meio-campo contrário a toda a velocidade. Se me perguntarem hoje em dia, mantem isso tudo, mas o que destaco principalmente nesta primeira volta da liga tem sido a sua disciplina, capacidade de trabalho e eficácia em momentos do jogo que dão controlo ao Estoril (transição defensiva, por exemplo, como vários dos exemplos no vídeo seguinte)

Concentração, sempre preparado para os diferentes cenários do jogo, disponibilidade física e emocional em prol do coletivo. A maneira como reage para as segundas bolas, bolas aéreas e aos seus próprios erros mostra personalidade de um miúdo que é muito mais do que talento. Os golos de recarga “sempre no sítio certo” também são mais mérito do que sorte de um jogador sempre ligado ao jogo. Para quem pensa que estou a reduzir um jogador de seleção sub-21, escola de Braga e uma das figuras da nossa liga apenas pelo que dá sem bola, engane-se. Todos estes atributos permitem que o Estoril faça aquilo que gosta mais vezes: ter bola, jogar com qualidade e controlar o jogo e o seu ritmo. A cada ação corajosa de Rodrigo Gomes e dos seus colegas existe uma reação que lhes permite criar o contexto certo para libertar o seu talento (provas disso são a quantidade de golos e jogadas criadas através destes comportamentos sem bola, no vídeo seguinte). Um jogador completo com moldes de futebol atual, que tem várias qualidades para ter uma carreira de excelência seja como extremo, médio ala ou até lateral de equipa grande.

Sobre RobertPires 84 artigos
Rodrigo Carvalho. 26 anos, treinador adjunto-analista nos San Diego Loyal, EUA. @rodrigoccc97 no Twitter.

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