Banda Eva

No novo episódio desta apaixonante série que tem colocado frente a frente o FC Porto e o Estoril, os dragões conseguiram, finalmente, encontrar o antídoto para derrotar (desta feita sem contemplações) a equipa de Vasco Seabra. Mas este capítulo, que terminou com a vitória dos portistas (0-4) e com a consequente passagem aos quartos da Taça, tem mais que ver com os últimos jogos da equipa de Sérgio Conceição do que propriamente com aqueles onde acabou derrotada pelos canarinhos. É que se olharmos para os primeiros 20 minutos da partida, a abordagem do Estoril foi muito parecida àquela que o Chaves e o Boavista utilizaram para travar a organização ofensiva dos azuis-e-brancos. Mas antes de começarmos já a castigar Vasco Seabra pela estratégia, convirá tentarmos discernir se esta é também uma história de ovo e galinha, tentando descobrir qual nasce primeiro: a estratégia dos adversários, ou a do FC Porto?

Organização defensiva do Estoril não entrou a falhar questões que os adversários do FC Porto consideram primordiais. Largura e espaço interior fechados, espaço entrelinhas inexistente, marcação e dobra constante ao jogador aberto na ala. Paciência do FC Porto tentou encontrar espaço pela circulação mas a muralha seria aberta com passe vertical.



Por aqui avisámos, no último post sobre os jogos dos grandes, que, ao observarem o FC Porto, os adversários têm como solução imperativa um aumentar da intensidade. Ou seja, da mesma forma que Sérgio Conceição pede aos seus atletas, constantemente, que os níveis da intensidade e da agressividade positiva (palavras do próprio) não desçam, também os treinadores adversários terão que o fazer obrigatoriamente – caso contrário o jogo partirá sempre a favor dos dragões. E é esta reacção dos adversários (juntamente com outros factores próprios como baixas de forma, lesões, menor rendimento e influência de individualidades…) que tem provocado as dificuldades que vamos presenciando esta época no FC Porto. E se juntarmos a isso aquele sentido de urgência que nasce quando se vai atrás no principal objectivo, poderemos já ter uma visão do que é a dificuldade constante de em cada jogo enfrentar adversários que se fecham em 541, ou em 631, no seu último terço. Serve isto de desculpa? Obviamente que não. Mas são condições que têm de ser tidas em conta para uma análise mais séria e completa à época e, principalmente, aos últimos jogos do FC Porto.

Estoril a fechar a largura e o espaço interior, com Francisco Conceição e Galeno alvos de marcação e dobra. Missão de discernimento por parte dos laterais portistas, que teriam de ter timings oportunos para oferecer essa ajuda aos alas – correndo o risco de falharem uma possível transição defensiva. FC Porto circulou à largura e tentou também pelo meio, mas ainda antes do golo denota-se desde logo o espaço que Pepe encontraria para oferecer a Evanilson o primeiro do jogo.



Caso contrário, redundaremos em explicações que, a meu ver, pouco têm a ver com a real história do que tem acontecido. Exemplo perfeito será dar uma volta pelos fóruns e páginas de comentários nas redes sociais depois desta vitória por quatro golos de diferença ao maior carrasco dos portistas nesta metade de época. E por lá se encontraram as habituais razões que, de forma simplista, reduzem tudo a uma mudança de jogadores ou a uma mudança da táctica (FC Porto terá mesmo mudado para 433 neste jogo?). Mas, por mais que procurem, dificilmente encontrarão uma análise séria aos primeiros 20 minutos do jogo e, principalmente, à origem do golo que mudou a história dos jogos recentes. E se o fizermos, se nos debruçarmos sobre a entrada do FC Porto neste jogo específico, veremos que não existiram assim tantas diferenças. Esteve lá uma entrada forte e que força o adversário ao seu último reduto (neste caso porque o Estoril não teve a intenção de por lá permanecer na maior parte do tempo) e que vai tentando aproximações à área, com a enorme dificuldade de ter de o fazer num espaço de 30 metros com todos os jogadores do adversário pela frente. Legítimo? Claramente, até porque são as valências do FC Porto a criar esta reação nos adversários, sendo que esse bloco à frente da organização ofensiva de Sérgio Conceição tem ainda o condão de ser especialmente intenso num espaço curto, e de oferecer a cada duelo uma dobra. Assim, mesmo a única mudança de cariz mais táctico (Francisco Conceição abriu a ala do lado que costuma estar entregue ao lateral-direito) empancou na tal marcação e dobra que Vasco Seabra desenhou. Perspectivava-se então outro jogo de grau de dificuldade elevado, pela paciência mas também pela rapidez de decisões que teria de ser operada por um FC Porto que tentou, claramente, com várias mudanças no onze, uma versão onde mais individualidade emergissem.

As estratégias que os adversários do FC Porto têm adoptado deixam centrais e trincos soltos em organização. Passe atrasado para Pepe faz subir a linha defensiva uns centímetros mas sem acompanhamento da linha mais adiantada. O central portista teve então tempo e espaço para encontrar uma das maiores armas de Evanilson: a diagonal curta na profundidade.


Mas, curiosamente, o golo dos dragões nada teve que ver com a história que contamos acima, e que é também (nos primeiros 20 minutos) a história do Porto-Chaves ou do Boavista-Porto. É com um Estoril a deixar soltos os centrais e a subir a linha, ficando por isso mais vulnerável, que um passe vertical de Pepe encontrou aquele rasgo de individualidade que o FC Porto precisa para ombrear com o Sporting e Benfica na classificação. Foi, neste caso, Evanilson que não desperdiçou a chance e, tão importante como isso, deu mais uma solução ao FC Porto para estes jogos onde é tão importante aproveitar quando os adversários não estão organizados defensivamente. E isso pode acontecer através de contrapressão, reação à perda, criação de transições, como pode acontecer por conceder propositadamente a bola ao adversário, para no ganho aproveitar um posicionamento diferente daquele que lhe é (ao FCP e a todas as equipas) imensamente difícil de transpor. E no caso do Estoril, o FC Porto nem tinha que forçosamente conceder bola. O Estoril gosta de a ter e à mínima oportunidade cresce no campo. E, assim sendo, o carrasco dos dragões acabou por se tornar a presa ideal para este momento delicado que os dragões enfrentam.

FC Porto a mostrar bastantes soluções em transição, com excelentes entendimentos entre Francisco Conceição (que depois do primeiro golo pôde ficar em 1 para 1 mais vezes), Pepê, Galeno e Evanilson. Timings e associações perfeitas que fazem sublinhar a importância da criação desse espaço. Neste jogo aconteceu por via do primeiro golo e da abordagem mais ousada do Estoril, noutros pode acontecer pela concessão temporária da bola ao adversário para depois explorar espaços nos momentos ofensivos.



O primeiro golo, e a forma como surgiu, é assim, no meu entender, o factor preponderante no jogo. Pela criação de espaço e de uma vertente que dá oxigénio à equipa para ver novas rotas, mas também pela emergência de uma individualidade e, ainda também, pelo que provocou no jogo a partir daí: não mais interessou ao Estoril fechar-se no seu meio-campo defensivo, abrindo espaços que o FC Porto haveria de aproveitar com distinção. Foram os casos dos golos seguintes (mesmo o 2.º golo, na jogada que dá origem ao penálti), com Francisco Conceição, Pepê (de utilidade extrema no centro do terreno, quer em organização, quer em transição ofensiva) e Galeno a mostrarem entendimento perfeito no espaço que o adversário deixa. Esta é também uma das razões para o cumprir de objectivos na Champions League (o FC Porto encontra sempre muito mais espaço) e para a diferença em relação ao campeonato, onde a ação intensa e as suas características forçaram os adversários a uma legítima reação. Ontem (terça-feira) o FC Porto arranjou o espaço no passe vertical de Pepe e no crescimento de Evanilson como individualidade valiosa e influente, amanhã vai ter de arranjar novas formas de o fazer pois nem sempre os adversários largarão o bloco baixo depois de sofrerem o primeiro (vide Boavista). Um espaço que está caro e que nas poucas vezes que se acha tem de ser realmente aproveitado. Gyökeres tem criado e facturado nesse espaço. Rafa tem criado esse espaço num Benfica mais recuado e que beneficia a sua condução. Sendo que ao FC Porto resta-lhe encontrar e potenciar essas individualidades na sua estratégia, sendo que dependerá sempre da eficácia das mesmas – e Evanilson mostrou como se faz, ao não desperdiçar as rotas que a estratégia lhe deu.

Uma oportunidade para cada lado, antes dos 20 minutos, mostram a importância do primeiro golo neste jogo. Primeiro o FC Porto com João Mário a encontrar o lado de fora da linha defensiva (rapidamente incomodado por João Marques que fez um excelente trabalho defensivo), para depois Diogo Costa impedir o primeiro dos estorilistas e, quem sabe, um jogo bem mais complicado.

Estoril-FC Porto, 0-4 (Evanilson 24′, 32′ g.p. e 56′, Galeno 76′)

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